Americanas faliu? Devo cancelar um pedido? Entenda o que se sabe sobre o caso

Varejista revelou rombo contábil de R$ 20 bilhões; veja respostas a dúvidas de clientes e do mercado

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São Paulo

A revelação de um escândalo contábil de R$ 20 bilhões no balanço da Americanas gerou frenesi entre clientes, instituições financeiras e agentes do mercado financeiro. Em menos de 72 horas, uma das maiores empresas de varejo da América Latina viu seu CEO pedir demissão, suas ações afundarem na Bolsa e investidores denunciarem a companhia em órgãos de fiscalização e controle.

Nesta quinta-feira (19), a companhia protocolou seu pedido de recuperação judicial, conforme a Folha havia antecipado na terça (17).

Unidade das Lojas Americanas em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters

Para explicar o que aconteceu com a Americanas, a Folha reuniu o que se sabe sobre o caso até agora e algumas das principais dúvidas de clientes e investidores. Também agrupou o que ainda falta ser esclarecido.

O que aconteceu com a Americanas?

A Americanas surpreendeu o mercado após revelar que tinha cerca de R$ 20 bilhões em dívidas não registradas em seu balanço.

A identificação das chamadas "inconsistências contábeis", segundo a própria empresa, pode acarretar no vencimento antecipado e imediato de dívidas em montante aproximado de R$ 40 bilhões.

O rombo gerou um choque entre investidores da companhia pela sua magnitude. A quantia é relevante principalmente se considerar o patrimônio líquido, de cerca de R$ 14,7 bilhões em setembro de 2022.

Com isso, as ações da Americanas chegaram a cair 77% em um único dia, perdendo o equivalente a R$ 8,4 bilhões em valor de mercado.

A origem do rombo está em um tipo de operação que é comum no varejo, chamada de "adiantamento a fornecedores", ou "forfait". No entanto, ainda é incerto a maneira como essa operação entrou no balanço financeiro de forma inadequada (ou se ela deixou de entrar).

Como o rombo da Americanas foi descoberto?

A crise envolvendo a Americanas teve início na quarta-feira (11), após comunicado de que o CEO Sergio Rial renunciava ao comando da empresa apenas dez dias após assumir o cargo.

Junto com Rial, saiu também André Covre, diretor de relações com investidores. Para o lugar dele, a Americanas anunciou a indicação de Camille Loyo Faria, que trabalhou na recuperação judicial da Oi.

Ainda não se sabe como os executivos identificaram em tão pouco tempo o problema. Tampouco está claro desde quando ocorre tal conduta contábil na varejista.

Em conversa com investidores, o agora ex-CEO disse que operações de "risco sacado", quando uma empresa contrata um banco para realizar a antecipação de recebíveis a fornecedor, foram registradas incorretamente por anos.

Especialistas consultados pela Folha disseram ser improvável que um rombo desse tamanho tenha passado despercebido. O próprio Rial havia indicado que este assunto já deveria ser de conhecimento da gestão anterior.

O que Rial diz sobre o caso?

Na terça (17), o ex-presidente da Americanas rompeu o silêncio e publicou no LinkedIn sua versão sobre o caso. No texto, ele afirma que a motivação dele ao aceitar o cargo foi levar a companhia, prestes a completar um século, ao crescimento.

Para isso, Rial diz ter ficado sabendo do problema após entrevistar executivos remanescentes para entender suas preocupações e perspectivas para a empresa.

"Quaisquer especulações ou teorias distintas disso são leviandades. Eu jamais transigiria com a minha biografia", afirmou.

Na mensagem, o executivo explica ainda seu pedido de demissão. "Ela [saída] decorre do entendimento da necessidade de abrir espaço para que a empresa pudesse se reestruturar de um ponto de partida totalmente distinto do que eu esperava encontrar", escreveu.

O rombo é de R$ 20 bilhões ou R$ 40 bilhões?

A inconsistência contábil revelada na última semana é de R$ 20 bilhões. No entanto, na sexta-feira, a companhia disse que o problema pode acarretar no vencimento antecipado e imediato de dívidas em montante aproximado de R$ 40 bilhões.

O número corresponde à soma do rombo mais a dívida bruta da companhia, que em setembro de 2022, era de R$ 19,3 bilhões.

