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Eduardo Rios Neto

Censo demográfico, IBGE e confiança

Ex-presidente do instituto responde a críticas feitas por Roberto Olinto

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Eduardo Rios Neto

Ex-presidente do IBGE (2021-2022) e professor da UFMG

Ao ser exonerado do cargo de presidente do IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no dia 1º de janeiro de 2023, pensei logo em escrever uma nota de prestação de contas e despedida, mas o fato de o Censo Demográfico de 2022 não ter sido concluído conteve esse meu ímpeto.

Afinal, a conclusão de um Censo de qualidade, ainda que tardio, é fundamental para as políticas públicas nas três esferas de poder, bem como para o desenvolvimento científico e a utilização dos dados pelos indivíduos e a sociedade organizada. Contudo, a entrevista do ex-presidente do IBGE Roberto Olinto, publicada pela Folha em 24 de janeiro, precipitou essa minha manifestação, ainda que breve e incompleta.

Como demógrafo e cientista social aplicado, sempre admirei o IBGE, tendo utilizado seus dados desde a minha formação inicial no mestrado. Essa admiração fez com que eu aceitasse o desafio de ser diretor de pesquisas do IBGE a partir do final de maio de 2019, sendo depois conduzido a presidente do IBGE no final de abril de 2021. Sob o ponto de vista da minha biografia, considero estes dois postos os mais honrosos da minha carreira.

Como não sou filiado a nenhum partido, minha decisão de aceitar o convite para participar na direção do IBGE decorreu do meu comprometimento, como demógrafo, com a questão populacional. Eu sabia que estava entrando no IBGE num momento contencioso, que ameaçava a realização do Censo. Esse contexto desafiante perpassou a totalidade de minha gestão. A realização de um Censo de qualidade foi um objetivo perseguido todo o tempo.

Aliás, por esse comprometimento com a demografia, servi também aos dois governos Lula como presidente da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), com representação anual do país nas Nações Unidas. Em 2010, representando o Brasil, fui vice-presidente do comitê organizador da Comissão de População e Desenvolvimento da ONU.

Eduardo Rios-Neto Diretor de Pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), doutor em demografia pela Universidade da Califórnia/Berkeley e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
Eduardo Rios Neto estava na presidência do IBGE desde 2021 - Acervo Agência IBGE Notícias

É de notório saber que o Censo estava programado para agosto de 2020, tendo sido adiado pela pandemia de Covid-19. Em 2021, o Censo foi adiado por falta de recursos orçamentários e uma liminar acatada pelo Supremo Tribunal Federal permitiu a realização do Censo em 2022, com recursos alocados por força judicial. Esses recursos atenderam uma avaliação de necessidades do próprio IBGE, mediante um projeto técnico realizado pela Comissão de Planejamento e Organização dos Censos (CPO).

A realização do Censo em um ano de eleições era um fator de risco, mas não era possível adiá-lo por mais um ano. Tentou-se adiantar o início do Censo para o dia 1º de junho, mas o cronograma de recrutamento e treinamento dos recenseadores fez com que a data de início da coleta voltasse para o dia 1º de agosto.

Além da coincidência da coleta do Censo com um processo eleitoral altamente polarizado, que amplificou a já crescente tendência de resistência da população em receber os recenseadores, o mercado de trabalho no segundo semestre de 2022 estava aquecido, fazendo com que a remuneração planejada para a árdua tarefa de recenseamento se tornasse defasada. São estes os dois principais fatores que determinaram a maior duração da coleta do Censo.

Se estes fatores são inegáveis, também é forçoso reconhecer que uma série de inovações viabilizaram a realização de um Censo de alta qualidade. O Censo 2022 primou pelo acompanhamento, em tempo real, das operações. Foi produzido um instrumento de BI que gera estatísticas diárias dos dados coletados, descendo a níveis de setor censitário e entrevistador. Com este instrumento, a qualidade de resposta das várias variáveis, incluindo estrutura etária, raça-cor, educação e religião, entre outras, puderam ser checadas a cada dia e corrigidas quando necessário.

Foram captadas coordenadas geográficas de todos os domicílios recenseados, uma informação que será adicionada ao Cadastro Nacional de Endereços para fins Estatísticos (CNEFE). Se este já é, em si, um excelente produto, o batimento das coordenadas com outras informações geográficas, como os registros de energia elétrica da Aneel, permitiu a identificação de problemas de cobertura de setores censitários. Esse instrumento também permite que os municípios avaliem a qualidade da contagem populacional.

O IBGE está aberto a toda sorte de avaliações, técnicas e administrativas. Aliás, o IBGE realizou o "Observa Censo", em parceria com a Agência ABC do Ministério de Relações Exteriores e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Representantes de cerca de 20 países acompanharam a operação do Censo no mês de setembro de 2022.

Em novembro, uma comissão da autoridade estatística do Reino Unido passou uma semana observando as atividades do Censo. Além disso, a imprensa acompanhou mensalmente a avaliação do Censo. Então, nunca houve surpresa e todos estavam cientes dos passos que o IBGE dava. Aliás, como ressalta a Divisão de Estatística das Nações Unidas, é fundamental ter confiança na instituição e nos dados. Os detalhes técnicos de resposta à entrevista estão na nota do IBGE.

Como dirigente máximo do IBGE, recebi, mesmo após o resultado das eleições presidenciais, tratamento republicano por parte de deputados e senadores de todos os partidos no Congresso, com reconhecimento das dificuldades e da seriedade profissional na conduta do Censo.

Uma prova disso é que conseguimos um aumento no orçamento do Censo para 2023, assim como no orçamento do IBGE, de acordo com o voto da Comissão Mista Orçamentária do Congresso. Recebi a mesma receptividade positiva por parte da equipe de transição que cuidava dos temas afeitos.

O TCU e a CGU acompanharam as dificuldades operacionais na condução do Censo e a divulgação da prévia da população foi decidida em comum acordo com o TCU. Visitei pessoalmente a presidente do STF, ministra Rosa Weber, para entregar uma carta que explicava as razões para a não conclusão do Censo, uma vez que ele foi realizado sob a égide de uma decisão judicial.

Finalmente, antecipando os desafios para a realização do Censo, visitei, em 2021 e 2022, 20 das 27 unidades da Federação e cerca de 70 das 570 agências de coleta espalhadas no território brasileiro. Aprendi a olhar no olho do ibgeano e da ibgeana, efetivo ou temporário, e discutir sem temor os problemas, aceitando as críticas e sugestões. Com isso, meu respeito à instituição saiu do lado acadêmico para penetrar na essência do IBGE. Essa minha nota é em respeito a esses olhares que cruzaram comigo nestas visitas e em agradecimento aos superintendentes, que foram grandes parceiros e sofrem, no dia a dia, os enormes desafios das operações.

Hoje, na condição de ex-presidente do IBGE, cumpro o que, na minha visão, é o papel de um ex-presidente: apontar eventuais caminhos e fazer as críticas necessárias, sempre na defesa da instituição e com muito respeito aos ibgeanos e ibgeanas, para que o IBGE continue cumprindo sua missão de retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania.

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