Descrição de chapéu The New York Times tecnologia

Demissões nas big techs chocam jovens profissionais, mas os mais velhos, nem tanto

Crise que varreu o setor foi pior que recessão dos anos 1990 e de 2008

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tripp Mickle
São Francisco (Califórnia)

Quando a Lyft demitiu 13% de seus funcionários em novembro, Kelly Chang ficou chocada ao se descobrir entre as 700 pessoas que perderam o emprego na empresa de transporte por aplicativo de San Francisco, na Califórnia.

"Parecia que as empresas de tecnologia tinham tantas oportunidades", disse Chang, 26. "Se você conseguisse um emprego, estava feita. Era um caminho sustentável."

Brian Pulliam, por outro lado, não se incomodou com a notícia de que a exchange de criptomoedas Coinbase estava cortando seu cargo. Desde que o engenheiro de 48 anos foi demitido de seu primeiro emprego na empresa de videogame Atari, em 2003, ele disse que se perguntava uma vez por ano: "Se eu fosse demitido, o que faria?"

Os cofundadores da Lyft, primeira empresa de transporte compartilhado de capital aberto, na festa de IPO da empresa em 2019, em Los Angeles - Alex Welsh-19.out.2019/The New York Times

O contraste entre as reações de Chang e Pulliam às suas respectivas decepções profissionais fala de uma divisão geracional que está ficando mais clara à medida que a indústria de tecnologia, que se expandiu rapidamente durante a pandemia, tende para as demissões em massa.

A Microsoft disse nesta semana que planeja cortar 10.000 empregos, ou cerca de 5% de sua força de trabalho. E na manhã de sexta-feira (20) a Alphabet, controladora do Google, disse que pretende cortar 12 mil empregos, ou cerca de 6% do total de trabalhadores. Esses cortes acompanham grandes demissões em outras empresas de tecnologia, como Meta, Amazon e Salesforce.

A geração do Milênio e a geração Z, nascidas entre 1981 e 2012, iniciaram carreiras em tecnologia durante uma década de expansão, quando os empregos se multiplicaram tão rápido quanto as vendas do iPhone. As empresas em que entraram estavam conquistando o mundo e desafiando as regras econômicas. E quando eles foram trabalhar em empresas que ofereciam viagens de ônibus até o escritório e cortesias como comida e lavanderia gratuitas, eles não estavam apenas aceitando um novo emprego; estavam assumindo um estilo de vida. Poucos haviam passado por demissões generalizadas.

Os membros da geração "baby boom" e da geração X, nascidos entre 1946 e 1980, por outro lado, viveram a maior contração que o setor já viu. O crash das pontocom no início dos anos 2000 eliminou mais de 1 milhão de empregos, esvaziando de usuários a Rodovia 101 do Vale do Silício, pois muitas empresas fecharam da noite para o dia.

"Foi um banho de sangue, e durou anos", disse Jason DeMorrow, engenheiro de software que foi demitido duas vezes em 18 meses e ficou desempregado durante mais de seis meses. "Por mais preocupante que seja a crise atual e por mais que eu tenha empatia pelas pessoas afetadas, não há comparação."

A divisão geracional na indústria tech representa um fenômeno mais amplo. O ano de nascimento de uma pessoa tem grande influência em suas opiniões sobre trabalho e dinheiro. As primeiras experiências pessoais determinam fortemente o apetite de uma pessoa por riscos financeiros, de acordo com um estudo de 2011 dos economistas Ulrike Malmendier, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Stefan Nagel, da Universidade de Chicago.

O estudo, que analisou a Pesquisa de Finanças do Consumidor do Federal Reserve de 1960 a 2007, descobriu que as pessoas que atingiram a maioridade na década de 1970, quando o mercado de ações estagnou, relutavam em investir no início dos anos 1980, quando ele disparou. Essa tendência se inverteu na década de 1990.

"Depois que você sofre seu primeiro acidente, as coisas mudam", disse Nagel. "Você percebe que coisas ruins acontecem e talvez deva ser um pouco mais cauteloso."

Para a geração X, o colapso das pontocom ocorreu no início de suas carreiras. De 2001 a 2005, o setor de tecnologia demitiu um quarto dos trabalhadores, conforme uma análise dos dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho da CompTIA, uma organização de pesquisa e educação em tecnologia.

As demissões que varreram o setor foram piores que a recessão do início dos anos 1990, quando o total de empregos no setor de tecnologia caiu 5%, e que a crise financeira global que se seguiu em 2008, quando a força de trabalho se contraiu 6%.