Qual a consequência de um rombo de R$ 20 bilhões?

Além do dano na imagem, um escândalo contábil como esse traz problemas financeiros para a companhia. Um dos principais é o acesso a crédito.

Agências de classificação de risco, como Fitch e S&P, rebaixaram as notas de crédito da Americanas após a revelação das inconsistências contábeis.

Além disso, a XP Investimentos calculou como deve ficar o endividamento da Americanas caso os R$ 20 bilhões sejam reconhecidos de uma só vez no balanço.

Segundo os analistas, a dívida líquida subiria dos R$ 5,3 bilhões ao final de setembro de 2022 para R$ 25,3 bilhões. Neste caso, a relação entre dívida líquida e Ebitda (resultado operacional) da Americanas passaria de 1,7 vez para 8 vezes.

Na prática, essa informação mostra ao mercado a capacidade de pagamento das dívidas por uma empresa. Por isso, é comum que contratos de crédito tenham cláusulas que limitem esse nível de endividamento, para proteger os credores.

Ao ultrapassar o limite, os credores da Americanas podem, por exemplo, pedir antecipação do vencimento das dívidas.

Quem são os principais credores da Americanas?

Um terço da dívida da Americanas é com bancos públicos e instituições estatais de fomento.

Emprestaram para a Americanas Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES (Banco Econômico de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).

As instituições firmaram 19 contratos no valor de R$ 6,4 bilhões. Coube à Caixa o empréstimo mais recente, no valor de R$ 450 milhões. As cifras se referem ao valor de face e não considera os juros atrelados às operações.

Com tanto de peso de instituições públicas, a AGU (Advocacia-Geral da União) pretende ingressar como parte interessada no processo de recuperação judicial.

Como os credores estão reagindo?

Algumas instituições financeiras acionaram a Justiça. Na quarta (18), o banco BTG Pactual conseguiu um mandado de segurança para bloquear R$ 1,2 bilhão na conta da empresa junto à instituição financeira.

O banco vem se mostrando indignado com a varejista. Na petição apresentada pelos escritórios de advocacia do BTG, Galdino & Coelho Pimenta Takemi Ayoub e Ferro Castro Neves Daltro & Gomide, a defesa define o caso como "a maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país."

A Americanas reclamou da atitude e disse que, com o mandado de segurança, tem apenas R$ 800 milhões em caixa.

Já o Bradesco pediu que a Justiça só permita que a varejista retire recursos do banco com aval prévio.

A companhia disse que o banco teria retido mais de R$ 450 milhões do caixa, "agindo em desconformidade com a decisão da tutela antecipada".

O rombo é apenas um problema contábil?

Em evento com investidores na quinta (12), Rial disse que operações de antecipação de recebíveis foram registradas incorretamente na conta de despesas com fornecedores quando deveriam ter sido consideradas dívidas com instituições financeiras.

Na prática funciona assim: quando uma varejista deve ao fornecedor, os valores ficam na coluna de contas a pagar. À medida que um banco antecipa e quita com o fornecedor, a companhia assume com a instituição financeira a responsabilidade de devolver o dinheiro. Isso, portanto, passa a ser uma dívida.

De acordo com especialistas consultados pela agência Reuters, não há uma norma contábil sobre como registrar as operações de "risco sacado", como também são chamadas.

No entanto, a questão vai além de um preenchimento indevido do balanço. A classificação contábil é importante, entre outros motivos, porque diz respeito ao endividamento da empresa, o que influencia os contratos de financiamento.

O 3G Capital é sócio da Americanas?

A renomada companhia de private equity 3G Capital nunca foi acionista da Americanas.

O que acontece é que a varejista tem entre seus principais acionistas os fundadores do 3G, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.

De acordo com as mais recentes informações, o trio de bilionários tem participação de 31,13% no capital da Americanas. Outros acionistas são gestoras de fundos de investimentos: Capital Group (9,91%), TIAA (6,05%) e BlackRock (5,05%). Os demais 47,86% estão pulverizados na B3.

Quanto a Americanas tem em caixa?

Levando em conta os dados do balanço divulgado em novembro, referente ao terceiro trimestre de 2022, a Americanas tinha R$ 14 bilhões disponíveis, sendo R$ 8,8 bilhões em caixa mais R$ 5,2 bilhões em recebíveis.

