Cinco empresários contam como arranjaram dinheiro para seus negócios

Para impulsionar seus projetos, empreendedores buscaram alternativas às instituições financeiras tradicionais

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Denise Meira do Amaral
São Paulo

Fundos de investimento, ajuda de amigos e a entrada de sócios foram algumas das soluções adotadas por quatro pequenos empresários brasileiros, de áreas distintas, para conseguir começar seus negócios.

Abaixo, eles contam os motivos que os levaram a optar por cada modalidade e como a pandemia de Covid-19 está afetando os investimentos que foram realizados.

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‘Além de dinheiro, investidor-anjo entra com conhecimento para desenvolver o negócio’

Pamela Martins, 29, sócia da Frexco Alimentos

Eu e os meus dois sócios começamos a empresa no início de 2019. Percebemos que havia, em média, quatro intermediários entre os produtores rurais e os restaurantes. Nossa ideia, então, foi conectar as duas pontas.

No nosso modelo, o produtor só colhe o que já foi vendido, evitando o desperdício. Temos uma rede com cerca de 15 famílias de agricultores no interior de São Paulo.

Os estabelecimentos compram pelo site, e a gente faz a entrega. Atendemos em torno de 500 restaurantes e também pessoas físicas.

Começamos sem nada. Com o lucro das primeiras vendas, fizemos novas compras. Não pegamos dinheiro com banco em nenhum momento.

A gente conseguiu de 70% a 80% do montante da empresa via investidores-anjo. Geralmente, eles são empresários ou fundadores de startups. Fomos os conhecendo por indicações de redes de contato.

Até tentamos nos apresentar a pessoas através do Linkedin, mas, em geral, chegar a elas por meio de uma indicação é o caminho mais certeiro.

Para conseguir o investimento, a gente bate um papo com o anjo e explica o projeto. Se ele se interessar, combina qual será o valor.

Recebemos aportes de cinco investidores. Eles ficam com uma pequena porcentagem do negócio, dependendo do valor aplicado, mas não tomam decisões.

Basicamente colocam o dinheiro, sem se envolverem com a parte operacional. Como querem o desenvolvimento do negócio, entram também com conhecimento e ajudam nas conexões com outras pessoas e startups.

Os outros 20% ou 30% do nosso aporte total [a empresária não quis revelar o valor] conseguimos com um family office, que é um escritório responsável por gerir o patrimônio de famílias muito ricas.

Quando veio a pandemia, os produtores perderam grande parte dos pedidos. Então, trabalhamos com organizações que ajudaram a arrecadar fundos e fizemos a entrega dos produtos deles em comunidades do Rio e de São Paulo.

Hoje retomamos e estamos ainda maiores do que antes, crescendo 100% ao mês.

‘Com a pandemia, fui atrás do banco pela primeira vez para perguntar sobre crédito’

Ivi Mesquita, 40, fundadora da Mim Produções

Sempre tive bronca com banco. Meu marido é argentino, branco, e nunca teve problema para conseguir todas as linhas de crédito. Já para mim sempre foi mais difícil, apesar de eu ser brasileira e ter a mesma conta a vida toda, com saldo até maior que o dele.

Eu preenchia todas as lacunas, mas, quando chegava face a face no banco, o empréstimo travava. Não tenho dúvidas de que isso acontecia porque sou negra e morava em Itaquera, bairro da zona leste de São Paulo.

Em 2004, decidi abrir a Mim Produções, a minha própria empresa de casting para cinema, clipe e TV, depois de eu ter trabalhado em comerciais.

Passei também a me interessar por eventos e performances depois que me formei em comunicação das artes do corpo pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).

No início, não percebia o quanto era cruel participar de castings. Por exemplo, eles chamavam 300 pessoas para concorrer a cem vagas. Mas eu não concorria com essas 300 pessoas, porque as vagas para negros eram só duas ou três.

