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Quem matou o boom de publicidade nas mídias sociais?

Década de crescimento vertiginoso chegou a fim abrupto, e há outros suspeitos além da desaceleração da economia mundial

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Alex Barker Tim Bradshaw Alistair Gray
Londres | Financial Times

Uma década de crescimento vertiginoso da publicidade nas mídias sociais chegou a um fim abrupto. Quem matou o boom?

O Vale do Silício começou a procurar um culpado esta semana, e Mark Zuckerberg, fundador da Meta, e Sundar Pichai, presidente-executivo da Alphabet, usaram suas conversas com analistas durante os anúncios dos resultados de suas empresas nos últimos dias para apontar na direção das nuvens de tempestade inconfundíveis que pairam sobre a economia mundial.

Mas os sinais mais marcantes de fraqueza estão concentrados nas plataformas de mídia social.

Os anunciantes americanos estão a caminho de gastar US$ 65,3 bilhões (R$ 337,8 bilhões) em redes como Facebook, Snap e Twitter este ano, um aumento de apenas 3,6% ante o ano anterior. É um crescimento a uma velocidade de cerca de um décimo da de 2021, de acordo com estimativas da eMarketer.

Aplicativos de Facebook, TikTok, Twitter, Youtube e Instagram - Dado Ruvic - 13.jul.2021/Reuters

A desaceleração na mídia social é tamanha que o ritmo de crescimento previsto para o segmento em 2022 é quase mesmo da da mídia tradicional, como televisão e rádio, cuja audiência vem caindo há anos.

Enquanto isso, grandes grupos de publicidade vêm evitando a turbulência digital: WPP, Omnicom, Publicis e Interpublic elevaram suas projeções para o ano. "A Snap previu uma recessão publicitária no primeiro trimestre", disse Mark Read, presidente-executivo do WPP. "Ainda estamos esperando que ela aconteça".

Então, quem são os suspeitos no ataque à mídia social?

Mark Zuckerberg

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, em cerimônia na Califórnia - Josh Edelson - 3.nov.2019/AFP

À medida que cresce a frustração em Wall Street sobre a recusa da Meta quanto a reduzir o investimento no metaverso, apesar da desaceleração na publicidade, alguns investidores e analistas veem o fundador do Facebook como a maior ameaça à longevidade da empresa.

Os analistas da MoffettNathanson chegaram a comparar a Meta às empresas tradicionais de mídia que os grandes grupos de tecnologia desordenaram nos últimos dez anos. "De novo, a cada trimestre que passa, os rumores quanto ao declínio constante da Meta diante dos competidores parecem mais e mais críveis", eles escreveram.

Mark Mahaney, um analista da Evercore, desafiou os executivos da Meta, na conversa deles com analistas quarta-feira, quanto ao progresso da companhia na reconstrução das ferramentas de direcionamento de anúncios que foram quase inutilizadas pelas mudanças nas regras de privacidade da Apple. "Isso teve impacto financeiro concreto", ele disse. "E, pelo que ouço em suas declarações, eu simplesmente não vejo essa questão como uma grande prioridade de investimento para vocês".

Os executivos da Meta insistiram que tinham melhorado sua tecnologia de publicidade. Mas o próprio Zuckerberg –como o último dos fundadores à frente de uma grande empresa de tecnologia no Vale do Silício, e cujo controle acionário da empresa termina por isolá-lo de qualquer fúria dos investidores— não se desculpou.

"Eu diria apenas que existe uma diferença entre algo ser experimental e não saber o quanto essa coisa será boa", ele disse, acrescentando que "acho que aqueles que são pacientes e investirem conosco terminarão sendo recompensados".

Os grandes anunciantes

Com a economia perto de uma virada negativa, a inflação em alta e os problemas persistentes nas cadeias de suprimento, alguns grandes anunciantes decidiram adotar uma abordagem mais prudente. O vice-presidente financeiro da Meta, David Wehner, disse a analistas que o crescimento vindo dos grandes anunciantes "continua a ser um desafio".

Anunciantes de ramos como os serviços financeiros e os bens de consumo estão "todos tendo que repensar", disse Phil Smith, diretor-geral da ISBA, a associação setorial dos anunciantes britânicos. "Tentar vender certas coisas em um momento como esse seria falta de noção".

A Colgate-Palmolive anunciou na sexta-feira (4) que reduziria seus gastos de marketing. Mas a Coca-Cola e a Nestlé estão fazendo o oposto. Sir Martin Sorrell, presidente-executivo da S4 Capital, observou que ainda se esperava que o mercado geral de publicidade digital crescesse significativamente, no ano que vem. "Os rumores quanto à sua morte são muito exagerados".

As plataformas de mídia social podem estar sentindo o peso desses cortes por conta de seu mix de anunciantes. O WPP disse que as plataformas digitais dependiam mais de campanhas agressivas realizadas por empresas bancadas por dinheiro do ramo de capital para empreendimentos, e que estão buscando expandir sua participação no mercado. "Boa parte desse financiamento secou".