A empresa fez um trabalho para alongar os prazos de suas dívidas entre 2021 e 2022. E o maior deles foi nos empréstimos e financiamentos junto a bancos.

Em setembro de 2021, a Americanas tinha R$ 3,4 bilhões em empréstimos com vencimentos de até 12 meses. Um ano depois, este valor baixou para pouco menos de R$ 900 milhões.

Por outro lado, os empréstimos e financiamentos de longo prazo quase dobraram, saindo de quase R$ 8 bilhões para R$ 15,5 bilhões.

Quais empresas formam a Americanas S.A?

Em 2021, a Americanas combinou as operações da plataforma digital e física e promoveu uma simplificação da estrutura societária, dando origem à Americanas S.A.

A nova companhia passou a reunir os ativos de Lojas Americanas e B2W, dona da Americanas.com, Shoptime e Submarino. Além disso, a empresa também é dona da fintech Ame.

De quanto capital a Americanas precisa para se recuperar?

Na avaliação da XP Investimentos, a Americanas pode precisar de entre R$ 12 bilhões e R$ 21 bilhões em capital para atender seus credores.

Os analistas levaram em conta diferentes cenários de endividamento e margem operacional da varejista.

A XP listou alguns caminhos para a Americanas, como venda de ativos, renegociação de dívidas, até conversões dos valores devidos em ações da Americanas e o aumento de capital.

Quem fica prejudicado pela inconsistência?

Os principais prejudicados num escândalo como este são os acionistas minoritários, que foram pegos de surpresa, e sem a oportunidade de reagir.

Na sexta (13), a Abradin, associação que reúne minoritários de empresas de capital aberto, apresentou denúncia para pedir apuração de responsabilidades da varejista.

A associação pede que os gestores da Americanas sejam punidos pelas supostas fraudes. "Crimes não faltam, a começar pelo crime de indução de investidor ao erro", afirma a denúncia.

"Chamar de 'inconsistências' os fatos relatados não passa da tentativa de emplacar um eufemismo para uma fraude multibilionária que não só destruiu patrimônio dos acionistas da companhia como, e principalmente, mina a credibilidade do mercado de capitais brasileiro, afugentando investidores justamente em um momento em que a economia nacional tanto precisa de investimentos diretos na produção para retomar sua trajetória de crescimento", diz a entidade.

A Americanas pode ser punida?

No Brasil, assim como em outros países, as empresas de capital aberto precisam informar ao mercado como estão suas finanças. Tal processo possui regras e companhias que falsificam dados ou declaram valores diferentes dos verdadeiros podem sofrer processos em várias instâncias.

Na esfera tributária, por exemplo, uma companhia pode ser cobrada por impostos que deixou de pagar ao declarar um faturamento menor. No âmbito civil, pode ser processada por investidores que perderam dinheiro por causa do erro.

Credores também podem alegar na Justiça que foram enganados e cobrar indenizações.

Cabe às autoridades do mercado financeiro, como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) investigar e punir eventual má conduta.

No caso da Americanas, o órgão já abriu pelo menos cinco processos após a revelação do caso na quarta.

O que a PwC tem a ver com o caso da Americanas?

A empresa de auditoria PwC era a firma encarregada de analisar os balanços contábeis da Americanas. Por isso, ela entrou na mira daqueles que buscam responsabilização.

A denúncia feita pela Abradin, por exemplo, pede que as apurações englobem a consultoria.

O presidente da associação, Aurélio Valporto, disse que chama a atenção a "absoluta imperícia da empresa auditora", e lembrou que a PwC também auditava a Petrobras à época do escândalo da Lava Jato.

Firmas de auditoria não estão imunes a processos judiciais. Inclusive, é comum que elas reservem recursos em seus balanços para pagar multas referentes a possíveis erros.

A Americanas entrou com pedido de recuperação judicial?

A Americanas entrou nesta quinta com um pedido de recuperação na Justiça. O total da dívida estimada pela empresa à CVM é de R$ 43 bilhões

Com isso, a recuperação judicial da Americanas será a quarta maior da história do Brasil.

