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'Mercado está assustado e os preços mostram isso', diz gestor sobre início do governo Lula

Analistas pregam cautela com ativos locais após primeiras sinalizações vindas de Brasília

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São Paulo

O início de 2023 tem sido marcado por reações negativas dos investidores e volatilidade elevada nos mercados, na esteira das primeiras sinalizações do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no campo econômico.

Uma postura menos liberal do que a esperada, com indicações vindas de Brasília de uma presença maior do Estado, tem deixado os agentes financeiros receosos.

Na primeira semana do ano, o índice de ações Ibovespa acumulou queda de cerca de 0,7%, enquanto os juros futuros tiveram alta expressiva em relação ao fechamento de dezembro —o título para 2024 avançou de 13,41% em 29 de dezembro para 13,59% na sexta.

O movimento chegou a ser atenuado pela recuperação parcial dos mercados nos últimos dias, mas que não foi suficiente para alterar a percepção majoritariamente negativa dos investidores sobre as perspectivas de médio e longo prazo para a economia brasileira. Na contramão, embalado pela redução da aversão ao risco no exterior, o dólar subiu 0,7%.

Operador do mercado financeiro acompanha pregão na Bolsa de Valores brasileira, no centro de São Paulo
Operador do mercado financeiro acompanha pregão na Bolsa de Valores brasileira, no centro de São Paulo - Nelson Almeida - 18.mai.2017/AFP

"O mercado está assustado e os preços mostram isso", afirma José Tovar, CEO da gestora de recursos Truxt.

Tovar diz que, de um modo geral, o mercado foi surpreendido, em sua maioria, pela composição do time econômico de viés menos liberal do que o esperado.

Ele afirma ainda que o mercado financeiro não é uma entidade que torce contra o governo, mas reage de maneira rápida e em manada à percepção inicial bastante negativa sobre os primeiros dias de Lula na Presidência.

"Tem uma ala mais à esquerda que comemora quando o mercado fica negativo, o que é um absurdo, porque o que a gente quer é economia crescendo, inflação baixa, responsabilidade fiscal", diz Tovar.

O CEO da Truxt afirma também que cabe a Lula organizar a casa o mais rapidamente possível, de modo a evitar sinalizações desencontradas dentro do próprio governo.

Ele lembra que, ao longo das últimas semanas, houve alguns sinais trocados entre membros do governo sobre mudanças na reforma da Previdência, intervenções na Petrobras e relativas à desoneração dos combustíveis.

"A opinião do Haddad sobre o fim da desoneração dos combustíveis foi atropelada pela ala política do partido", diz Tovar, que afirma ter reduzido o tamanho das posições dos fundos da gestora por conta do noticiário vindo de Brasília, mantendo apostas na alta do dólar e dos juros.

"A impressão que fica é que o governo ainda está perdido em alguns temas e o mercado, como sempre, muito ansioso por definições", diz Rafael Ihara, economista-chefe da gestora Meraki Capital.

Ihara avalia que as primeiras sinalizações do governo na pauta econômica têm sido ruins, seja pela escolha da equipe, pelos gastos ou pelas declarações contra as privatizações e o teto de gastos.

"O cenário não é animador porque Brasil, Estados Unidos e Europa já mostram sinais claros de atividade enfraquecendo. O mercado de trabalho vai sentir logo mais. Acredito que o Lula esteja muito preocupado com a aprovação, por não querer repetir o caso do [Gabriel] Boric no Chile", afirma o economista da Meraki, em referência à perda de popularidade do presidente chileno poucos meses após sua eleição.

"Aumentam as chances de medidas populistas nesse cenário", diz.

Ihara afirma ainda que o que pode contribuir para trazer algum alívio ao quadro macroeconômico para o Brasil é a China, com o processo de reabertura da economia em curso.

De todo modo, o economista assinala que o ambiente está carregado de incertezas e faz sentido manter uma dose maior de cautela com os ativos locais.

País vai ter juros mais altos por mais tempo e ficará mais pobre, dizem gestores da 3R e da ASA

Sócio-fundador da 3R Investimentos, Tomás Awad diz que tem mesmo adotado uma postura mais cautelosa na composição das carteiras dos fundos de ações.

Ele afirma que tem priorizado papéis de empresas consideradas mais resilientes, que tendem a navegar melhor do que a média de mercado o período de incerteza política e econômica e de juros mais altos, como dos setores de bancos, saúde e varejo alimentar.

"O país vai ficar mais pobre, todo mundo vai ficar mais pobre. Nesse cenário, tem muito negócio que vai piorar, mas tem também alguns que devem se beneficiar", diz Awad, sobre as apostas nas carteiras de ações.