Até hoje poucas empresas têm esse olhar para a diversidade no mercado. Por isso, sempre levo um casting com a cara do Brasil: tem negro, indígena, japonês, italiano, loiro e boliviano. Todos os perfis.

No começo, eu trabalhava de casa, mas faltava espaço para guardar os figurinos e para acomodar as minhas colaboradoras. Juntei dinheiro e coloquei R$ 35 mil no negócio.

Meu marido, Daniel Ridano, entrou de sócio, e colocou mais R$ 50 mil. Com isso, alugamos uma casa só para o escritório, na Barra Funda.

O negócio começou a crescer em 2018. Passamos também a prestar assessoria para festas e casamentos. Chegamos ao auge em fevereiro deste ano, quando fizemos um evento corporativo para mais de 4.000 funcionários.

Logo depois, começou a pandemia. Agora estou no chão, sem saber o que fazer. Pela primeira vez, liguei para o banco para ver como funciona a questão do crédito.

Estou com medo do dinheiro acabar. Minha área é a cereja do bolo. Com as pessoas sem dinheiro, é a primeira coisa a ser cortada.

‘A vantagem de buscar um sócio é que, junto com o capital, você ganha um parceiro’

Eduardo Franco, 40, sócio-fundador da Complexsys

Sou engenheiro eletricista. Trabalhei na indústria de construção civil até fazer um doutorado na Escola Politécnica (USP) na área de sistemas complexos. Comecei a pesquisar o tema, fiz outro doutorado na Itália e passei a prestar consultoria na área, no Brasil e na Europa.

Em 2015, criei a Complexsys, para oferecer a clientes soluções que integram tecnologia e serviços. Na época, tudo dependia só de mim.

Neste ano, surgiu o desejo de ter uma sociedade e ampliar o negócio. Trouxe o Andre Feldman, que era primo de um colega de faculdade e já havia sido meu sócio em uma empresa anterior.

Não cheguei a pegar dinheiro com banco. Pesquisei linhas de crédito no BNDES, mas levaria muito tempo para a análise, e eu precisava de mais agilidade.

Ter um sócio, para mim, era muito mais interessante, porque ele trabalharia comigo no dia a dia. Se eu recorresse ao banco, conseguiria apenas o capital e não ganharia um parceiro. É incomparável trazer dinheiro por meio de uma sociedade do que um simples empréstimo.

Com a entrada do André, ampliamos o leque, surgiram outras linhas de produtos e aumentamos a equipe.

Com um sócio, eu ganho um cúmplice, no sentido de dividir as decisões, medos, anseios e conquistas.

Acredito que a empresa vai ter uma valorização muito rápida. Atualmente, levamos uma série de novas soluções de proteção contra a Covid ao estado do Corinthians. Por exemplo, todos os assentos dos jogadores e dos jornalistas foram revestidos com tecido de ação antiviral.

Também estamos implantando tecnologias de reconhecimento facial, que permitem identificar torcedores banidos em jogos anteriores. Esta pandemia mostrou a necessidade de trazer tecnologias de fora do país para cá.

Nossa principal atividade agora é integrar tecnologias e entender a demanda necessária para retornar às atividades. É preciso reinventar modelos de negócios.

Começamos a trabalhar também com um método em que nos tornamos sócios dos nossos clientes. A gente propõe um compartilhamento de receitas. Para o cliente não vira um gasto, porque depois compartilhamos o eventual lucro.

ilustra MPME
Martin Kovensky

‘Se tivesse escolhido pegar um empréstimo, estaria com uma dívida enorme agora’

Caio Martins, 29, sócio-fundador da Instaviagem

Minha formação é direito, mas sempre pensei em empreender. Eu e meus dois sócios, que são engenheiros, percebemos que muitas pessoas ainda tinham dificuldade em planejar viagens.

Criamos em 2017 a Instaviagem, plataforma de roteiros personalizados. Somos uma agência, mas com cara de aplicativo.