À Folha, os escritórios de advocacia Lara Martins Advogados e Mingrone e Brandariz, especializado em recuperação judicial, informaram o ranking das maiores operações dessa natureza até hoje, com base na dívida das companhias quando entraram com o pedido. No caso da Americanas, o valor considerado foi a dívida confessa de R$ 40 bilhões.

Antes da varejista estão Odebrecht (R$ 80 bilhões), Oi (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões).

O que acontece agora com o pedido de recuperação judicial?

De acordo com analistas, uma recuperação judicial tem prazo médio de três anos, mas o período pode ser maior. O caso da Oi, por exemplo, durou seis anos.

Com a recuperação judicial, a Americanas perde suas ações no Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores, visto que a metodologia da B3 não autoriza a inclusão de companhias nessa situação. Os papéis, porém, continuariam sendo negociados normalmente no mercado.

A RJ é considerada uma medida extrema para evitar que companhias sejam levadas à falência. O processo é feito com intermediação da Justiça e visa reorganizar a estrutura financeira renegociando dívidas acumuladas para evitar o encerramento das atividades.

Por meio desse processo, um juiz passa a administrar a negociação de dívidas da companhia junto aos credores, enquanto um plano de saneamento é montado, apresentado e votado por uma assembleia de credores.

Durante esse período, a empresa possui salvo-conduto e não precisa pagar nenhuma dívida. A experiência das empresas que já atravessaram esse calvário mostra que, em geral, os credores oferecem desconto da dívida, alongam o prazo de pagamento, em troca da sobrevivência da companhia —garantia de que receberão seu dinheiro de volta.

Devo parar de comprar na Americanas ou cancelar um pedido?

A Americanas não indica que vai interromper suas operações. Em comunicado no site, a varejista diz que "seguirá trabalhando duro para trazer a todos vocês, a melhor experiência no tempo e no preço que cada consumidor busca."

No entanto, também não está claro se o rombo e as consequências do mercado podem impactar as vendas e se consumidores podem ser afetados.

Para esclarecer isso, o Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo) notificou a Americanas. O objetivo é saber até que ponto ficam comprometidas as compras efetuadas pelos consumidores. A empresa tem até o próximo dia 17 para responder aos questionamentos.

A Americanas foi eliminada do BBB?

Após a revelação do rombo contábil, a Americanas abandonou o patrocínio do BBB 23.

A varejista era uma das três marcas que pagaram pela cota mais cara. O valor de tabela do patrocínio é R$ 105,1 milhões, mas é possível que as empresas consigam descontos.

Com a saída da companhia, o Mercado Livre imediatamente acertou com a emissora a ocupação da vaga.

Que ações já foram tomadas contra a Americanas?

A Abradin, associação que reúne minoritários de empresas de capital aberto, apresentou denúncia à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para pedir apuração de responsabilidades sobre a revelação dos problemas contáveis das Americanas.

A denúncia assinada pelo presidente da associação, Aurélio Valporto, pede que as apurações englobem a empresa de auditoria PwC, responsável por analisar os balanços contábeis da companhia, e solicita punições administrativas cabíveis aos responsáveis pelas inconsistências contábeis.

Em outra frente, o BTG Pactual apelou na Justiça contra a liminar que concedeu a tutela de urgência à varejista, argumentando que a decisão determina ilegalmente o estorno de um pagamento feito pela Americanas ao BTG. Isso porque o banco foi impedido de cobrar uma dívida de R$ 1,9 bilhão depois que a companhia barrou a cobrança de todos os seus credores por meio da liminar. A desembargadora Leila Santos Lopes, porém, indeferiu o pedido da instituição financeira.

O Bank of America (BofA) também questionou a tutela de urgência da Americanas e entrou com recurso na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. O banco tem contratos de derivativos com a varejista.

O BofA afirma que a decisão de suspender as cobranças por credores da Americanas teria sido muito ampla ao indicar que "nenhum contrato pode ser vencido", sem abordar a questão dos derivativos –que são contratos financeiros que usam como base um ativo. Um contrato de juros futuros, por exemplo, é um tipo de derivativo.

Outros bancos, como Bradesco e Safra, planejam seguir o mesmo caminho do BTG.