TikTok

Os vídeos curtos pegaram a mídia social de surpresa. O TikTok afasta bilhões de olhos do Instagram e Snapchat. Mas à medida que a atenção dos consumidores diminui, também diminui o tempo disponível para lhes mostrar publicidade.

Nem mesmo o TikTok conseguiu monetizar sua publicidade com sucesso, de acordo com empregados da companhia, que continua no vermelho. Analistas da eMarketer estimam que a plataforma gerará cerca de US$ 5 bilhões (R$ 25,8 bilhões) em receita publicitária nos Estados Unidos —uma fração do faturamento do Facebook.

Mas a ameaça do TikTok assustou o Facebook e o YouTube e fez com que as duas empresas desordenassem seus próprios negócios, o que teve impacto na receita publicitária. O YouTube está tentando promover o YouTube Shorts, mas só começará a monetizá-lo no início do ano que vem.

Enquanto isso, o Instagram apostou no Reels, o formato de vídeo em forma curta desenvolvido pela empresa, o que incomodou demais alguns de seus usuários proeminentes. "Parem de tentar ser TikTok. Eu só quero ver fotos bonitas de minhas amigas", resmungaram Kim Kardashian e sua irmã mais nova, Kylie Jenner.

O desafio do TikTok deve se tornar cada vez mais difícil. Sarah Simon, analista de mídia da Berenberg, disse que "existe uma defasagem entre o uso e a monetização, e portanto eles devem se tornar ameaça ainda maior no ano que vem e mais adiante".

Apple

O presidente-executivo da Apple, Tim Cook, insistiu esta semana que seu novo negócio de anúncios na App Store não era "grande em comparação aos outros". No entanto, ele vem crescendo rapidamente, ao mesmo tempo em que as proteções de privacidade introduzidas no iOS um ano atrás deram uma dentada de US$ 10 bilhões (R$ 51,7 bilhões) na receita da Meta.

Esta semana mesmo, a Meta acusou a Apple de "diminuir as receitas dos outros na economia digital [...] para fazer crescer seus próprios negócios".

Os executivos da Meta insistiram, no entanto, em suas conversas com analistas na quarta-feira, que a ameaça das mudanças no rastreamento de aplicativos da Apple "diminuiu" no terceiro trimestre, depois que a empresa desenvolveu novas ferramentas para medir o desempenho dos anúncios.

Games

Com o crescimento do entretenimento interativo ao longo da última década, os produtores de jogos se tornaram grandes anunciantes nas plataformas digitais. Os desenvolvedores de jogos para celulares se tornaram particularmente competentes em calcular o retorno de cada dólar gasto no Instagram ou YouTube.

Mas as mudanças nas normas de privacidade da Apple prejudicaram a capacidade dos anunciantes para fazer esses cálculos, e os gamers começaram a desviar os olhos de suas telas, depois de dois anos da pandemia do coronavírus.

Em agosto, o presidente-executivo da Electronic Arts, Andrew Wilson, apontou para "alguma desaceleração no mercado mais amplo de jogos para celulares". Embora os jogos tenham mostrado resiliência em recessões passadas, isso foi antes do avanço dos jogos gratuitos para celulares.

O impacto desta tendência já está se fazendo sentir na receita das lojas de aplicativos da Apple e do Google, boa parte da qual é impulsionada por publicidade nas mídias sociais.

Luca Maestri, o vice-presidente de finanças da Apple, descreveu "alguma lentidão" no segmento de jogos devido aos "ventos macroeconômicos adversos", e ele antecipa que isso continue. Philipp Schindler, vice-presidente de negócios do Google, culpou um "declínio no engajamento dos usuários com os jogos" pelas vendas mais fracas na Play Store, o que cria "pressão de baixa sobre nossas receitas de publicidade".

Comércio eletrônico

O varejo, incluindo empresas como Walmart e Target, vêm aos poucos criando negócios próprios de marketing digital, seguindo a liderança da Amazon. Isso na prática representa uma nova ameaça competitiva para as plataformas de mídia social.

Os anunciantes de repente passaram a ter escolha sobre como chegar aos consumidores. Os anúncios vinculados a buscas e os banners também têm a capacidade de atingir os clientes mais perto do ponto de compra, um fator importante para alguns anunciantes.

As chamadas mídias de varejo também foram menos afetadas pelas recentes mudanças nas regras de privacidade, como as implementadas pela Apple, uma vez que elas não dependem de dados de "terceiros" que rastreiam os usuários na web.

"Alguns dos [dólares publicitários] do Facebook estão indo para o Walmart, Target e, obviamente, Amazon", disse Simon, de Berenberg. A Amazon esta semana anunciou que sua receita publicitária teve um salto de 25% no terceiro trimestre, para US$ 9,5 bilhões.

Tradução de Paulo Migliacci

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