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Petrobras: Nova política desorganiza mercado e cria risco de ingerência política, dizem especialistas

Setor de combustíveis reclama de falta de referência de preços para definir investimentos e estratégias

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Rio de Janeiro

O setor de combustíveis avalia que a nova política de preços dos combustíveis da Petrobras deixa o mercado sem parâmetro e pode ter impactos negativos tanto em importadores dos produtos quanto na produção de biocombustíveis no Brasil.

Nesta terça (16), a estatal divulgou o novo modelo que vai adotar em substituição ao PPI (preço de paridade de importação), que definia reajustes da gasolina e do diesel com base em simulações sobre o custo de importação dos produtos.

A nova política de preços da estatal deixa de considerar o custo de importação e mira a busca por clientes e o custo de oportunidade de venda dos produtos, como já vinha sinalizando o presidente da companhia, Jean Paul Prates. A expectativa é que contribua para reduzir os preços no país.

Pouco depois do anúncio do novo modelo, a Petrobras divulgou um corte nos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, confirmando informações que haviam sido vazadas pelo governo na semana passada. Os novos valores entraram em vigor nesta terça e já refletem a nova política.

O preço da gasolina nas refinarias da estatal vai cair 12,6%, ou R$ 0,40 por litro. O preço do diesel será reduzido em 12,8%, ou R$ 0,44 por litro. Já o preço do gás de cozinha cairá 21,3%, ou R$ 8,97 por botijão de 13 quilos.

Sede da Petrobras, no Rio de Janeiro - Mauro Pimentel/AFP

O repasse para o consumidor, porém, depende de políticas comerciais de distribuidoras e postos. No caso da gasolina, parte do ganho será compensado pelo aumento do ICMS, no início de junho.

Ao comunicar o novo modelo que substitui o PPI, a Petrobras disse que não deixará de acompanhar as cotações internacionais do petróleo e seus derivados —segundo a estatal, os reajustes continuarão sem periodicidade definida, "evitando o repasse para os preços internos da volatilidade conjuntural das cotações internacionais e da taxa de câmbio".

Não foi especificada uma nova referência de valores. A estatal limitou-se a dizer que praticará preços competitivos nos mercados onde atua preservando sua rentabilidade.

Para analistas, isso amplia o risco de ingerência política na estatal, como as que levaram a prejuízos bilionários com represamento de preços durante a campanha pela reeleição de Dilma Rousseff (PT).

Os reajustes continuarão a ser definidos por um grupo formado por dois diretores e pelo presidente da estatal, com acompanhamento do conselho de administração, que é hoje mais alinhado ao governo do que em gestões anteriores.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) argumenta, desde a campanha eleitoral, que o PPI penalizava o consumidor ao cobrar custos de importação sobre produtos produzidos no Brasil e transferia aos postos volatilidades, às vezes artificiais, do mercado internacional de petróleo.

Logo após o anúncio, o petista publicou em redes sociais um vídeo da época da campanha, no qual prometeu "abrasileirar" os preços dos combustíveis. "Alguém aí na sua casa ganha em dólar? Seu salário sobe quando o dólar sobe? Então porque a Petrobras está reajustando o preço da gasolina em dólar?", questionava.

A Abicom (Associação dos Importadores de Combustíveis), defende que a falta de referências cria insegurança sobre as operações de empresas que ajudam a suprir o mercado interno e, em último caso, pode causar problemas de abastecimento.

"A falta de transparência gera insegurança para novas importações, gera também insegurança para os outros produtores de combustíveis e para os combustíveis alternativos", diz o presidente da entidade, Sergio Araújo.

Diesel importado representa um quarto da demanda brasileira. No caso da gasolina, esse percentual é de 12,5%. A Petrobras passou a ter que participar mais das importações e hoje é responsável por cerca de metade das compras dos dois produtos no exterior.

Com menor previsibilidade de preços, diz Araújo, empresas privadas terão menos segurança para trazer os produtos, já que são necessários ao menos 60 dias entre o momento da compra e a chegada da carga ao país. Ou seja, entre a compra e a venda, o preço pode mudar para valores que as companhias terão menos capacidade de prever, afirmam.

O mercado de etanol hidratado, por sua vez, é totalmente relacionado aos preços da gasolina: quando esta está muito barata, o consumidor deixa de consumir o biocombustível, que tem rendimento menor nos motores.

No primeiro governo Dilma, com os preços dos combustíveis represados, o setor de cana-de-açúcar enfrentou uma das piores crises da sua história. Com elevado endividamento para expansão em anos anteriores, viu as vendas despencarem, levando dezenas de usinas à falência.

Na época, a palavra final sobre reajustes nos preços dos combustíveis era dada pelo governo, como contou a ex-presidente da Petrobras Graça Foster em depoimento ao Ministério Público Federal.

Entre 2013 e 2014, em meio à disparada das cotações internacionais do petróleo, a direção da Petrobras tentou seguidamente aprovar aumentos, sempre ouvindo negativas do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, que comandava o conselho de administração da Petrobras.

A implantação do PPI foi uma resposta a essa crise, com a tentativa de criar uma fórmula que blindasse a Petrobras de novas pressões para segurar preços —Foster chegou a anunciar uma fórmula em 2013, mas o modelo não chegou a funcionar.

Representante de minoritários no conselho de administração à época, Mauro Cunha vê riscos de um retorno ao passado, com novas interferências em caso de alta dos preços. "O comunicado [da Petrobras] é confuso propositadamente", afirma.

Para ele, a eliminação de um parâmetro internacional de preços fere as leis do petróleo e de defesa da concorrência, que determinam que a Petrobras atue em um sistema de livre competição em condições de mercado e impedem abuso de poder econômico por agentes dominantes.

Esse último ponto é levantado por um executivo ligado a distribuidoras regionais de combustíveis: ao se permitir praticar preços diferentes por tipo de cliente, a Petrobras pode dificultar a vida de empresas de menor porte.

Essas companhias têm menor volume de vendas e acesso a crédito do que as grandes distribuidoras que dominam o mercado e, portanto, veem menos possibilidade de obter preços melhores com a estatal. Além disso, não têm capacidade para importar produtos mais caros.

Defensora de preços menos alinhados ao mercado internacional, a Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres também questiona a falta de detalhes sobre a nova política de preços.

"A transparência é fundamental para que todo o mercado (investidores, concorrentes internos, importadores, distribuidoras, postos revendedores e consumidores) compreenda o que passará a ser feito para atingir os objetivos ali apresentados e passarem a rever suas estratégias de concorrência, investimentos e compra", afirma.

Pouco após o anúncio da Petrobras, a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado aprovou um convite para Prates falar sobre o tema. A audiência pública ainda não tem data. O pedido foi feito pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), mas contou com o apoio de Rogério Carvalho (PT-SE), ex-colega de bancada de Prates no Senado.

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