Além disso, escritórios de advocacia e representantes de investidores já começam a planejar uma ação coletiva nos Estados Unidos contra a Americanas, nos moldes do processo que rendeu à Petrobras multa de US$ 2,95 bilhões (R$ 10 bilhões ao câmbio da época) por perdas após a operação Lava Jato. O responsável pelo processo é o escritório Almeida Law, que já abriu convocação de investidores lesados pelo derretimento no valor das ações da varejista.

A Americanas também foi notificada pelo Procon-SP, que questiona a empresa sobre os impactos da operação para os consumidores.

Na terça (17), o BTG Pactual deu início a um processo arbitral em São Paulo contra a Americanas por quebra de contrato de crédito.

Além disso, o Ministério Público de Contas junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) enviou uma representação para que o tribunal apure possíveis desvios de finalidade na CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

No documento, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado pede que o tribunal avalie se houve "omissão na fiscalização da CVM no que diz respeito ao suposto esquema de fraude ocorrido da empresa Americanas e noticiado pelo Banco BTG Pactual".

A Americanas vai fechar, falir ou vai sobreviver?

Ainda não é possível saber o que acontecerá com a companhia após o processo de recuperação na Justiça.

Agora, um juiz passará a administrar a negociação de dívidas da companhia junto aos credores, enquanto um plano de saneamento é montado, apresentado e votado por uma assembleia de credores.

Rial sabia do problema quando aceitou ser CEO?

Não há confirmação de que Rial tinha ciência das inconsistências quando aceitou ser CEO da Americanas. Especialistas acham pouco provável que o executivo tenha sido pego de surpresa, mas executivos próximos do ex-presidente da varejista afirmam que ele soube do problema dois dias depois de tomar posse, no começo deste ano, e que foi isso que o levou a se demitir do cargo.

Em publicação no LinkedIn, Rial disse que não sabia das falhas contábeis que levaram a companhia a um rombo bilionário e que "jamais transigiria" com sua biografia.

Rial foi presidente do Santander Brasil e, na avaliação de André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners, que trabalhou na reestruturação da Americanas no fim dos anos 1990, a contratação de um "banqueiro" e não de um "varejista" indicaria uma estratégia da Americanas para lidar com uma crise.

Fontes ouvidas pela Folha disseram ter poucas dúvidas de que Sergio Rial foi escolhido a dedo para a "apagar um incêndio" nas Americanas, que já dava sinais de fumaça pelo menos desde o ano passado. Mas executivos próximos a ele afirmam que o objetivo principal era "destravar o valor da companhia" —no jargão do mercado, fazer com que a empresa refletisse seu verdadeiro valor, que estaria sendo subestimado.

Se Rial soubesse do problema, por que sairia do cargo?

Segundo especialistas, a renúncia não necessariamente atesta que ele desconhecia as inconsistências contábeis.

A sócia de uma consultoria em carreiras, ouvida pela Folha em condição de anonimato, diz que executivos do alto escalão se preparam muito antes de tomarem a decisão de assumir um novo cargo e se informam sobre as responsabilidades civis da função.

Isso porque a legislação brasileira estabelece que os executivos são pessoalmente responsáveis pelos atos e omissões relacionados à gestão da companhia, podendo vir a responder com seu próprio patrimônio.

Na avaliação dela, esse pode ser um motivo que Rial tenha topado assumir a empresa, mas não permanecer como CEO.

De acordo com executivos próximos de Rial, porém, ele aceitou a função com base em informações públicas e só pode fazer due diligence (vistoria prévia) depois de o contrato assinado.

Rial seguirá como assessor dos acionistas de referência da Americanas, formado pelos empresários por trás do 3G Capital.

A quem poderia interessar uma pedalada contábil?

Cabe aos órgãos fiscalizadores e à Justiça responder se houve algum interesse na inconsistência contábil da Americanas. Contudo, é possível entender possíveis benefícios de uma fraude com características semelhantes.

A "pedalada" infla resultados ruins, mantém o custo do crédito em um patamar desejável e evita a perda de patrimônio dos principais acionistas.

Quais explicações foram dadas pela Americanas para o rombo?

Até o momento, a Americanas não deu justificativas sobre o ocorrido. O Conselho de Administração anunciou a criação de um comitê independente para apurar suas contas e identificar o que provocou as inconsistências contábeis.

