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'Quaresma das galinhas' faz ovo ficar mais caro? Entenda

Época é associada a menor produção, mas impacto hoje ocorre sobretudo em aves criadas soltas

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São Paulo

O ovo está mais caro no Brasil. A alta de preço tem várias razões, mas uma peculiar costuma circular nas feiras: a de que galinhas botam menos ovos durante a quaresma.

A afirmação tem algum fundamento, o que não significa que os animais tenham entrado numa espécie de recesso religioso. A explicação, na verdade, é bem terrena.

O processo biológico que leva as galinhas a produzirem ovos é desencadeado pela luminosidade. Como os dias ficam mais curtos entre dezembro e junho, o estímulo necessário para a regulação hormonal diminui nessa época do ano, provocando uma queda ou até interrupção na produção de ovos.

Galinhas livres de gaiolas em instalação na Califórnia, EUA - Mike Blake/Reuters

Daniela Duarte de Oliveira, médica veterinária e conselheira do Instituto Ovos Brasil, explica que as galinhas começam esse processo de menor produção no período que coincide com a quaresma —mas destaca que a relação entre os dois fenômenos não passa de um mito.

Março e abril marcam a transição do verão para o outono, quando o sol começa a nascer mais tarde e se pôr mais cedo. A redução do estímulo luminoso passaria a ter algum efeito já nesta época, com o ápice ocorrendo perto de junho —mês que registra o dia mais curto do ano.

Segundo Oliveira, a menor produção de ovos é mais perceptível nas galinhas caipiras, criadas soltas. Isso porque, no regime industrial, os animais recebem luz artificial para simular dias constantes, evitando que a produção de ovos seja prejudicada.

"Com a galinha caipira não. Toda parte de regulação hormonal para a produção de ovos é desencadeada por um período específico de luz. Como os dias estão ficando mais curtos, o estímulo vai diminuindo e as galinhas param de botar. Quando chega agosto, em que os dias começam a aumentar, elas voltam a ter o estímulo novamente", explica.

Algumas aves chegam efetivamente a parar de botar ovos, diz Oliveira, mas isso varia de animal para animal, bem como da região do país. "No Nordeste, os dias são constantes e de muita luminosidade. Então lá as galinhas são menos afetadas do que em Minas Gerais e São Paulo, por exemplo."

Valdir Avila, pesquisador de aves da Embrapa, lembra que a grande produção de ovos no Brasil é feita em sistemas intensivos.

Nesse modelo, o produtor garante uma média diária de 16 horas de luz. Se em determinada época o dia dura 11 horas, por exemplo, ele acrescenta mais 5 horas de luminosidade artificial para manter a produção constante.

Em função desses ajustes, o efeito sazonal é praticamente zero para a maior parte da produção de ovos brasileira.

O oposto ocorre com as galinhas criadas soltas, principalmente naquelas regiões onde a diferenciação de duração do dia é mais marcante.

Avila lembra que entramos na época decrescente de luminosidade no fim do ano passado, quando foi registrado o dia mais longo do ano, em 21 de dezembro.

A quaresma coincide com a metade desse período —que dura até junho—, o que pode explicar a associação que algumas pessoas fazem entre a tradição religiosa e a menor oferta de ovos.

Fatores conjunturais também podem ajudar a entender a origem dessa relação. José Fernando Menten, professor titular de avicultura da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), ressalta que muitas pessoas diminuem ou deixam de comer carne durante a quaresma, substituindo a proteína por ovo.

"As pessoas tendem a comprar mais ovos e notam mais facilmente a subida de preço, justamente na época em que elas querem consumir mais", diz.

Segundo Juliana Ferraz, analista de mercado de ovos do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), o produto costuma ficar mais caro na quaresma, época em que tradicionalmente o consumo aumenta.

No entanto, ela diz que a diminuição da oferta é o que está pesando mais para a alta dos preços neste ano.

"Parte disso pode estar atrelado à questão biológica das aves", afirma. "Mas o principal é que o produtor tem alojado menos aves. O custo de produção cresceu muito nos últimos anos, principalmente em relação à nutrição, que é [feita a base de] milho e farelo de soja."

Em Bastos (SP), principal região produtora do estado de São Paulo, o preço do ovo branco tipo extra teve aumento de 20,6%, passando de R$ 145,90 a caixa com 30 dúzias em março de 2022 para R$ 175,97 no mesmo período deste ano.

Para os ovos vermelhos, houve alta de 22%, com o produto passando de R$ 165,69 a caixa para R$ 201,94.

Em grandes centros consumidores, como a grande São Paulo, a caixa com 30 dúzias do ovo branco era negociada na faixa de R$ 151,85 em março de 2022. Neste ano, o produto passou a ser vendido por R$ 185,60, na média.

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