Ateliês exportam lingerie especial para o corpo de mulheres transexuais

Comércio de calcinhas que escondem o pênis cresce com ajuda de redes sociais

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Débora Yuri
São Paulo

Há 29 anos desenhando coleções de moda íntima para transexuais, a estilista autodidata Cris Cabana, 51, festeja o crescimento do mercado. Por mês, ela vende cerca de 350 unidades do carro-chefe de sua marca, a calcinha para "aquendar" —esconder o pênis. E a demanda do exterior nunca foi tão alta.

Nascida Iolanda Cristiane Pereira Cruz, em Fortaleza, ela credita a escalada às mídias sociais. A cantora Pabllo Vittar, com 8,8 milhões de seguidores no Instagram, é cliente e sua maior garota-propaganda atual, diz.

Em maio, modelos da Cabana marcaram presença na DragCon de Los Angeles, convenção organizada pela drag queen mais poderosa do mundo: Ru Paul. As peças ganharam as redes e estarão também no braço nova-iorquino do evento, em setembro.

"Ando doida com tanta procura. Somos só eu e minha mãe, a gente não tem vontade empresarial de correr atrás do ‘pink money’ [dinheiro gasto pela comunidade LGBT]", diz Cris. "Não paramos mais nem para fazer faxina." Sua mãe é a costureira cearense Terezinha Pereira Cruz, 77, que criou as três filhas em São Paulo.

No início dos anos 1990, alugou uma quitinete na rua Paim, hoje parte do revigorado Baixo Augusta. Ganhava merreca nas butiques próximas e vivia com medo de despejo até que um vizinho bateu à porta.

O homem precisava fazer a barra da calça. Virou cliente. Gostava de travestis e passou a levar namoradas trans ao "ateliê de Dona Tereza".

"Elas não tinham quem costurasse suas roupas. Fizemos amizade com várias", lembra Cris. "Teve um dia que atendemos 17 mulheres trans juntas naquela quitinete de 27 m²."

Nascia ali a marca Tereza Cabana, nome que criaria em 1995, quando a dupla ouviu relatos sobre a briga entre uma cliente e uma rival vestida de Dolce & Gabbana na Itália. Mãe e filha nem sabiam "quem era Dolce e quem era Gabbana", mas adoraram a sonoridade e inventaram um trocadilho: cabana.

A grife também faz roupas de banho e vestidos. O faturamento gira em torno de R$ 7.000 mensais, segundo as donas, que têm freguesia na Europa, nos EUA, na Ásia e na Austrália. Da produção, 80% vai para o exterior: Espanha, Itália e França são os mercados mais quentes.

As vendas ao segmento trans permitiram que elas comprassem três imóveis. Mas a concorrência aumentou. A internet abriu portas.

Criadora da marca Dani Bell, a catarinense Daniela Beltrami, 43, desenvolve coleções para o público T desde 2014. Por 20 anos, ela confeccionou lingerie feminina. O negócio deu uma guinada quando uma trans e um molde de calcinha deram as caras no ateliê que montou em Florianópolis.

"Fiz a encomenda pedida, e a menina começou a falar de mim para todas as amigas. Elas sentem gratidão pelo meu serviço e são fiéis", diz a estilista, que chega a fabricar, por dia, 80 calcinhas, todas em lycra praia, tecido mais resistente. Em média, seu lucro mensal é de R$ 5.000.

Hoje, Dani Bell tem revendedoras no Facebook e no Instagram e envia peças às regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Lingeries sob medida também saem muito.

Da zona leste de São Paulo, Silvana Truccs é outra grife-sensação. Sua idealizadora, a técnica em hemoterapia Silvana da Silva, 43, fazia plantões em hospitais da cidade quando descobriu que muitas trans precisavam de cirurgia nos rins porque usavam fita adesiva para aquendar a genitália e seguravam a urina por longos períodos.

"O simples ato de usar o banheiro é sofrido para elas. Aí peguei um tecido, cortei como um coador de café e, para jogar [o genital] para trás, pensei no fecho de um sutiã. Foi sucesso!", diz Silvana, que cobra de R$ 50 a R$ 80 por peça.

Em fevereiro estreou seu ecommerce, após participar do reality show de empreendedorismo Shark Tank Brasil. Ajudada pelo programa, elevou em 20% as vendas com a loja virtual. "No primeiro mês, fiz R$ 1.000 com as calcinhas. Creio que seja pela praticidade da internet e porque passei a aceitar cartões de crédito."
As clientes vão até ela, a maioria, via mídias sociais.

Caso da dançarina Dhanny Sanntos, 32, que mora em Salvador. Encontrou o canal da Truccs no YouTube, pesquisando "como as trans podem ir à praia de biquíni". Após contatar Silvana pelo Instagram, comprou vários modelos.

"Quando vesti, não acreditei, liguei para ela. ‘Mulher, você faz milagre!’", conta, dando detalhes da peça: quase 100% em renda, exceto pelo forro.

Só falta o calor baiano voltar para a dançarina resgatar esse prazer que deixou de lado por anos: ir à praia.

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