Revisão de marco do saneamento deixa brecha para empresa estadual atuar sem licitação

Ao falar de novas regras, Lula pede confiança em empresas públicas

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Brasília

Em decreto para revisar o marco do saneamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou uma brecha para que companhias estaduais prestem serviços sem licitação.

A cerimônia no Palácio do Planalto para assinatura da revisão da legislação para o setor ocorreu nesta quarta-feira (5), e contou com a presença de governadores convidados pelo petista.

No evento, Lula defendeu os decretos, afirmou que o problema do saneamento no Brasil é crônico e pediu voto de confiança às empresas públicas da área.

Um dos pontos mais polêmicos da revisão do marco é a possibilidade de prestação direta de serviços pela estatal estadual em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões (subdivisão da área do estado).

Essa medida foi antecipada pela Folha no fim de março. Técnicos do governo defendem que, nesses casos de agrupamentos, o estado pode ser considerado titular do serviço, assim como o município. Assim, empresas estaduais poderiam prestar serviços de saneamento sem licitação.

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Obras de saneamento da Sabesp na avenida Iperoig, na orla do Itaguá, próximo ao centro de Ubatuba - Wendell Marques/Folhapress

Sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em julho de 2020, o marco do saneamento previa originalmente que, em caso de compartilhamento com municípios de instalações operacionais de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, o estado pode ser considerado titular do serviço.

No entanto, há um processo que discute esse assunto no STF (Supremo Tribunal Federal). A Abcon (que representa o setor privado de saneamento) questiona um contrato assinado sem licitação pela Cagepa (estatal estadual da Paraíba) para prestar serviço de saneamento numa microrregião do estado que reúne cerca de 30 municípios, incluindo a capital, João Pessoa.

Em fevereiro, a AGU (Advocacia-Geral da União) defendeu esse contrato, pois considera o estado como titular do serviço, o que permitiria a prestação direta e sem licitação.

Representantes do setor privado de água e esgoto, no entanto, avaliam que o contrato na Paraíba pode ser considerado um drible na lei do saneamento, que proíbe a assinatura de novos contratos de programa –nome dado a contratos firmados diretamente entre prefeituras e estatais de água e esgoto sem concorrência.

O decreto assinado por Lula, portanto, confirmou o entendimento da AGU, deixando brecha para a prestação direta, sem licitação.

Outra mudança antecipada pela Folha a retirada do limite de 25% dos contratos no setor de saneamento para PPPs (Parceria Público-Privada).

Esse ponto é apoiado por empresas públicas e privadas. "As PPPs são ferramentas importantes para que as companhias estaduais possam trazer investimento privado para atingir as metas e pode trazer ganhos de eficiência", disse o advogado e especialista em saneamento Fernando Vernalha, sócio fundador do escritório Vernalha Pereira.

O novo decreto também beneficiará empresas que mantêm contrato com mais de 1.100 cidades e que ainda não conseguiram comprovar capacidade técnica e financeira para realizar investimentos, ou são empresas municipais de saneamento que não se regionalizaram.

A regionalização é a junção de diversas cidades em um contrato só, o que aumenta a escala do serviço e permite uma espécie de subsídio cruzado, com contratos mais lucrativos compensando as perdas em cidades onde não é tão viável economicamente investir em saneamento básico. Empresas que se regionalizam podem receber financiamento público.

No caso da falta de plano técnico e financeiro, os decretos flexibilizam as regras para comprovações necessárias e, assim, manter seus contratos de prestação de serviço. A exigência dessas comprovações busca garantir que as companhias públicas tenham condições de investir na expansão do saneamento básico. O governo federal tem a meta de universalizar o acesso até 2033.

No caso da regionalização, o prazo, previsto inicialmente para a última sexta-feira (31), deverá ser prorrogado para o fim de 2025.

As mudanças serão todas feitas por decreto e o governo prevê que não serão necessárias outras alterações via projeto de lei.

Lula pede voto de confiança em empresas públicas

"Estamos chamando o Brasil à responsabilidade para que a gente resolva um problema que é crônico no Brasil. Nós não temos o hábito de cuidar de saneamento básico. Não temos o hábito de fazer o tratamento do esgoto", afirmou Lula durante o ato de assinatura dos decretos.

O presidente ainda afirmou que a nova política coloca credibilidade na relação entre os entes federados.

"Essa é uma política de colocar muita credibilidade na relação entre os entes federados, na relação entre o governo federal, entre os governadores e o prefeito, entre o governo e os empresários. E fazer um voto de confiança também nas empresas públicas que prestam serviço à população brasileira."

O petista também disse no final da cerimônia que bancos, como BB, Caixa, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e BNB (Banco do Nordeste), terão "muita vontade de emprestar [dinheiro]".

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que a assinatura dos decretos é uma prova de que o pacto federativo está "sendo restabelecido" no país e que o setor privado participou "intensamente" das negociações do marco.

Presente à cerimônia, o governador Renato Casagrande (PSB-Espírito Santo) elogiou a retirada do teto de 25% dos contratos no setor de saneamento para PPPs.

"Isso é bom para as empresas públicas, mas é bom também para o setor privado. Para nós, que estamos no governo, termos essa possibilidade de ampliar esse investimento", disse.

O secretário de Saneamento do Ministério das Cidades, Leonardo Picciani, disse que, para o governo, não há necessidade de alteração na lei do saneamento e, por isso, a regulamentação dos decretos é suficiente.

"O decreto tem um nível de consenso muito grande. Dizer que agradou a 100% é muito difícil, mas agradou bastante", afirmou Picciani.

Ele também informou que, pelas regras do decreto, haverá preferência a "modelagens que tragam menor tarifa e maior antecipação da universalização".

O presidente da Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento), Neuri Freitas, elogiou o decreto. "Ele vai no sentido de flexibilizar, ter um leque maior de possibilidade de investir no setor, sem restringir ninguém, privado ou público", avaliou.

Ele elogiou, entre outros pontos, o fim da trava de 25% na participação de PPPs. "O decreto tirou isso, o que é bom para todos e agora certamente serão feitas novas parcerias", disse.

De acordo com Freitas, as empresas estaduais tiveram pouco acesso ao governo anterior para discutir o marco do saneamento, o que não foi o caso com a revisão do marco anunciada hoje.

A Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) também elogiou as alterações feitas pelo decreto.

"O nosso setor foi prestigiado no sentido de ter mais tempo para buscar recurso, caso contrário os municípios estariam travados para fazer investimento", disse o presidente da entidade, Rodopiano Evangelista, em referência às mudanças nas regras para comprovar capacidade técnica e financeira.

Outro ponto elogiado por ele foi a extensão do prazo para que empresas municipais que não se regionalizar possam buscar financiamento federal para investir. "Atendeu a todas as nossas expectativas", avaliou.


Principais pontos dos decretos:

  • Retira o limite de 25% dos contratos para PPPs
  • Prazo para a regionalização prorrogado para o fim de 2025
  • Deixa brecha para companhias estaduais prestarem serviços sem licitação
  • Concessões priorizam menor valor de tarifa e cronograma de universalização do serviço mais rápido
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