A empresa disse que o comitê terá os poderes necessários para a condução dos trabalhos, mas não deu detalhes sobre prazos.

Quando as inconsistências começaram?

Sergio Rial não disse quando exatamente começaram as inconsistências. A Americanas tampouco informou.

Na conferência com investidores, o agora ex-CEO disse que foram vários anos dessa prática, não apenas dois ou três.

Por que executivos da Americanas venderam milhões em ações em 2022?

No segundo semestre do ano passado, executivos das Americanas venderam quase R$ 212 milhões em ações da companhia. A informação veio a público após a revelação do rombo contábil e gerou estranheza em analistas do mercado. A CVM abriu investigação para apurar.


Cronologia da Americanas

Fundação (1929)

O austríaco Max Landesmann e os americanos John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger, que vinham dos Estados Unidos para a Argentina com o plano de abrir lojas de produtos de preços baixos, fundam em Niterói seu primeiro estabelecimento, com o slogan "Nada além de 2.000 réis".

Abertura de capital (1940)

A Lojas Americanas abre seu capital no Brasil, tornando-se sociedade anônima

Bilionários se tornam controladores (1982)

Os principais acionistas do Banco Garantia, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, tornam-se controladores da rede varejista.

União com Wal Mart Brasil (1994)

Americanas forma joint venture com a Wal Mart, desfeita em 1997.

Expansão acelerada (2003)

A rede inaugura 13 lojas tradicionais e abre suas primeiras lojas de conveniência sob a marca Americanas Express. No ano seguinte, outras 35 lojas foram abertas e um centro de distribuição novo passa a funcionar em Barueri. Em 2005 foram mais 37 lojas.

Diversificação (2005)

A varejista compra o canal de TV e site de ecommerce Shoptime e cria, em associação com o Itaú, uma financeira.

Criação da empresa de comércio eletrônico B2W (2006)

A Americanas.com e o site de ecommerce Submarino se fundem dando origem à empresa B2W, que englobava as marcas Americanas Empresas, Americanas.com, Shoptime, Submarino, Submarino Finance, Sou Barato e Supermercado Now.

Compra da Blockbuster (2007)

A empresa compra a BWU, que tinha a rede Blockbuster, cujas operações se unem às das lojas de conveniência Americanas Express, ampliando em 127 o número de lojas..

Fusão com B2W (28.abr.21)

Lojas Americanas e B2W se unem e formam a Americanas.com. A combinação das operações da plataforma digital e física promoveu uma simplificação da estrutura societária, dando origem à Americanas S.A. A B2W operava os comércios eletrônicos Americanas.com, Submarino e Shoptime.

Na reestruturação societária, o trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira deixam de ter o controle da empresa, mas ainda são os principais acionistas, então com 29,2% dos papéis. De acordo com as mais recentes informações da varejista, o trio aumentou essa participação para 31,13% do capital.

Ataque hacker (19.fev.22)

Ataque hacker mantem sites e aplicativos da Americanas.com e do Submarino fora do ar durante quatro dias, gerando prejuízos da ordem de R$ 1 bilhão

Anúncio de Sergio Rial como CEO (19.ago.22)

Exatos seis meses após o ataque hacker, a Americanas anuncia a primeira troca no comando da companhia em duas décadas, escolhendo o ex-presidente do Santander Brasil Sergio Rial para liderar o grupo a partir de 2023. Rial é escolhido para substituir Miguel Gutierrez, que ficou na varejista por quase 30 anos

Executivos vendem R$ 212 milhões em ações (2º semestre.22)

Executivos das Americanas vendem quase R$ 212 milhões em ações da companhia, de acordo com cálculos da Reuters com base em informações divulgadas pela empresa ao mercado

Novo diretor financeiro (26.dez.22)

André Covre é escolhido pelo conselho de administração da Americanas como novo diretor financeiro e de relações com investidores a partir de 1 de janeiro de 2023. Varejista diz que anúncio visa fortalecer substancialmente a gestão financeira e estratégica da companhia, aliando crescimento e rentabilidade

Rial assume como presidente (01.jan.23)

Sergio Rial e Andre Covre assumem os cargos na alta liderança da Americanas

Rial renuncia e revela rombo (11.jan.23)

