Nos últimos anos, Estados Unidos, Europa e China têm implementado políticas comerciais e industriais de viés fortemente intervencionista. Estímulos a setores específicos, via subsídios, isenções fiscais e regras de conteúdo local, vêm se avolumando. O governo brasileiro, aparentemente, não quer "ficar para trás".
Hoje foram anunciadas medidas exatamente nessa direção. Destacam-se os estímulos fiscais ao setor automobilístico e os juros subsidiados, via BNDES, para inovação industrial. Há fortes indícios de que isso é apenas o início de um "pacote de reindustrialização".
Se as principais potências mundiais estão fazendo política industrial ativa, nós devemos fazer o mesmo, certo? Errado. A história, brasileira e internacional, nos ensina que essas políticas têm eficácia questionável e impõem um custo alto à sociedade. Além disso, o contexto brasileiro é bem diferente do contexto americano ou chinês.
Por que as grandes potências estão caminhando na direção de intervencionismo crescente? As motivações principais são de três tipos: geopolítica, climática e clientelista. Para o Brasil, não faz sentido se envolver nas atuais disputas geopolíticas. A questão climática é responsabilidade de todos, mas as medidas anunciadas, como a do setor automobilístico, caminham na direção contrária.
A outra motivação é o clientelismo, que leva ao favorecimento de grupos específicos. Isso existe em todo o mundo. No caso brasileiro, os setores beneficiados pelas recentes decisões realmente se expandirão, aumentando empregos, lucros e salários setoriais. Essa é a parte fácil. O problema é que isso ocorrerá às custas do restante da sociedade. Afinal, subsídios e renúncias fiscais não caem do céu; ao contrário, são financiados por todos que não são agraciados pelas medidas.
Há dois argumentos, mais sofisticados, que poderiam justificar o esforço para "reindustrializar" o país. Um é que que alguns setores são essenciais ao funcionamento da economia, e que a iminência de uma guerra comercial generalizada, como nos anos 1930, justificaria a autossuficiência em tais setores. O problema é que essa não é, pelo menos até agora, a situação do comércio internacional. Além disso, é muito difícil argumentar que setores como o automobilístico são essenciais para a economia.
O outro argumento é que há setores estratégicos, que geram aumento de produtividade para o restante da economia. Se os empresários não forem recompensados por esse efeito, eles investirão aquém do desejado para a sociedade. Não há dúvidas de que isso aconteça, em graus diferentes, em alguns setores. A dificuldade é identificar esses setores e, principalmente, implementar corretamente as políticas que corrijam essa ineficiência. Estudo recente mostra que mesmo governos "inteligentes" e benevolentes teriam dificuldades em gerar resultados significativos. E como formuladores de políticas usualmente não têm tais características, a experiência internacional é recheada de fracassos.
A experiência brasileira é ainda mais rica (ou pobre, para ser mais preciso). Especificamente para o setor automobilístico, um dos mais beneficiados dos últimos 70 anos, o retrospecto é no mínimo decepcionante. Em livro recente, analisamos o Inovar-Auto, o último grande programa para o setor, implementado há pouco mais de dez anos. Além de violar as regras da Organização Mundial do Comércio, não há evidências de que o programa gerou impacto perceptível na produtividade do setor. Ao mesmo tempo, gerou distorções no restante da economia.
Em suma, as medidas de reindustrialização da economia brasileira soam como um tiro no pé da sociedade brasileira. Um infeliz retorno ao passado.
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