Oito dias após estimar um déficit de R$ 107,6 bilhões para este ano, a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu reduzir esse rombo à metade, para algo próximo de R$ 50 bilhões —o equivalente a 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto)—, mas ainda não detalhou como isso será feito.
A sinalização foi dada pelo Ministério da Fazenda ao apresentar a proposta de nova regra fiscal, que permitirá a alta real de gastos e conta com um impulso na arrecadação para conseguir melhorar a trajetória das contas públicas.
O dado indica que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, almeja um ajuste mais ambicioso do que vinha sendo sinalizado até então, que era um rombo de até 1% do PIB neste ano.
Os detalhes, porém, tendem a ser analisados com lupa pelos economistas, que já colocavam dúvidas sobre a capacidade do governo de reduzir o déficit a 1% do PIB.
Como mostrou a Folha, a estimativa divulgada na semana passada foi obtida graças a uma manobra para excluir do Orçamento a previsão de alta de R$ 4,5 bilhões nos gastos devido ao novo reajuste do salário mínimo, de R$ 1.302 para R$ 1.320.
Além disso, o Banco Central, órgão responsável pelas estatísticas oficiais de finanças públicas (incluindo o resultado primário), discorda do governo e não considera como receita primária os R$ 26 bilhões resgatados de contas abandonadas do Fundo PIS/Pasep. Ou seja, o rombo oficial já é pelo menos R$ 26 bilhões maior do que o estimado pela equipe de Haddad.
Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (30), o ministro disse que anuncia na próxima semana um novo pacote com medidas para elevar a arrecadação do governo de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões. Sem dar muitos detalhes, ele disse que a ideia é rever benefícios tributários e passar a cobrar impostos de setores e empresas que, por falta de regras, hoje não pagam, como o segmento de apostas eletrônicas.
No novo arcabouço fiscal proposto pelo governo, a meta fiscal terá bandas de flutuação. Nesse desenho, a nova meta de 0,5% do PIB para este ano teria um intervalo de 0,25 ponto percentual para mais ou menos. O resultado efetivo poderia ficar entre déficit de 0,25% e 0,75% do PIB.
A mesma lógica, com bandas para flutuação do resultado, valerá para os próximos anos.
Em 2024, a meta melhora para um déficit zero, mas o intervalo permite oscilar de resultado negativo de 0,25% a um positivo de 0,25% do PIB.
Em 2025, o intervalo vai de 0,25% a 0,75% do PIB, tendo como centro a meta de 0,5%. Em 2026, a expectativa é chegar a um superávit de 1% do PIB, oscilando entre 0,75% e 1,25%.
O acompanhamento dessas bandas é importante porque elas servem de gatilho para disparar sanções, em caso de resultado pior que o esperado, ou bônus para investimentos, se o esforço fiscal vier muito acima da meta.
O governo também apresentou estimativas de como pode se comportar a dívida pública, caso a equipe econômica consiga entregar os esforços fiscais prometidos a cada ano.
O diagnóstico central, porém, é de que o governo Lula entregará uma dívida bruta maior do que encontrou no fim de 2022, quando estava em 72,87% do PIB.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse não ver isso como um problema. "É um processo de recuperação fiscal, de previsibilidade, gradualidade", disse. "Mesmo nos priores cenários, [a regra] coloca o país numa trajetória sustentável de dívida. E uma trajetória de dívida estável é um ponto de equilíbrio", afirmou.
Ceron também negou que o governo atual ampliará gastos, jogando no colo do próximo governo a tarefa de reduzir a dívida pública a um patamar mais condizente com a média dos países emergentes (em torno de 60% do PIB). "Não é verdade que ele [próximo governo] terá um esforço maior. Terá um esforço exatamente proporcional ao que está posto no cenário", disse.
"Claro, se for possível [o atual governo] reduzir [a dívida], é saudável, mas isso é uma escolha que pode ser feita em torno de N considerações", afirmou.
Em suas projeções, o Ministério da Fazenda traçou dois cenários. Um deles prevê o alcance do centro da meta de primário em todos os quatro anos de governo Lula.
Nesse contexto, a DBGG (dívida bruta do governo geral, hoje em 73,1% do PIB) terminaria este ano em 75,11% do PIB, subindo até 76,54% em 2026.
Em outro cenário, em que os resultados primários efetivos se situam na banda inferior da meta entre 2024 e 2026, a dívida sobe de maneira mais significativa. Neste ano, a DBGG ficaria nos mesmos 75,11% (pois o governo considerou o déficit de 0,5% do PIB), mas subiria a 76,43% em 2024 e 77,34% em 2026.
A equipe econômica, porém, conta com uma redução dos juros de médio e longo prazo com a apresentação da nova regra fiscal. A avaliação é que a proposta dará mais segurança e previsibilidade da trajetória das contas públicas.
Caso a curva de juros tenha uma redução equivalente a 1 ponto percentual, a dívida bruta terminaria este ano em 75,07% do PIB e ficaria estável em 75,05% do PIB ao fim de 2026, caso o primário fique no centro das metas de cada ano. Se o esforço for menor, no limite inferior da banda, a dívida ainda subiria a 75,83% do PIB em 2026.
Caso a curva de juros tenha um alívio maior, de 2 pontos percentuais, a dívida termina 2023 em 75,03% do PIB e cai a 74,36% do PIB no cenário menos favorável e a 73,58% do PIB no cenário base, que considera o centro das metas de primário.
O Ministério da Fazenda também fez projeções para os gastos com juros da dívida. Segundo a pasta, o novo arcabouço fiscal permitirá uma redução de R$ 80 bilhões dessas despesas já em 2023. O efeito do novo marco fiscal seria de uma redução de R$ 186 bilhões em 2026.
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