Ele acrescenta que também tem mantido parcela relevante dos recursos em caixa, rendendo o CDI, indexador que acompanha a rentabilidade da Selic, de modo a aproveitar os preços na Bolsa que prevê que estarão mais baratos no futuro.

O sócio da 3R Investimentos diz ter uma visão pessimista sobre as perspectivas para o cenário doméstico desde a eleição de Lula, que só foi reforçada mais recentemente pela formação da equipe econômica. "Ela é horrível. Difícil ser pior", afirma Awad.

Gestor da ASA Investments, José Alberto Baltieri afirma que, até poucas semanas atrás, a expectativa majoritária no mercado, e também na gestora, era de que o BC (Banco Central) teria espaço para iniciar um corte de juros em algum momento na virada do primeiro para o segundo semestre do ano.

Com a piora nas expectativas dos agentes de mercado sobre o quadro fiscal após as sinalizações do governo para a economia, agora já há dúvidas se o BC conseguirá iniciar o processo de aperto monetário ainda neste ano, diz Baltieri.

Ele acrescenta que, com a mudança na percepção dos investidores sobre o início do corte de juros, se alterou também a visão a respeito do desempenho potencial da Bolsa. A queda dos juros poderia abrir espaço para um desempenho melhor das ações, mas a possível manutenção da Selic em patamar elevado por mais tempo alterou radicalmente essa expectativa, afirma o gestor da ASA.

Segundo Baltieri, ao ficar claro que o governo não adotaria o tom mais pragmático que parte do mercado esperava, a opção foi alterar a composição do portfólio. Foram reduzidas as apostas em ações de empresas mais suscetíveis às oscilações nos juros, como construção civil e consumo, e reforçadas em nomes que tendem a ir melhor independentemente do rumo da Selic, como commodities e bancos.

Sócio diretor e chefe de análise de empresas da gestora Apex Capital, Paulo Weickert diz que também tem nas exportadoras de commodities, como a Vale, possivelmente impulsionada pela reabertura da China, uma das principais apostas da carteira no momento.

Weickert afirma que, no caso dos nomes mais voltados à economia doméstica, tem focado a atenção em teses cuja performance dependa menos do crescimento da economia local, e mais da execução operacional própria da empresa.

A BB Seguridade, que tem forte atuação no seguro rural e se beneficia dos juros altos para a rentabilidade das aplicações financeiras mantidas em caixa, e a fabricante de medicamentos Hypera, que deve seguir com as vendas aquecidas independentemente do cenário local, são apontados pelo especialista entre os nomes nos fundos da Apex que tendem a se destacar na Bolsa.

"As decisões tomadas pelo governo até aqui não contribuem para reduzir a incerteza", diz Alexandre Bassoli, economista-chefe da Apex, que diz que tinha a expectativa de que o governo poderia adotar um tom mais pragmático, considerado o histórico de Lula, em especial durante seu primeiro mandato.

Entrada de fluxo estrangeiro pode não se repetir em 2023, diz gestora global abrdn

Em 2022, quando o Ibovespa teve alta de cerca de 4,7%, trouxe contribuição importante para o desempenho apresentado pela Bolsa o forte fluxo de investidores estrangeiros, que alcançou a marca de R$ 120 bilhões no ano.

Para 2023, contudo, essa é uma tendência que pode não voltar a se repetir, diz Eduardo Figueiredo, diretor de investimento da gestora global abrdn, que tem cerca de US$ 603,4 bilhões (R$ 3,2 trilhões) em ativos, com uma alocação de aproximadamente US$ 3 bilhões (R$ 16,2 bilhões) entre ações e renda fixa no Brasil.

Figueiredo afirma que a forte entrada de capital estrangeiro nos últimos meses foi menos por mérito do Brasil, e mais por fragilidades de outros emergentes, como a invasão da Ucrânia pela Rússia e a crise imobiliária na China.

Para o ano que se desenha à frente, no entanto, o risco de recessão global, somado às incertezas sobre a evolução do quadro político e econômico no Brasil, e à reabertura da China, podem atrapalhar a entrada dos estrangeiros no mercado acionário local, diz o diretor da abrdn. "Não podemos olhar o fluxo que veio até agora e achar que vai se perpetuar indefinidamente."

Nesse cenário, Figueiredo afirma que tem privilegiado no portfólio dedicado às ações brasileiras nomes menos dependentes dos ciclos econômicos e políticos do país, como Raia Drogasil, Rumo e Totvs.

"A grande dúvida que ainda paira é se o que estamos vendo é uma retórica com caráter eleitoreiro ou se é realmente o que será adotado como política de governo", afirma o diretor da abrdn, acrescentando que não pretende aumentar a posição no mercado brasileiro enquanto não tiver clareza com relação às políticas a serem adotadas na área fiscal.

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