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Entenda o arcabouço fiscal e veja a íntegra do texto-base aprovado na Câmara

Objetivo da proposta é equilibrar as contas públicas e evitar que dívida pública cresça de forma prejudicial ao país

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São Paulo

Em março, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou uma proposta de arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos. O objetivo é equilibrar as contas públicas e evitar que dívida pública cresça de forma prejudicial ao país.

O texto sofreu alterações pelo relator do projeto na Câmara dos Deputados, Cláudio Cajado (PP-BA), em resposta a críticas. Após negociações, o deputado fechou um acordo com lideranças políticas e apresentou a versão final de seu parecer na noite desta terça-feira (23).

O texto-base da proposta foi aprovado pelo plenário da Casa por 372 votos a 108. Nesta quarta, os deputados vão terminar de votar os destaques. A versão final do texto segue para o Senado.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco - Gabriela Biló/Folhapress

Veja a íntegra do parecer apresentado pelo relator nesta terça:

O que é e para que serve um arcabouço fiscal?

O arcabouço é o conjunto de regras de controle para as contas públicas. A proposta do governo busca substituir o atual teto de gastos, criado no governo de Michel Temer (MDB).

A proposta fixa regras, parâmetros e mecanismos para equilibrar as contas públicas, de forma que o governo não gaste mais do que suas receitas e acabe aumentando a dívida pública de forma descontrolada. Ter regras dá previsibilidade e segurança aos credores, permitindo que os juros cobrados caiam.

O arcabouço é necessário porque investidores e credores levam em conta a trajetória da dívida pública de um país para tomarem decisões. Se o tamanho dessa dívida se mostra crescente em relação ao PIB e não há sinais de que a alta possa ser controlada, credores podem ver risco maior de calote e passar a cobrar mais caro para emprestar dinheiro.

Com juros mais altos, financiamentos ficam menos atrativos, o crédito para o setor privado encarece, investidores ficam menos motivados a colocar dinheiro em empresas e projetos no país. A moeda também tende a se desvalorizar, o que aumenta o risco de inflação extra. Este cenário prejudica o crescimento econômico e, consequentemente, a oferta de trabalho.

Por que o governo está substituindo o teto?

O governo avalia que o teto de gastos limitou a capacidade do Estado de promover políticas públicas. Apesar disso, reconhece que não é possível ficar sem uma regra de controle para as despesas.

Em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%). Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nos gastos. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

Mas, se o país entrar em crise, a regra não vai impedir medidas para reavivar a economia?

Por isso, o governo incluiu algumas travas para impedir que a despesa acompanhe o ritmo das receitas quando estas tiverem alta expressiva, ou ainda que seja preciso cortar gastos porque a arrecadação caiu de forma significativa.

Isso porque, pela forma como foi desenhada, a proposta tem caráter pró-cíclico, ou seja, permite aumento de gastos quando há ampliação da receita e do crescimento, ao mesmo tempo em que impõe moderação em fases de baixa. Evitar isso era um dos princípios defendidos por economistas do próprio PT.

A nova regra prejudica os gastos com saúde e educação?

O percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (receita corrente líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos no caso da educação.

Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.

O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem haviam sido inicialmente colocados na lista de exceções ao arcabouço, mas o relator alterou isso em seu parecer, incluindo-os entre aqueles limitados pelas regras.

Não há risco de reduzir ainda mais os investimentos?

A proposta prevê um piso de investimentos próximo a R$ 75 bilhões, a ser corrigido pela inflação. Esses gastos deverão seguir um limite mínimo, obtido a partir do patamar de investimentos programado para 2023 —entre R$ 70 bilhões e R$ 75 bilhões, já considerando o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

É esse valor que servirá de referência mínima e será corrigido pela inflação. Na apresentação da nova regra, o governo indicou que os investimentos podem sair de 2,2% do PIB em 2022 para 4,2% do PIB em 2030, graças à regra do piso de gastos para essa área.

É possível aumentar a arrecadação?

Haddad afirmou que vai apresentar um pacote de medidas para elevar a arrecadação federal entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões por ano.

Isso, segundo o ministro, vai viabilizar o alcance dos resultados das contas públicas anunciados pela equipe econômica.

Ele afirmou que a ideia é rever benefícios tributários e passar a cobrar impostos de setores e empresas que, por falta de regras, hoje não pagam, como as apostas eletrônicas.

Por que os investidores se importam tanto com a agenda fiscal?

Se um governo não apresenta um plano fiscal para conter a dívida pública, a tendência é que os credores cobrem mais caro para emprestar dinheiro.

Com juros mais caros, financiamentos ficam menos atrativos, o crédito para o setor privado encarece, o que pode se tornar um empecilho para o crescimento econômico.

