Descrição de chapéu transição de governo

Haddad anuncia secretários de Tesouro, Política Econômica, Receita e Reformas

Futuro ministro da Fazenda escolheu antigos colaboradores da Prefeitura de São Paulo e do governo Lula 1; especialista aponta preocupação com regra fiscal

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Brasília e São Paulo

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou nesta quinta-feira (22) quatro secretários de sua pasta. Dois deles já trabalharam com o petista quando ele foi prefeito de São Paulo (2013-2016).

No comando do Tesouro Nacional estará Rogério Ceron; na Secretaria de Política Econômica (SPE). Guilherme Mello; na Receita Federal, Robinson Barreirinhas; e na Secretaria das Reformas Econômicas, Marcos Barbosa Pinto, conforme antecipado pela coluna Painel, da Folha.

"Pessoas testadas, aprovadas, respeitáveis como servidores públicos, colaboradores eventuais, com passagem pelo setor público e resultados muito palpáveis. Uma equipe jovem, que, apesar de jovem, já passou por testes de estresse significativos e vão poder dar grande colaboração", afirmou Haddad.

Ex-secretário municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico de SP, Rogerio Ceron será secretário do Tesouro Nacional - 05.out.2016-Divulgação

Os nomes da pasta econômica foram anunciados pelo futuro ministro no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), sede do governo de transição, em Brasília.

Barreirinhas é advogado e foi Secretário de Assuntos Jurídicos da cidade de São Paulo. Terá papel fundamental nas discussões da reforma tributária —uma das promessas de campanha de Lula que Haddad levará adiante.

Sua missão será aliviar o peso do imposto para quem ganha menos e apertar a cobrança sobre os mais ricos. Lula prometeu isenção para quem ganha até R$ 5 mil por mês.

Escolhido para chefiar a Receita Federal, Barreirinhas não é auditor fiscal. Em contrapartida, Haddad disse ter acertado com o futuro secretário que sua equipe seja composta por funcionários de carreira.

"Já combinei com ele que os adjuntos serão de carreira de auditor e ele tem mandato meu para reorganizar essa carreira. Vamos enfrentar problemas que vêm sendo postergados ao longo dos anos, inclusive a questão do bônus, quero fazer uma integração com os procuradores e auditores" afirmou.

"Nós precisamos somar forças para tirar o país dessa situação em que ele se encontra, para abrir espaço para investimento, para garantir um horizonte de sustentabilidade financeira do país. Tenho certeza de que a contribuição do Barreirinhas será inestimável para essa tarefa", continuou.

Em nota, o Sindifisco Nacional demonstrou preocupação com a nomeação de Barreirinhas, "uma pessoa de fora da carreira de auditor fiscal".

"Um secretário sem familiaridade com as estruturas internas corre o risco de manter intactas as formas de gestão atuais, que tantos problemas já produziram, dentre os quais, um profundo sentimento de desmotivação nos seus quadros funcionais", afirmou.

Já a Unafisco Nacional classificou a escolha como um "desprestígio" com a categoria. "Como se o principal órgão de fiscalização e arrecadação do país não tivesse quadros capazes ou confiáveis para dirigi-lo", disse a associação também em nota.

No Tesouro, Ceron será responsável pelo controle do caixa da União. Ele é auditor de carreira e, recentemente, se despediu da presidência da SP Parcerias, órgão de concessões e PPPs (parcerias público-privadas) do governo paulista.

Foi Secretário de Finanças da prefeitura paulista, sucedendo a Marcos Cruz. Próximo ao vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, o atual secretário da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, chegou a ser cotado para o cargo do Tesouro, mas perdeu força diante da ideia de Haddad de ter secretários com os quais já trabalhou.

À frente da Secretaria de Reformas Econômicas, antes Secretaria de Acompanhamento Econômico, estará Marcos Barbosa Pinto, que foi diretor da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e sócio do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, na Gávea Investimentos.

Haddad e Barbosa Pinto trabalharam juntos no Ministério do Planejamento no primeiro mandato de Lula.

Em 2019, ele foi o pivô da demissão de Joaquim Levy da presidência do BNDES, após receber a indicação para ocupar uma diretoria do banco –o que irritou Bolsonaro devido à ligação dele com o PT. Ambos acabaram deixando o governo.

À época, Haddad postou em suas redes sociais elogios ao Executivo. "Me assessorou na formação de dois projetos de lei: Prouni e PPP. Sua contribuição técnica foi inestimável para o sucesso destas iniciativas. Bozo não conseguiria conviver com tanto talento".

Futuro secretário de Política Econômica, Guilherme Mello foi o economista responsável pelo plano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha eleitoral. O coordenador do programa de pós-graduação em desenvolvimento econômico da Unicamp (Universidade de Campinas) também fez parte da equipe econômica de transição de governo.

Ao anunciar o nome de Mello, Haddad destacou a colaboração do futuro secretário na definição dos subsídios técnicos que nortearam a negociação da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Gastança, aprovada na quarta-feira (22).

A PEC expande o teto de gastos –regra que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior– por um ano para o cumprimento de promessas do presidente eleito. Além de aliviar a pressão sobre o Orçamento, o texto facilita o caminho para a revisão do arcabouço fiscal.

"Guilherme teve um papel decisivo em elaborar os argumentos que fossem os mais sólidos para nortear as negociações que acabei estabelecendo, em nome da equipe econômica, para o sucesso no convencimento de quase 370 parlamentares do caminho a seguir no que diz respeito à mudança de regime", afirmou.

