Transição energética impulsiona mineração no Pará e ameaça hegemonia de Minas

Mineradoras expandem operações no estado do Norte, mas não no ritmo desejado por governos federal e municipais

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A imagem mostra uma vista panorâmica de uma mina de minério, com grandes pilhas de material em tons de laranja e marrom. Ao fundo, há uma colina verde e um céu claro. Estruturas industriais, como correias transportadoras e equipamentos, estão visíveis na área de mineração.

Complexo minerário S11D, da Vale, em Canaã dos Carajás (PA), um dos mais modernos do mundo na extração de minério de ferro - Felipe Borges / Folhapress

Carajás (PA) e Quadrilátero Ferrífero (MG)

Nenhuma mina em operação no mundo abriga minério de ferro mais puro do que aquelas do sudeste do Pará, sobretudo das cidades de Canaã dos Carajás e Parauapebas, onde a Vale opera seus dois principais complexos minerários. É de lá, segundo especialistas, que virá boa parte do minério responsável por descarbonizar a indústria mundial do aço, uma das mais difíceis de se livrar das emissões de combustíveis fósseis.

Não à toa, a Vale, dona de 73% do mercado de minério de ferro brasileiro, tem concentrado seus investimentos, outrora direcionados a Minas Gerais, na região. A empresa é a única das grandes mineradoras a extrair ferro no Pará, já que a Rio Tinto, segunda maior do mundo, tem participações da MRN, que extrai bauxita.

Primeira do mundo, a BHP Billiton comprou em 2023 uma empresa detentora de minas de ouro e cobre, metal importante para transição energética, também em Carajás. É um movimento importante da empresa, que até então operava no Brasil só por meio da Samarco em Minas Gerais.

A produção da Vale no Pará já supera a de Minas Gerais desde 2018, quando o estado também foi para a liderança como o principal exportador de minério de ferro, carro-chefe do setor no país.

E não há sinais de reversão. Segundo o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), os investimentos serão muito semelhantes nos dois estados até 2028, mas o Pará deverá liderar nos anos seguintes, afirma quem acompanha o mercado.

Dos nove principais investimentos destacados pela Vale a seus investidores no relatório anual de 2023, só dois estão em Minas, sendo um de produção de energia solar. Os investimentos em Minas representam 16% dos listados, enquanto os no Pará somam quase 50%, considerando também os projetos de extração de cobre e níquel.

O segundo maior investimento da mineradora nos próximos anos está no Pará (o primeiro é uma mina de níquel no Canadá). A empresa está em processo de expansão do complexo minerário S11D, em Canaã dos Carajás, um dos mais modernos do mundo, em operação desde 2016.

A mineradora também quer expandir seu complexo em Parauapebas, em funcionamento desde a década de 1980. Chamado de Serra Norte, ele tem hoje capacidade de extrair até 173 milhões de toneladas de minério de ferro por ano e pode chegar a 190 milhões nos próximos anos.

No Pará, o minério de ferro extraído pela Vale tem teor próximo de 66%, considerado de altíssima qualidade. O extraído em Itabira (MG), onde a Vale começou suas atividades na década de 1950, tem teor de 48% –o mais puro extraído pela mineradora em Minas Gerais tem 56%. Já o extraído pela Anglo American, a segunda maior do país, tem teor de 41% em MG.

Os números acima direcionam os investimentos. Hoje, segundo especialistas, a forma mais trivial de produzir aço com a menor emissão possível de combustíveis fósseis, a redução direta, exige teor superior a 65%.

"Para o processo de produção de aço via redução direta, seja ele com hidrogênio ou gás natural, é necessário um minério de altíssima qualidade, porque nesse processo não há derretimento e, portanto, com um minério de baixa qualidade, separar as impurezas fica muito difícil e se torna muito custoso", diz Stefania Relva, diretora de energia e transformação industrial do Instituto E+.

Os dois produtos da Vale, por exemplo, voltados para a descarbonização da siderurgia seguem essa lógica. Tanto o briquete, material à base de minério de ferro que antecede a fabricação de aço, quanto as pelotas voltadas para a produção de aço via redução direta exigem um minério de ferro deste teor. O primeiro, ainda em fase inicial de produção, é a maior aposta da empresa, e o segundo, uma das principais fontes de receita da mineradora.

