Descrição de chapéu Agência Fapesp ifood

Quase 30% dos restaurantes do iFood são cozinhas fantasma, diz estudo

Pesquisadores não conseguiram levantar dados sobre condições sanitárias desses restaurantes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Julia Moióli
São Paulo | Agência Fapesp

Aproximadamente um terço dos restaurantes listados no iFood, aplicativo de entrega de comida mais utilizado pelos brasileiros, são "dark kitchens" (cozinhas exclusivas para delivery), de acordo com um estudo sobre esses estabelecimentos, que ganharam força durante a pandemia de Covid-19.

Também conhecidos como "ghost kitchens", esses restaurantes têm como característica a ausência de instalações para consumo no local. Ainda costumam localizar-se em áreas em áreas mais distantes dos centros urbanos; comercializam especialmente comida brasileira, lanches e sobremesas; são mais baratos do que restaurantes convencionais.

As conclusões foram apresentadas por pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em artigo publicado, nesta quinta-feira (18), na revista Food Research International. O estudo foi financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)

Dark kitchen, cozinha comercial utilizada exclusivamente para operações de delivery, na capital paulista - Eduado Anizelli - 2.jul.2021/Folhapress

Para identificar e caracterizar as dark kitchens no aplicativo do iFood, a coleta de dados foi realizada em duas etapas.

Na primeira, por meio de mineração de dados, foram obtidos nome, URL endereço e CNPJ (Cadastro Nacional de Empresas) de 22.520 restaurantes de três centros urbanos, Limeira, Campinas e São Paulo. Também foram coletados sua distância linear até o centro da cidade, bem como tempo estimado de entrega, avaliação dos usuários, tipo de comida oferecida, possibilidade de agendamento de entregas e rastreamento da localização do pedido.

Já segunda fase, os primeiros mil estabelecimentos localizados a partir do centro de cada cidade foram classificados como dark kitchens (727, ou seja, 27,1%), standard ou restaurantes-padrão (1.749 ou 65,2%) ou indefinidos (206 ou 7,7%). Estes últimos são aqueles que não apresentavam informações suficientes ou cujos endereços apontavam para lugares inexistentes, como terrenos.

Na capital, o número de dark kitchens é ainda mais alto, de 35,4%.

Diogo Thimoteo da Cunha, professor do curso de nutrição e pesquisador do LabMAS (Laboratório Multidisciplinar em Alimentos e Saúde) de alimentos e saúde na Unicamp, acredita que o número seja ainda maior, já que o iFood não exige posicionamento dos restaurantes nem identifica a informação para o consumidor. Por isso, em diversos casos, os pesquisadores não dados suficientes "para bater o martelo", diz ele.

Segundo Mariana Piton Hakim, também pesquisadora do LabMAS e primeira autora do trabalho, nas três cidades pesquisadas, as dark kitchens ficam mais distantes das regiões centrais, o que barateia custos de produção e leva a preços mais baixos. Já um restaurante bem localizado precisa investir em fachada e outros serviços.

Em São Paulo, os estudiosos observaram que os restaurantes convencionais apresentavam número de estrelas (as avaliações de usuários) superior, além de contarem com mais avaliações nas três cidades. Isto pode estar relacionado ao menor volume de venda das dark kitchens e ao fato de que restaurantes convencionais geralmente são mais conhecidos.

A pesquisa mostra que os tipos de comida mais servidos pelas dark kitchens. Na capital foi a culinária brasileira, em 30,3% dos casos. Já nas cidades menores, lanches e sobremesas, em 34,7% dos casos.

Os modelos de organização variam entre:

  • Independente (cozinhas alugadas por uma marca exclusivamente para uso próprio, podendo ou não ter fachada);
  • Shell ou hub (compartilhada por mais de uma cozinha/restaurante);
  • Franquia (com mais de um ponto de venda, redes sociais bem estabelecidas e podendo estar presente em diferentes cidades)
  • Cozinha virtual em um restaurante-padrão com menu diferente (instalada no mesmo endereço de um restaurante físico, mas com nome e serviço diferentes);
  • Cozinha virtual em um restaurante-padrão com menu semelhante, mas nome diferente (montada no mesmo endereço de um restaurante físico, com mesmo tipo de cardápio, mas com nome diferente);
  • Doméstica (localizadas em prédios residenciais ou casas).

Outra questão que precisa ser esclarecida são as condições higiênico-sanitárias das dark kitchens.

"Esse modelo de restaurante parecer estar às margens das legislações. Não porque seja ilegal em si, mas porque ninguém nunca se debruçou para entender direito como o funciona e como pode ser aprimorado", diz o pesquisador Diogo Cunha.

De acordo com ele, a ideia dos próximos estudos é visitar as dark kitchens e observar direto seu funcionamento, qualidades, defeitos e entender a percepção do produtor.

"Não queremos dificultar o trabalho, inclusive porque sabemos que traz recursos e é uma tendência que veio para ficar. Porém, precisamos compreender o impacto na economia e também viabilizá-lo de forma legal para que possa ser acessado adequadamente pela vigilância sanitária", afirma.

A expectativa é que as falhas sanitárias sejam constatadas nos casos de cozinhas domésticas, como presença de animais e famílias e geladeiras de uso único por exemplo. Ainda há o objetivo de driblar essas fraquezas e trazer potenciais sugestões para o setor.

Para os pesquisadores, a situação é agravada porque o consumidor não entende exatamente o conceito de dark kitchen e desconhece eventuais riscos para o alimento e para sua família.

"A percepção dos consumidores é ambígua: ao mesmo tempo em que acreditam que uma refeição pedida pelo iFood traga uma certa chancela de proteção, não consideram que o aplicativo tenha responsabilidade pela segurança do alimento", diz Mariana Hakim.

Procurado, o iFood não respondeu até a publicação deste texto.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.