Sem perspectiva de crescimento, investidores ficam menos motivados a colocar dinheiro em empresas e projetos no país.

O que a agenda fiscal tem a ver com a perspectiva de um país?

Se um país é visto como irresponsável fiscalmente, os juros tendem a aumentar. A moeda também tende a se desvalorizar, o que aumenta o risco de inflação extra. Este cenário prejudica o crescimento econômico e, consequentemente, a oferta de trabalho.


Quais são as principais regras do arcabouço fiscal?

REGRA 1. Despesas terão crescimento limitado

O arcabouço estabelece que as despesas precisam crescer num ritmo menor que a arrecadação. A porcentagem proposta é de 70%. Por exemplo, se arrecadação crescer 1% em termos reais (ou seja, já descontada a inflação), as despesas federais só podem crescer 0,7% (também em termos reais).

Para fazer a conta de quanto poderá gastar no ano seguinte, o governo usará as receitas primárias líquidas nos 12 meses até junho do ano anterior (exceto receitas extraordinárias, especificamente concessões, dividendos, royalties e transferências constitucionais a estados e municípios).

REGRA 2. Crescimento das despesas terá teto e piso

O crescimento real (descontada a inflação) das despesas, de acordo com a proposta do governo, não poderá ser menor que 0,6% nem maior que 2,5%.

Por exemplo, se as receitas subirem 4%, ao aplicar a regra 1 o aumento permitido para as despesas seria de 2,8% (70% de 4%), mas a regra 2 barra essa elevação pelo teto de 2,5%. Isso impõe um limite às despesas em tempos de bonança e aumenta a possibilidade de reduzir a dívida pública, já que sobram mais recursos.

Por outro lado, também num exemplo, se as receitas não subirem nada nos 12 meses de referência, a regra 1 deixa de valer e será permitido um crescimento dos gastos de 0,6%. Isso permite que as despesas não sejam estranguladas em anos de crise.

Nesses casos, o contingenciamento precisará ser proporcional entre as despesas para evitar que recaia inteiramente sobre os investimentos.

REGRA 3. Se economia não for suficiente, aperto nas despesas será maior

O governo estabelece como compromisso a busca por zerar o déficit fiscal atual (as contas ficam no vermelho quando gastos superam receitas) e gerar superávits (sobra de receitas, já que elas superam os gastos) crescentes nos anos seguintes.

Esse compromisso propõe uma margem (banda) para cima e para baixo no resultado anual das contas públicas. Por exemplo, para 2025, o governo se compromete a obter um superávit de 0,5% do PIB, variando de 0,25% a 0,75% (as bandas são de 0,25 pontos percentuais para menos e para mais).

Se a economia obtida ficar abaixo da banda inferior, a regra 1 será mais apertada: em vez de as despesas poderem crescer 70% da alta das receitas, só podem aumentar 50%.

Em 2024, governo poderá ampliar o limite de gastos caso a arrecadação venha acima do esperado, até o mesmo limite de 2,5%.

REGRA 4. Investimentos terão piso e podem crescer se economia for maior que a prevista

A proposta cria um piso de investimentos, de cerca de R$ 79 bilhões em valores de hoje, corrigidos pela inflação de cada ano. Se a economia de recursos públicos ficar acima da banda proposta, o governo pode usar essa sobra de recursos para direcionar recursos para investimentos em obras (considerando um bônus máximo de R$ 25 bilhões).

Isso aconteceria, por exemplo, se o governo obtivesse em 2024 um superávit de 3% do PIB, enquanto seu compromisso para o próximo ano é de zerar o déficit. Como 3% está acima da banda superior, de 2,5%, ele tem licença para investir o excedente.


TRAMITAÇÃO

O que acontece após a votação na Câmara?

O texto segue para o Senado. Se não houver mudanças, o texto vai à sanção presidencial.

No entanto, se os senadores fizerem modificações no texto, o projeto retorna para a Câmara, que terá palavra final —os deputados podem acatar as mudanças dos senadores ou restituir o texto originalmente aprovado na Câmara. Nesse caso, após a nova votação o texto é remetido à sanção do presidente da República.

O que é preciso para a proposta ser aprovada no Congresso?

Projetos de lei complementar exigem maioria absoluta de votos favoráveis, isto é, mais da metade dos integrantes de cada Casa. Isso significa ao menos 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado.

Depois de aprovada pelo Congresso, o que acontece com a proposta?

O chefe do Executivo tem 15 dias úteis para sancionar o projeto integral ou com vetos parciais em alguns dispositivos, ou ainda vetá-lo totalmente. Todos os vetos passam por posterior validação do Congresso, que pode derrubá-los mediante maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).

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