Em tese, seria possível alcançar esse teor com o minério de Minas Gerais a partir do processo de concentração, que utiliza grandes volumes de água –daí surge o rejeito depositado em barragens como as que romperam em Brumadinho e Mariana. Mas quanto menor é o teor do minério de ferro, mais caro se torna o processo, o que pode inviabilizar as operações da empresa.

No Pará, como o teor do minério já atinge os padrões de mercado, após a extração, a Vale apenas brita e peneira a maior parte para deixá-lo no tamanho necessário para a comercialização ou fabricação de outros produtos, como os briquetes. Com as tecnologias empregadas nos complexos da região, não há necessidade, portanto, de gastar em escala com produtos químicos nem utilizar muita água.

Essas diferenças fazem com que a viabilidade econômica no Pará seja superior à de Minas Gerais. Hoje, segundo fontes desse mercado, o custo de produção de minério de ferro no sudeste paraense é de R$ 80 por tonelada, enquanto em Minas é de cerca de R$ 160. A Vale não divulga os valores por estado.

"O Pará teve um ganho excepcional em cima de Minas Gerais, porque ele adentrou ao mercado já com novas tecnologias inseridas", diz Carlos Alberto Pereira, advogado e consultor técnico especialista em mineração.

Como alternativa, a Vale mistura os minérios do Pará e de Minas Gerais para chegar a um teor de 62%, porcentagem padrão do mercado. Isso é possível porque as siderurgias ainda têm desafios tecnológicos e financeiros para descarbonizar suas operações, o que as inviabiliza de comprar em escala minério com teor superior a 65%. Até por isso, 40% das vendas da Vale vêm da mistura entre os minérios dos dois estados —a maior parte vai para a China.

"A gente também vende o minério de Carajás puro, mas em menor quantidade, porque aí a gente consegue vender a um prêmio alto. Se inundarmos o mercado com o minério puro de Carajás, o prêmio dele tende a cair e os clientes vão comprá-lo para misturar e corrigir o minério pobre dos nossos concorrentes", diz Vagner Loyola, diretor da cadeia integrada de minério de ferro da Vale.

Mas isso pode mudar, apontam especialistas. "O nosso principal comprador é a China e ela está cada vez mais preocupada com a descarbonização e com a meta de atingir o seu pico de emissão em 2030; então a tendência é que o mercado chinês procure cada vez mais minério de elevada qualidade", diz Yasmin Riveli, consultora de mineração e siderurgia da Tendências Consultoria.

Apesar de minério menos puro, infraestrutura de Minas é vantagem

É difícil cravar quando o Pará vai ultrapassar de vez Minas como o principal estado minerador do país, ainda que essa data não esteja longe. Hoje, os mineiros ainda lideram a produção de substâncias minerais no país, inclusive no ferro.

"O teor de pureza do minério é muito central, mas há outros cálculos que precisam ser feitos. Na Amazônia, projetos com teor baixo de minério não são viáveis economicamente, porque ainda não tem a infraestrutura de transporte e beneficiamento instalada; você tem que criar praticamente do nada as coisas por lá", diz Tádzio Coelho, professor do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de Viçosa.

Mas não falta minério de alta qualidade no Pará –inclusive os importantes para a transição energética. Só na área onde ela extrai o minério em Canaã, a Vale estima uma reserva de 10 bilhões de minério de ferro de altíssimo teor. Além disso, a região de Carajás tem grandes jazidas de ouro, níquel, manganês, cobre e bauxita.

A classe política do Pará cobra que a Vale acelere seus processos de expansão, já que a empresa tem direito minerário sobre quase toda a região de Carajás, o que impede a entrada maciça de concorrentes —a norueguesa Hydro extrai bauxita em uma região próxima. Situação diferente da de Minas Gerais, onde Anglo American e CSN operam duas das maiores minas de minério de ferro do país.

A cobrança ganhou coro recentemente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Segundo levantamento de uma empresa que presta consultoria para o município de Parauapebas, há hoje 6.755 processos registrados na ANM (Agência Nacional de Mineração) para extrair minério na região de Carajás. Mas só 32 estão em operação.

Como é improvável que a Vale invista em jazidas pequenas na região, políticos do estado tentam aprovar um projeto de lei no Senado que autoriza garimpeiros a extraírem minério em área onde outra empresa tenha direito minerário, desde que autorizado pela mineradora. O projeto, que pode antecipar essa mudança de hegemonia no setor, está na Comissão de Meio Ambiente da Casa e aguarda relatório do senador Beto Faro (PT-PA). Mas mineradoras não sinalizaram apoio à medida e o Ibram se manifestou contrário.

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