Dez dias após assumir o cargo, Rial anuncia sua saída da Americanas relatando "inconsistências" no montante de R$ 20 bilhões no balanço da companhia. Covre também pediu demissão

Ações da Americanas afundam 80% (12.jan.23)

Um dia após a revelação do rombo, as ações da Americanas caem 77%, levando a varejista a perder o equivalente a R$ 8,4 bilhões em valor de mercado

Comitê de apuração interna (12.jan.23)

Americanas cria comitê independente encarregado de apurar as "inconsistências contábeis", mas não revela prazos

CVM abre processos (12.jan.23)

CVM abre dois processos administrativos para investigar a Americanas. Um dos processos tem como alvo a própria contabilidade da companhia, enquanto o outro vai tratar do anúncio do fato em si

Acionistas denunciam Americanas (13.jan.23)

A Abradin, associação que reúne minoritários de empresas de capital aberto, apresenta denúncia à CVM para pedir apuração de responsabilidades da varejista e da firma de consultoria PwC, encarregada de analisar os balanços contábeis da Americanas

Agências cortam avaliação (13.jan.23)

Agências de classificação de risco, como Fitch e S&P, rebaixam as notas de crédito da Americanas após a revelação das inconsistências contábeis

Procon notifica Americanas (13.jan.23)

Procon-SP notifica a Americanas para saber até que ponto ficam comprometidas as compras efetuadas pelos consumidores e da até o dia 17 de janeiro para a varejista para responder aos questionamentos

Saída do BBB (13.jan.23)

Americanas abandona o patrocínio do BBB 23 e Mercado Livre acerta com a emissora a ocupação da vaga

Americanas consegue proteção na Justiça (13.jan.23)

Varejista aciona Justiça para obter proteção emergencial contra cobranças e bloqueio de ativos, o que pode ser o primeiro passo para um pedido de recuperação judicial

BTG apela contra liminar (15.jan.23)

O banco BTG Pactual recorre na Justiça contra a liminar que protege a varejista Americanas dos credores, mas desembargador de plantão não autoriza

Rial sai e entra Rothschild (16.jan.23)

Sergio Rial é substituído na tarefa que havia assumido informalmente de tentar acalmar bancos credores e investidores. O conselho de administração da varejista contrata a Rothschild & Co como interlocutora na renegociação da dívida, no Brasil e no exterior

BofA entra na Justiça contra Americanas (16.jan.23)

O Bank of America (BofA) entra com recurso na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro questionando a tutela que impede o bloqueio de ativos a pedido de credores

S&P rebaixa nota da Americanas para situação de calote (16.jan.23)

A S&P Global rebaixa a nota de crédito da Americanas de "B" (na escala global) e de "brA-" (na escala nacional Brasil) para "D", o que significa situação de default (calote)

Rial se defende nas redes sociais (17.jan.23)

O ex-presidente da Americanas rompe o silêncio e publica no LinkedIn sua versão sobre o caso. Rial diz que não sabia das falhas contábeis que levaram a companhia a um rombo bilionário e que "jamais transigiria" com sua biografia

Americanas prepara pedido de recuperação judicial (17.jan.23)

A Folha antecipa que a Americanas vai entrar com pedido de recuperação na Justiça

Americanas contrata executiva que trabalhou na RJ da Oi (17.jan.23)

A Americanas anuncia a indicação de Camille Loyo Faria como diretora financeira e de relações com investidores da companhia

BTG consegue liminar para não devolver R$ 1,2 bi (18.jan.23)

Banco consegue um mandado de segurança contra a liminar obtida pela Americanas no dia 13 de janeiro e deixa de ser obrigado a desbloquear R$ 1,2 bilhão na conta da varejista junto à instituição

Americanas entra em recuperação judicial (19.jan.23)

A varejista Americanas protocola seu pedido de recuperação estimando total de dívida em R$ 43 bilhões. O pedido é aceito no mesmo dia.


RAIO-X DA AMERICANAS S.A.

3º trimestre de 2022
Receita líquida: R$ 5,4 bilhões
Ebitda: R$ 582,3 milhões
Prejuízo líquido: R$ 211,6 milhões
Lojas: 3.601
Funcionários: cerca de 40 mil

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