Descrição de chapéu transição de governo

Haddad toma posse e promete nova regra fiscal neste semestre

Novo ministro diz que não está no cargo 'para aventuras', mas mercado alimenta desconfiança e cobra austeridade

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Brasília

O advogado e economista Fernando Haddad (PT) assumiu o Ministério da Fazenda nesta segunda-feira (2) reafirmando o compromisso de enviar ao Congresso Nacional ainda no primeiro semestre a proposta de um novo arcabouço fiscal, em substituição ao teto de gastos.

Em seu primeiro discurso após ser empossado no cargo, Haddad buscou passar uma mensagem de responsabilidade com as contas públicas, combate à inflação e prioridade aos temas sociais.

"Não estamos aqui para aventuras. Estamos aqui para assegurar que o país volte a crescer para suprir as necessidades da população naquilo que são seus direitos constitucionais em saúde, educação, no âmbito social e, ao mesmo tempo, para garantir equilíbrio e sustentabilidade fiscal", disse.

Posse do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no CCBB - Gabriela Biló - 02.jan.2023/Folhapress

Haddad chegou com um discurso redigido, mas ao longo da fala fez uma série de improvisos. A cerimônia ocorreu no teatro CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), sede do governo de transição em Brasília, local acessado apenas por convidados: servidores, representantes do empresariado, governadores e secretários estaduais. Jornalistas foram alocados em outra sala, e o acesso presencial à cerimônia foi restrito a fotógrafos e cinegrafistas.

Antecessor de Haddad, o ex-ministro da Economia Paulo Guedes não participou da transmissão de cargo.

Embora o discurso de responsabilidade social e controle do endividamento tenha sido repetido pelo novo governo desde que Haddad foi indicado para a Fazenda, investidores e economistas têm mostrado preocupação com indicativos de aumento dos gastos públicos e de maior intervenção estatal na economia.

Nesta segunda, primeiro dia do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o mercado aberto, o dólar abriu em forte alta, que chegou a superar 1% às 9h15.

Em seu discurso, Haddad deu recados e procurou responder justamente às principais preocupações do mercado financeiro. "Um Estado forte não é um Estado grande, um Estado obeso. É um Estado atuante", afirmou. "Não somos dogmáticos, somos pragmáticos, queremos resultados, mas seguimos princípios e valores."

Luiz Carlos Trabuco, presidente do conselho de administração do Bradesco, estava presente na cerimônia e fez uma avaliação positiva do discurso. Ele considera que Haddad tem consciência dos desafios que enfrentará em sua gestão.

Segundo Trabuco, a ênfase no fiscal responsável é "importante e necessária" para compatibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal com uma Lei de Responsabilidade Social. "Essa junção é o talento que o governo está pontuando", disse.

Sob pressão para entregar uma melhora nas contas públicas, Haddad criticou a herança econômica deixada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). "A expressão 'arrumar a casa' tornou-se uma metáfora comum nos discursos dos que iniciam um novo governo, uma nova administração. Mas ouso dizer, sem o receio de cometer exageros, estamos mais próximos da necessidade de reconstruir uma casa do que simplesmente arrumá-la", afirmou.

O novo ministro classificou as medidas da gestão anterior como "os golpes mais duros" contra a população e ressaltou que, muitas vezes, os atos "contrariaram o bom senso e a recomendação de técnicos da Economia".

Ele citou como exemplos a inclusão indevida de famílias no programa de transferência de renda e a distribuição de "benesses e desonerações fiscais" para empresas. "Estamos falando, portanto, de um rombo de cerca de R$ 300 bilhões, provocado pela insanidade", disse.

"Éramos o posto Ipiranga, agora somos uma rede de postos. Quatro que vão fazer a diferença no Brasil"

Fernando Haddad

Ministro da Fazenda

Em uma tentativa de transmitir uma mensagem de compromisso com a austeridade fiscal, Haddad prometeu reduzir o rombo contratado para este ano, após a aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para autorizar o aumento de gastos.

"Não aceitaremos um resultado primário que não seja melhor do que os absurdos R$ 220 bilhões de déficit previstos no Orçamento para 2023", afirmou.

No entanto, ele não descreveu quais serão as medidas adotadas para atingir esse objetivo, apenas disse que a equipe apresentará nas primeiras semanas de governo "medidas necessárias para retomar a confiança".

O ministro destacou o fato de o governo ter conseguido aprovar uma PEC no Congresso antes mesmo de ter assumido. "Isso é uma demonstração de que queremos dialogar com Congresso, com espírito aberto, humildade, sem arrogância, sem querer ser dono da verdade."

Haddad sinalizou disposição de diálogo inclusive com integrantes da oposição. "Não podemos temer a política, temer o diálogo e, de forma preconceituosa, tachar as pessoas que não caminharam conosco como adversários", disse.