Até estruturar tudo, foi muito difícil. A gente queria buscar os investidores certos, para trazer não só dinheiro mas conhecimento. Nunca pegamos dinheiro com banco.

Nos dois primeiros anos, captamos com pessoas próximas. Amigos e amigos de amigos decidiram apostar na gente. Arrecadamos R$ 200 mil. Cada um colocou de R$ 15 mil a R$ 20 mil e ficou com uma pequena porcentagem da empresa.

Depois captamos com o GVAngels, organização idealizada por ex-alunos da Fundação Getulio Vargas que conecta startups a investidores.

Depois de ser pré-selecionada, a startup apresenta o seu projeto a cerca de cem pessoas. Após uns dois dias, o grupo avisa se quer avançar ou não. No nosso caso, o aporte foi de R$ 400 mil.

Após seis meses, recebemos um investimento de R$ 2 milhões da Domo Invest, gestora de venture capital (capital de risco), que tem como sócio um dos fundadores do Buscapé, o Rodrigo Borges.

Eles viram sócios do negócio e ganham retorno numa eventual venda da empresa. Geralmente esses fundos ficam com uma participação minoritária, de 10% a 30%.

Depois desse aporte crescemos muito. Triplicamos de tamanho. Mas, logo em seguida veio a pandemia e tivemos que fazer readequações e planos de contingência.

Neste período, todo mundo parou de viajar. Se a gente tivesse pegado crédito com banco, estaríamos com uma dívida enorme. Como estamos com o fundo, recebemos uma série de apoios.

Nossas atividades já estão voltando aos poucos. No começo da pandemia, as vendas caíram 90%. Agora, estão em 40%. Como as pessoas estão optando por viagens que possam ir de carro, os destinos com mais saídas são Monte Verde (MG), Visconde de Mauá (RJ) e Brotas (SP). Antes da pandemia os lugares mais buscados eram Itália, Espanha e Tailândia.

‘É preciso criatividade para criar mecanismos alternativos de captação de recursos’​

Helena Crizel, 51, fundadora do Ella App

Sempre trabalhei na área comercial e meu sonho era abrir um espaço que englobasse todos os procedimentos femininos, como estética, salão, academia e vestuário, mas o custo seria inviável.

Um amigo, que hoje é meu sócio, me sugeriu criar um aplicativo, e já apresentou o nome: Ella App, tudo o que você deseja na palma da mão.

Porém, eu não tinha recursos suficientes para investir, e pedir dinheiro para banco resultaria em uma dívida enorme com juros altíssimos. Fui, então, atrás de mulheres que quisessem colaborar com o projeto, com contrato mútuo conversível, ou seja, o investidor escolhe, depois de um tempo, ter o dinheiro de volta ou virar sócio. É um modelo pouco difundido no Brasil, mas muito usado no exterior.

As primeiras investidoras foram três mulheres, cada uma colocou em torno de R$ 100 mil. Só uma mulher entende as dores de outra mulher.

No app há serviços de manicure, massagem, cabeleireiro, depilação e maquiagem, para fazer em casa ou no trabalho. Com isso, as clientes ganham praticidade e conforto, e as profissionais de beleza, remuneração diferenciada e agenda flexível. Elas ficam com 70% do valor e o app com 30%.

Também criamos um marketplace onde as especialistas podem vender produtos de beleza diretamente para os clientes, ganhando comissão.

Começamos em Porto Alegre, mas estamos entrando no mercado de São Paulo neste mês. Temos mais de 2.000 profissionais.

A equipe de marketing, desenvolvedores e comercial não recebem salários, mas uma porcentagem da empresa. Elaboramos um contrato no qual, após um ano de serviço, eles se tornam sócios da empresa, com uma porcentagem pequena e crescente.

Para ter três desenvolvedores, por exemplo, eu teria um custo fixo de pelo menos R$ 25 mil. Nesse formato, não temos custo.

Empreender é difícil, por isso é preciso criatividade para criar mecanismos alternativos de captação de recursos.​

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