O futuro secretário de Assuntos Internacionais deve ser anunciado na próxima semana. Esse time será coordenado pelo ex-presidente do Banco Fator, Gabriel Galípolo, anunciado secretário-executivo da pasta na semana passada.

Além de seu braço direito no ministério, Haddad também já escolheu Bernard Appy para a secretaria especial da reforma tributária e Anelize Lenzi Ruas para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Essas secretarias são o carro-chefe do ministério na definição e condução da política econômica e, na avaliação de analistas de mercado, a escolha dos nomes reflete a disposição de Haddad em buscar na sua experiência à frente da prefeitura paulistana modelos de gestão para o ministério.

Haddad deixou a prefeitura sob críticas de João Doria, que o acusou de ter gastado demais e deixado o caixa sem recursos. O petista, no entanto, se defendeu dizendo que foi o responsável pelo maior volume de investimentos na cidade em três décadas e por ter conseguido o grau de investimento dado pela agência Fitch Ratings.

O futuro ministro já disse que dará prioridade a reformas, especialmente a tributária, e que vai trabalhar na proposta de uma nova âncora fiscal, um mecanismo de controle de gastos para evitar o crescimento desenfreado da dívida pública como proporção do PIB.

A indefinição causou turbulência no mercado e os investidores ainda aguardam essa definição para definir se deixam seus recursos aplicados no país. Para eles, o arcabouço fiscal dará os rumos da política econômica: se o governo Lula 3 aumentará demais os gastos sem controle do endividamento.

De acordo com Haddad, os nomes para a presidência da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil "estão mais adiantados". O futuro ministro da Fazenda disse ainda que iniciará as conversas com o presidente eleito Lula sobre as escolhas para o Basa (Banco da Amazônia) e para o BNB (Banco do Nordeste).

Há preocupação por dúvidas relacionadas a regra fiscal, diz especialista

Economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale afirma que o conjunto de nomes que Haddad escolheu tem um perfil que não parece estar tão voltado ao que deveria ser o maior foco a partir do ano que vem, que é a estrutura de gastos do governo.

"Não há um nome forte que, historicamente, tenha pensado nessa questão dos gastos. São nomes que vão olhar bastante para a arrecadação, que é um tema que o Haddad tem falado bastante a respeito, mas o ajuste fiscal que precisamos não passa essencialmente por esse lado, mas sim pela estrutura de gastos", afirma Vale.

O gasto público está inchado e é preciso uma regra fiscal que substitua o teto e que seja crível, e, até aqui, essa não parece ser a prioridade, considerando os nomes anunciados, diz o economista-chefe da MB Associados.

"Há uma preocupação com a equipe escolhida pelo Haddad no sentido de qual vai ser o arcabouço fiscal", afirma Vale.

"A maioria dos nomes anunciados não veio como uma grande surpresa, pelo menos em termos de viés. O nome mais polêmico que poderia vir era do Guilherme Mello, que é um economista que tem um histórico acadêmico mais heterodoxo, mas como ele já estava tanto na campanha de Lula como na transição, foi bem antecipado pelo mercado", diz Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos.

Pacheco acrescenta que, de modo geral, as indicações são de nomes técnicos e qualificados, embora sejam ligados ao núcleo ideológico do PT, já tendo trabalhado em gestões anteriores do próprio Haddad ou do partido. "O nome do Rogério Ceron, de certa forma, surpreendeu negativamente, porque alguns estavam cogitando o Felipe Salto para o cargo, que foi presidente do Instituto Fiscal Independente e seria um nome mais palatável para o mercado."

O economista da Guide diz ainda que, apesar das declarações do futuro ministro da Fazenda de que haverá responsabilidade fiscal no governo, ainda há um ceticismo dos agentes financeiros por conta da indicação de nomes que defendem uma maior intervenção do estado. "Ainda fica essa dúvida, apesar das sinalizações, de como vai ser na prática."

Economista-chefe da Mirae Asset Wealth Management, Julio Hegedus Netto indica uma visão um pouco mais positiva em relação aos secretários anunciados. Segundo Hegedus Netto, os quatro são jovens "muito bem formados".

Ex-secretário de Fazenda de São Paulo na gestão Haddad, Rogério Ceron conseguiu sanear as finanças do município, quarto maior orçamento do país, diz Hegedus Netto. "Sob sua gestão, inclusive, São Paulo obteve grau de investimento pelas agências de rating."

Já Marcos Barbosa Pinto, afirma o economista da Mirae, terá a responsabilidade de criar novos projetos na área econômica. Hegedus Netto lembra que o novo secretário chegou a ser indicado em 2019 por Joaquim Levy para o BNDES, mas seu passado nos governos petistas acabou fazendo com que Bolsonaro o vetasse, resultando depois na saída do próprio Levy.

"Barbosa chegou a assessorar Haddad no Ministério da Educação, sendo um dos mentores na formatação do Prouni e de várias Parcerias Público-Privadas."

Em relação a Guilherme Mello, Netto afirma que o professor da Unicamp se trata de um dos nomes fortes no governo de transição desde o início, e deu "subsídios robustos para negociar a PEC", segundo o ministro Haddad.

O futuro ministro da Fazenda forma, assim, um secretariado cheio de nomes jovens, mas com grande experiência no setor público, diz o economista da Mirae. "Achamos que pode ser uma aposta positiva, até porque todos, com exceção de Guilherme Mello, não possuem um viés tão ideológico, sendo muito qualificados tecnicamente."

Ele acrescenta ainda que, embora formado pela Unicamp, Mello é considerado um economista bem qualificado tecnicamente, sem tantos ranços ideológicos, considerado mais pragmático.

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