Em 2011, o setor tecnológico iniciou um boom de contratações que duraria uma década. Acrescentou em média mais de 100 mil empregos anualmente, e até 2021 recuperou todos os empregos perdidos quando a bolha das pontocom estourou.

Os números de empregos representam empresas de software, hardware, serviços de tecnologia e telecomunicações, incluindo Apple, Meta, Nvidia, Salesforce e outras. Mas eles podem excluir algumas empresas relacionadas à tecnologia, como Airbnb, Lyft e Uber, devido à ambiguidade sobre o mercado de trabalho nos relatórios do governo, que classificam algumas empresas como serviços ao consumidor, disse Tim Herbert, diretor de pesquisa da CompTIA.

Os maiores aumentos de empregos em tecnologia ocorreram após o início da pandemia, quando as empresas correram para atender à demanda crescente. Em 2022, o setor criou quase 260 mil empregos, segundo a CompTIA, o maior número criado em um único ano desde 2000.

O aumento de empregos na área de tecnologia continuou no ano passado, mesmo com o início de grandes demissões, embora não esteja claro se essa tendência se estendeu até este ano. Novas oportunidades de emprego contribuíram para que quase 80% dos trabalhadores em tecnologia demitidos afirmassem ter encontrado um novo emprego em três meses, de acordo com uma pesquisa da ZipRecruiter.

"Estamos vendo a loucura de contratações da pandemia sendo corrigida –não o estouro de uma bolha", disse Andy Challenger, vice-presidente sênior da empresa de transição de carreiras Challenger, Gray & Christmas.

No outono passado, David Hayden, gerente de programa com doutorado em física, soube por seu gerente que seria demitido da empresa de semicondutores nLight. Preocupado com as mensalidades da faculdade de sua filha, ele imediatamente procurou recrutadores para marcar entrevistas. Em dezembro, um mês após ser demitido, assumiu um novo cargo na Lattice Semiconductor.

Em todas as entrevistas, Hayden, 56, disse que tinha sido demitido. Sua experiência durante a crise das pontocom, quando ele evitou demissões mesmo quando colegas talentosos eram dispensados, lhe ensinou que os cortes nem sempre são racionais.

"A vergonha de ser demitido acabou", disse Hayden. "As empresas sabem que muitas pessoas boas estão sendo demitidas agora."

Erin Sumner, recrutadora de software da Meta, controladora do Facebook, costumava se gabar para potenciais contratados de que a empresa foi a mais rápida a alcançar um valor de mercado de US$ 1 trilhão. Ela disse que salientava os pontos fortes da empresa, mesmo no ano passado, quando o preço de suas ações despencou e seu principal negócio, a publicidade digital, passou por dificuldades.

Quando rumores de demissões começaram a circular no ano passado, ela garantiu aos colegas que seus empregos estavam seguros, apontando para os mais de US$ 40 bilhões em dinheiro que a empresa tinha no banco. Mas em novembro ela mesma estava entre os 11 mil trabalhadores demitidos.

"Foi angustiante", disse Sumner, 32. Ela conseguiu um novo emprego como recrutadora-chefe de uma startup chamada DeleteMe, que visa remover as informações dos clientes dos resultados de pesquisas. Mas disse que se contrai cada vez que lê sobre mais demissões em tecnologia.

"Temo que a situação piore antes de melhorar", disse Sumner. "Não há garantia. Fui demitida pela empresa mais segura do mundo."

Uma reversão da sorte semelhante desafiou as empresas que vendem serviços de software. As ações da Salesforce, líder do setor, caíram quase 50% no ano passado, com a desaceleração do crescimento das vendas. A empresa esbanjou durante a pandemia, gastando US$ 28 bilhões para comprar a Slack Technologies, e aumentou o número de funcionários de 49 mil para 80 mil em dois anos.

Durante uma reunião geral na semana passada para discutir a decisão da empresa de demitir 10% dos funcionários, Marc Benioff, CEO da Salesforce, tentou criar empatia com sua equipe insatisfeita, colocando os cortes em contexto.

"Passei por muitos momentos difíceis nesta empresa. Cada perda relembra outra perda para mim", disse ele, segundo uma gravação ouvida pelo The New York Times. "Obviamente, estamos falando de uma ampla demissão. Penso nos funcionários que morreram. Penso nas pessoas que perdemos e que não queríamos perder."

Questionado sobre o conselho que daria aos funcionários que estavam preocupados com a situação da empresa e novas demissões, Benioff sugeriu "gratidão".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.