Ele disse ainda estar "confortável" em estar numa equipe econômica com o vice-presidente Geraldo Alckmin (também titular do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação de Serviços Públicos). Todos estavam presentes na cerimônia —apenas Alckmin precisou sair mais cedo para outros compromissos.

O novo ministro ainda defendeu a cisão do Ministério da Economia em novas pastas. Sem citar nomes, Haddad lembrou como Bolsonaro se referia ao ministro Paulo Guedes —que era chamado pelo então mandatário de "posto Ipiranga" (um modo de dizer que todas as dúvidas sobre economia seriam resolvidas por ele, em alusão a um comercial da marca).

"Éramos o posto Ipiranga, agora somos uma rede de postos. Quatro que vão fazer a diferença no Brasil", afirmou, em referência aos quatro ministérios da área econômica. "É muito ruim concentrar todos os ovos numa cesta, queremos agir colegiadamente."

Oficialmente empossado, Haddad também apresentou os principais membros de sua equipe. O ministro escolheu o economista do PT Guilherme Mello (Secretaria de Política Econômica), Rogério Ceron (Secretaria do Tesouro Nacional), Robinson Barreirinhas (Secretaria da Receita Federal), e Marcos Barbosa Pinto (Secretaria das Reformas Econômicas).

Haddad já trabalhou com Barreirinhas e Ceron quando foi prefeito de São Paulo (2013-2016) e com Barbosa Pinto, no Ministério do Planejamento durante o primeiro mandato de Lula.

Barreirinhas vai trabalhar em conjunto com Bernard Appy pela reforma tributária, uma das prioridades da pasta. Ele é um dos autores da PEC sobre o tema que tramita na Câmara dos Deputados e deve voltar às discussões.

O braço direito de Haddad no ministério será Gabriel Galípolo. Ele assume a secretaria-executiva, coordenando toda a equipe e substituindo o ministro quando ele precisar se ausentar.

Outros integrantes da equipe também foram empossados. A procuradora da Fazenda Fernanda Santiago cuidará dos assuntos jurídicos da pasta. Tatiana Rosito será secretária da área internacional.

O colunista da Folha Mathias Alencastro também será assessor especial. Para procuradora-geral da Fazenda Nacional, Haddad escolheu Anelize Lenzi de Almeida.

Trabuco, do Bradesco, vê o novo ministério como "extremamente capaz", com uma agenda de "pacificação e de reformas do ponto de vista da governança". "A ênfase que o presidente Lula deu de manter a coerência na negociação política em muito vai ajudar na normalização do país", disse.

Economistas de grandes bancos e corretoras ouvidos pela Folha reservadamente avaliam que os escolhidos sinalizam para uma gestão de mais peso estatal na condução da economia. Eles esperavam nomes que pudessem demonstrar compromisso com o corte de gastos, mas Haddad preferiu ter assessores de sua confiança.

Empresários próximos a Lula esperam que Haddad implemente reformas —especialmente a tributária—, estimule concessões e adote medidas que promovam a distribuição de renda e o estímulo ao que o presidente chama de "consumo popular".

Para economistas de grandes bancos, esse desafio será enorme porque não há espaço fiscal para despesas ou subsídios com recursos públicos —motores que ajudaram a turbinar os governos Lula 1 e Lula 2, marcados pela ascensão da classe C.

A ideia, segundo assessores, é tentar viabilizar uma política de crédito por meio de fundos garantidores abastecidos com dinheiro do Tesouro ou do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

Sinalização ao mercado

Segundo relatos, apesar de ter consciência da expectativa do mercado, o presidente considera não haver oposição entre agradar aos investidores, banqueiros e empresários e, ao mesmo tempo, promover justiça social.

Lula quer Haddad conduzindo esse plano para que seja seu sucessor em 2026. Uma das principais tarefas do início de sua gestão será a definição da nova âncora fiscal —instrumento que dará as diretrizes de redução da dívida nos próximos anos.

Um banqueiro ouvido sob anonimato considera que esta medida selará o destino de Haddad com o mercado. Se mostrar descompromisso com a redução do endividamento, acaba a simpatia inicial com o governo.

Dizem que, ao menos nos primeiros dois anos, é possível para a economia tolerar mais gastos sociais, desde que a equipe econômica defina como pretende reduzir essa dívida no futuro, de forma sustentável.

Para Isaac Sidney, presidente da Febraban, a federação dos bancos, o desafio do ministro será conciliar visões tão distintas dos integrantes da equipe econômica. Em nota, ele disse esperar "que o novo time atue com racionalidade para construir as soluções para os graves problemas econômicos e sociais que o país vive."

"Para tanto, ressalto a importância de o país perseguir, sem hesitação, o equilíbrio das contas públicas, premissa para o desenvolvimento social", disse.

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