Descrição de chapéu transição de governo

Revisão de receitas para 2023 pode aliviar rombo deixado por PEC da Transição

Economistas de fora do governo eleito também alertam para subestimação da arrecadação no Orçamento

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A revisão das projeções de arrecadação para 2023 pode aliviar o impacto da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição no déficit das contas do país, segundo integrantes da equipe de transição do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e economistas de fora do governo.

A avaliação é que o valor das receitas indicado na proposta orçamentária do ano que vem está subestimado e não reflete a real tendência para o quadro fiscal do país.

Sem mudanças, a proposta de Orçamento de 2023 demonstra hoje um cenário de queda nas receitas como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) tão intenso quanto o ocorrido em 2020, quando o recolhimento de tributos foi severamente afetado pelos efeitos da pandemia de Covid-19 sobre a atividade econômica.

O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), entrega minuta da PEC da Transição a parlamentares - Pedro Ladeira - 16.nov.2022/Folhapress

Em 2022, a arrecadação líquida deve chegar a R$ 1,86 trilhão, segundo a estimativa mais recente divulgada pelo Ministério da Economia. O valor equivale a 19,2% do PIB.

Já o projeto de lei do Orçamento foi encaminhado em 31 de agosto, com uma arrecadação líquida estimada em R$ 1,804 trilhão. A cifra representa 17% do PIB e, na comparação com 2022, significa uma queda nominal da arrecadação —cenário considerado difícil de se realizar porque o próprio aumento de preços contribui para elevar a base de tributação.

Só no auge da pandemia houve uma queda tão brusca, acima de dois pontos percentuais do PIB: a arrecadação líquida caiu de 18,2% em 2019 para 16,1% em 2020.

A projeção de receitas é relevante porque ela entra na conta do resultado primário do governo, que indica a diferença entre arrecadação e gastos. Quando esse valor é negativo, é sinal de que o país precisou se endividar mais para arcar com seus compromissos. O custo dessa dívida é próximo da taxa básica de juros, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.

O Orçamento de 2023 prevê um déficit de R$ 63,7 bilhões. A junção da PEC da Transição com esse cenário resultaria em um déficit considerável —ampliando o incômodo do mercado financeiro com a proposta.

O texto protocolado busca autorizar até R$ 198 bilhões fora do teto de gastos —regra fiscal que limita o avanço das despesas à variação da inflação— por meio da exclusão de despesas com o novo Bolsa Família e investimentos. Mas negociações entre parlamentares podem reduzir esse valor para algo mais próximo a R$ 150 bilhões, como mostrou a Folha.

Mesmo com flexibilizações, o texto tem sido fortemente criticado pelo mercado financeiro, que vê espaço para uma autorização extra de no máximo R$ 100 bilhões. Um valor maior poderia, na avaliação dessa ala, ampliar o risco de descontrole da dívida pública.

O próprio PT tem buscado mapear medidas que podem atenuar o impacto da PEC no endividamento do país. Mas há uma tentativa também de apontar a subestimação das receitas como um fator que deve ser colocado na balança, contribuindo para melhorar o cenário das contas.

Desde o envio da proposta de Orçamento, o próprio Ministério da Economia elevou suas estimativas de arrecadação líquida em 2022 em R$ 81 bilhões, observou Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullet Prebon em relatório distribuído a clientes. "Desde o envio do PLOA em agosto, a base das receitas em 2022 não parou de subir. Esta é a nota alvissareira", afirmou.

Para o ano que vem, a Economia comunicou à CMO (Comissão Mista de Orçamento) uma ampliação de R$ 23,1 bilhões nas receitas previstas, mas o valor não chegou a ser incorporado oficialmente durante a tramitação do Orçamento.

Na transição, chegaram a circular estimativas de alta próximas a R$ 50 bilhões na receita de 2023, mas o número final ainda vai depender de uma série de fatores, como a revisão do PIB de anos anteriores pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Além disso, uma revisão na estimativa de crescimento da atividade em 2023 pode minimizar o efeito positivo da arrecadação. O Orçamento conta com uma expansão de 2,5%, enquanto o mercado espera em média 0,7%.

O economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que uma ampliação das despesas para 2023 reforça a perspectiva de um déficit nas contas, mas não necessariamente agrava o rombo fiscal na mesma intensidade.

"O fato de estar negociando R$ 150 bilhões agora não significa que o déficit vai piorar em R$ 150 bilhões", alerta. "O waiver [licença para gastar] do governo, seja ele qual for, não significa que a piora vai ser na mesma medida."

Para ele, uma queda nas receitas de 19% para 17% do PIB seria o mesmo que prever um "cenário de crise", pouco factível considerando a expectativa de manutenção de alguns fatores positivos para a arrecadação, como preço de petróleo mais elevado.

"A média de arrecadação desde 2017 é de 17,8% do PIB, com uma pandemia no período. Apesar de ser sensato o conservadorismo na projeção de arrecadação, quando se considera os números, é mais provável que a arrecadação surpreenda para cima", afirma. "O quão melhor será a arrecadação ainda é difícil de dizer."

Pires ressalta também que há uma mudança estrutural nas receitas ligadas ao setor de petróleo contratadas para os próximos anos. Ele cita um estudo do economista Bráulio Borges, também do Ibre/FGV, que aponta um crescimento expressivo na arrecadação de royalties, participações especiais, dividendos pagos à União e tributos de empresas ligadas ao setor.

A arrecadação desses valores ficou em 0,92% na média de 2011 a 2030, mas subiria a 2,11% do PIB na média de 2022 a 2030, considerando o barril de petróleo a US$ 65 (R$ 345). Mesmo em cenários mais conservadores, com barril a US$ 45 (R$ 239), ainda assim haveria crescimento.

"O que houve este ano foi um crescimento muito expressivo por inflação e preços de commodities muito elevados. O que estamos chamando a atenção é que o que ocorreu neste ano vai ocorrer de forma estrutural, por causa do aumento de produção, principalmente a partir de 2025", diz Pires. Os cálculos levam em consideração perspectivas de leilões de petróleo e projeções de produção da ANP (Agência Nacional de Petróleo).

Ele argumenta que esses dados precisam ser levados em consideração no momento de pensar o cenário futuro, sobretudo de médio prazo, e a própria nova regra fiscal, para não correr o risco de superestimar o ajuste necessário para manter a trajetória da dívida sob controle.

"Se você desenha planos fiscais com receita lá embaixo, reduz o gasto demais, e aí fura o teto. Acaba se colocando em situação de ter planejamento fiscal muito ambicioso, desenha regra fiscal com essa ambição e frustra", alerta.

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