Mercado de funerais se reinventa com cerimônias personalizadas

Empresas organizam velórios humanizados e grupos de apoio a familiares, mas preço ainda é alto

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Mulher de blusa rosa e calça vermelha apoiada em porta de vidro
Gisela Adissi, 44, diretora-executiva do Grupo Primaveras, em São Paulo; à direita, espaço no crematório da empresa, em Guarulhos (SP) - Zanone Fraissat/Folhapress
São Paulo

O setor de cemitérios e crematórios privados movimenta cerca de R$ 7 bilhões por ano no Brasil e deve crescer 8% em 2019, de acordo com dados do Sincep (Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil).

Para se diferenciar nesse mercado, empresas começam a oferecer velórios que classificam de “humanizados”, por apoiar os familiares e contribuir no processo de luto.

Além de resolver toda a burocracia relacionada à morte, essas funerárias montam cerimônias mais personalizadas. 

“Esse sofrimento da hora de organizar o funeral, de ter de ir atrás de papéis, de nada dar certo, machuca muito a pessoa, porque além da dor da saudade você tem uma irritação, um mal-estar”, afirma Maria Elena Pereira Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto, da PUC-SP. 

Diretora-executiva do Grupo Primaveras, que tem dois cemitérios e um crematório em Guarulhos (SP), Gisela Adissi, 44, conta que a ficha de que os velórios precisavam dar mais apoio aos clientes caiu quando perdeu o primo, em 2009, e ela esteve do outro lado do balcão.

Começou a pensar, então, em modos de melhorar o atendimento em termos de acolhimento na sua empresa. Passou a oferecer, por exemplo, grupos de apoio a enlutados e a ajudar na emissão de documentos referentes ao óbito.

A empresária buscou também modificar a a experiência de familiares e amigos do morto no funeral, proporcionando um espaço que ela considera “mais acolhedor”, com salas de descanso e agrados para os cinco sentidos.

Para a visão, a empresa reformou as salas de velório, pintando as paredes com cores claras, tentando fugir do cenário lúgubre. Para o tato, elege móveis mais confortáveis e, para o paladar, comidas que dão sensação de conforto, como sopa, bolo e pão.

“Estudamos os alimentos que seriam mais palatáveis para quem tem um ‘nó na garganta’”, diz Gisela.

Além disso, ela colocou aromatizadores com essência de alecrim, para fugir do “cheiro de velório”, e passou a tocar música relaxante, que pode ser escolhida pela família. 

Esses serviços têm um preço: Gisela diz ter investido cerca de R$ 4,5 milhões na reformulação, incluindo infraestrutura e capacitação e treinamento de funcionários. O grupo, que tem 218 funcionários, não revela faturamento. 

A empresa oferece planos funerários com mensalidades. Por a partir de R$ 60 ao mês, a pessoa têm à disposição quando houver um óbito na família, caixão, traslado e preparação do corpo, velório e cremação ou sepultamento. 

“Velórios humanizados podem ter influência positiva para os familiares e amigos. Não tira a dor da perda, mas pode trazer conforto e acolhimento”, diz Maria Julia Kovács, professora livre-docente do Instituto de Psicologia da USP. O problema, diz, é que o preço desse atendimento não é acessível a todos.

Outra empresa que aposta em velório humanizado é a Colina dos Ipês, com cemitério e funerária em Suzano (SP). “Nossa ideia era ter só um cemitério particular, mas vimos o quão desgastadas as pessoas chegavam lá porque os serviços da cidade eram insuficientes”, diz João Paulo Magalhães, sócio da empresa.

A companhia afirma ter investido mais de R$ 100 mil para oferecer um tratamento melhor às pessoas, inclusive pagando faculdade de serviço social e cursos a alguns de seus funcionários.

“Nunca vai ser um momento feliz, mas a intenção é que passem pelo luto sem um atendimento angustiante no velório”, afirma Magalhães.

O Colina dos Ipês também oferece grupos de apoio para enlutados, além de um cerimonialista, que conversa com a família para montar um funeral personalizado.

É possível ter acesso ao serviço pagando uma mensalidade de R$ 55 (que cobre até dez pessoas) ou contratá-lo pontualmente, em caso de morte. No segundo caso, o pacote sai por cerca de R$ 6.000.

A companhia, que tem 70 funcionários, faturou R$ 10 milhões em 2018 e espera crescer 17% neste ano.

Para empresários do ramo, falta no Brasil uma discussão mais completa sobre  morte, o que complica a venda de seus planos. “Muita gente simplesmente nem quer tocar no assunto”, afirma Magalhães, do Colina dos Ipês.

“É o tabu moderno, como já foi o sexo no passado. É difícil você sentar com os seus pais e perguntar ‘o que você quer quando morrer?’”, diz Gisela, do Grupo Primaveras. Segundo ela, há cerca de 90 decisões a se tomar na organização de um funeral. Se a pessoa estiver prevenida, o número cai para 50.

Para Maria Helena, da PUC, o tabu já foi maior. “Hoje é menor, porque se fala mais sobre o tema, inclusive com as crianças. Temos que tratar a morte como que ela realmente é: uma coisa da vida.”

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