Descrição de chapéu Congresso Nacional

Haddad liga para senadores e obtém vitória do governo em MP sobre tributação de multinacionais

Ministro está no Japão e entrou diretamente nas negociações; Receita prevê arrecadar até R$ 23 bi em 2024

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Brasília

Em meio às dificuldades de articulação política do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) obteve uma vitória no Senado Federal ao conseguir barrar pressões de última hora e garantir a aprovação de uma medida que pode assegurar até R$ 23 bilhões em recursos em 2024.

Os senadores validaram a MP (medida provisória) que muda as regras do chamado preço de transferência —forma de tributação das operações internacionais realizadas por empresas que integram um mesmo grupo econômico.

Haddad, que está no Japão como convidado para a reunião de ministros do G7, entrou diretamente nas negociações e, por telefone, conseguiu convencer senadores a retirarem o apoio a mudanças que causariam prejuízo à Fazenda. O texto agora vai à sanção presidencial.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) em reunião ministerial dos 100 dias de governo Lula, no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino - 10.abr.2023/Reuters

A proposta, editada no fim da gestão de Jair Bolsonaro (PL), é considerada essencial pela atual administração para fechar brechas na lei usadas por multinacionais para pagar menos impostos no Brasil.

"[A aprovação é] Fundamental! A Receita estimava perdas em cerca de R$ 70 bilhões ao ano", disse Haddad à Folha, por mensagem. Segundo ele, o Fisco espera que a recuperação desses valores seja gradual. Por isso, a arrecadação em 2024 deve ficar entre R$ 17,5 bilhões e R$ 23 bilhões.

Como a tributação sobre a renda é menor em outros países, as multinacionais declaram a venda de seus produtos para filiais no exterior a um preço próximo do custo de produção e, de lá, concluem a comercialização para o destinatário final pelo preço real.

O saldo final é uma redução do total a ser pago em impostos, e há vezes em que a empresa consegue até mesmo abater benefícios ou prejuízos acumulados.

Um dos princípios da MP é estender às operações realizadas dentro de um mesmo grupo as mesmas regras aplicadas nas transações entre empresas não relacionadas —usualmente regidas por preços de mercado. A prática segue recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O texto diz ainda que as novas regras deverão ser observadas pelas empresas a partir de 1º de janeiro de 2024, mas é opcional aderir a elas já neste ano.

Segundo interlocutores do governo e do Congresso, entidades empresariais e até representantes de estatais federais fizeram intenso lobby para tentar adiar a implementação das mudanças para 1º de janeiro de 2025.

Na avaliação do governo, essa alteração representaria um ano a mais de evasão fiscal, com prejuízo de dezenas de bilhões de reais para os cofres públicos.

Outra emenda alvo de pressão buscava favorecer o setor de petróleo, permitindo o uso de preços de referência publicados pela ANP (Agência Nacional de Petróleo) no cálculo da tributação. Como esses preços são menores do que os valores efetivos na venda, isso reduziria o imposto a ser pago (uma "exportação" do tributo que o Brasil poderia arrecadar).

Durante a madrugada no Japão, Haddad interveio para evitar que essas emendas vingassem.

Diante do risco de revés, ele ligou para senadores influentes para pedir a manutenção do texto do governo. Um deles foi Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), autor de uma das emendas que adiava a implementação das regras e que tinha chance de aprovação.

O ministro também conversou com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, na tentativa de evitar qualquer endosso à mudança que beneficiaria a companhia,

A investida bem-sucedida de Haddad foi comemorada nos corredores da Fazenda e é vista por aliados do ministro como uma demonstração de força da equipe econômica, num momento crucial de negociação do arcabouço fiscal e de medidas para reequilibrar as contas públicas.

Desde sua posse, Haddad tem se dedicado a estabelecer um canal de diálogo com a cúpula do Congresso Nacional e também com parlamentares, o que tem motivado elogios ao chefe da Fazenda —em contraste com a articulação política conduzida pelo Palácio do Planalto, que enfrenta críticas dos congressistas.

A Amcham (Câmara Americana de Comércio) celebrou a aprovação do projeto. Sem a MP, empresas dos Estados Unidos corriam o risco de sofrer dupla incidência de tributação, lá e no Brasil, uma vez que uma mudança recente naquele país permite o desconto do tributo pago no exterior apenas se a outra economia adota os mesmos princípios.

Esse seria o caso de multinacionais dos Estados Unidos que, devido a mudanças na legislação daquele país em janeiro de 2022, ao fazer essa opção poderiam voltar a contar com a dedução, no imposto a pagar pela matriz, do imposto pago pelas empresas relacionadas e cobrado no Brasil.

"A aprovação do novo sistema de preços de transferência representa um marco para a integração internacional competitiva do Brasil. A normativa brasileira passa a se alinhar com as melhores práticas internacionais, fazendo com que o País ganhe maior atratividade como destino de produção e investimentos", diz o CEO da Amcham, Abrão Neto.

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