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Pandemia empurra profissionais mais velhos para o empreendedorismo

Americanos que perderam o emprego recomeçam a carreira com negócio próprio

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Kerry Hannon
The New York Times

Em abril, o americano Dave Summers, 60, perdeu o emprego como diretor de produção de mídia digital, vítima da onda de demissões causada pela pandemia.

Mas ele não demorou a lançar um negócio próprio como produtor de mídia digital, coach e especialista em animação, criando podcasts, webcasts e videoblogs.

Legiões de pequenos negócios foram forçados a fechar por consequência da pandemia, mas, para Dave Summers, abrir uma empresa nova foi a melhor opção.

“Eu não tinha grandes economias e precisava continuar trabalhando para bancar minhas despesas”, ele disse.

“E isso também me ajuda a me manter saudável e feliz. Não posso simplesmente me aposentar, porque sou uma pessoa criativa e tenho de me manter ocupado, fazendo coisas e ajudando pessoas a contar suas histórias."

Homem de cabelos e barba brancos vestido com calça jeans e camisa azul em frente a um rio com árvores ao fundo
O empreendedor Dave Summers, perto de sua casa em Townsend, no estado americano de Tennessee - Shawn Poynter/The New York Times

Embora a pandemia esteja fazendo com que muitos trabalhadores mais velhos que perderam seus empregos, ou receberam ofertas de aposentadoria antecipada, decidam deixar a força de trabalho nos Estados Unidos, outros, como Summers, decidiram optar pelo empreendedorismo.

Os profissionais mais velhos já tinham começado a criar empresas em ritmo acelerado. Em 2019, pesquisas da Kauffman Foundation, uma organização que apoia o empreendedorismo, determinaram que 25% dos novos empreendedores naqueles país eram pessoas dos 55 aos 64 anos, ante 15% em 1996.

Em todas as faixas de idade, houve crescimento no número de empresas novas abertas, de maio para cá, de acordo com o serviço de recenseamento americano.

A alta provavelmente vem sendo estimulada por pessoas que perderam o emprego recentemente e optam por criar negócios próprios, seja por escolha, seja por necessidade, de acordo com o Economic Innovation Group, uma organização que pesquisa sobre políticas públicas.

“As mulheres mais velhas, especialmente”, afirma Elizabeth Isele, fundadora e presidente do Global Institute for Experienced Entrepreneurship. “Elas têm alta motivação para criar negócios próprios e se tornarem independentes economicamente, sustentando suas famílias e gerando empregos para outras pessoas em suas comunidades."

Perder o emprego durante a pandemia foi um baque para Summers. Ele passou um ou dois dias deprimido, conta, mas já vinha tocando projetos paralelos e tinha um site pessoal que rapidamente transformou em site de seu novo negócio.

O custo de abertura de sua empresa foi de menos de US$ 2 mil (R$ 11.464). Os maiores desafios, ele diz, foram “encontrar tempo para manter meu conhecimento técnico atualizado e determinar corretamente que preço cobrar pelos meus serviços”. A maior recompensa? “É uma liberdade que eu não poderia ter imaginado."

Para muitos aposentados, ou pessoas que estão se aproximando da idade de aposentadoria, “começar um negócio novo readaptando para uma nova carreira as capacitações e a experiência que adquiriram durante décadas é empolgante”, diz Nancy Ancowitz, coach de carreiras radicada em Nova York.

“As pessoas percebem, especialmente em um momento como a crise do coronavírus, que o tempo que lhes resta não é ilimitado”, afirma.

“A pessoa sente que o tempo está passando. E, se não existe um panorama de emprego aberto à sua frente, a pessoa pode se sentir motivada a enfim se readaptar e aprender uma nova profissão, ou simplesmente a tentar alguma coisa diferente."

Para alguns dos clientes de Ancowitz que já estão bem mais próximos do final de suas carreiras, uma oferta de aposentadoria antecipada vinda de um empregador pode representar “o capital básico para alimentar o projeto que elas já sonhavam lançar”, ela diz.

Pessoas que vivem situações como a descrita veem ofertas desse tipo como “um presente que as ajuda a recomeçar, em lugar de terem de procurar emprego, com toda a solidão e medo de rejeição que isso causa, especialmente se a pessoa não procura emprego há muito tempo”.

Dois anos atrás, Vanessa Tennyson, 62, se aposentou de seu emprego como executiva de recursos humanos em uma grande consultoria de engenharia em Minneapolis para a qual ela trabalhou por 32 anos.

Para reencontrar o equilíbrio, Tennyson se matriculou como “fellow” na Iniciativa Avançada de Carreiras da Universidade de Minnesota. Foi o empurrão de que ela precisava para abrir um negócio de coaching executivo.

Antes de começar, no entanto, ela voltou à escola a fim de obter certificação como coach organizacional e executiva no Teachers College da Universidade Columbia. Também fez um curso de pós-graduação usando a plataforma de excelência nos negócios da Escola de Administração de Empresas da mesma universidade. Ela se certificou de que suas credenciais cumprissem os padrões exigidos pela International Coaching Federation, organização normativa de sua nova profissão.

“Eu não queria ser uma aposentada”, afirma Tennyson. “Ser um aposentado significa que sua vida acabou. Quando deixei meu emprego, não foi exatamente por iniciativa própria. A administração da empresa mudou e tive de sair mais rápido do que planejava."

Mas, aos 59 anos, diz Tennyson, ela desejava alguma coisa nova. “Eu queria algo com mais propósito, mais significado e mais desafiador." O dinheiro também influenciou sua decisão.

“Eu tinha economizado algum dinheiro, mas também gastei algum dinheiro”, diz ela, que percebeu que tinha de continuar a gerar renda.

Os custos iniciais de seu novo negócio foram de US$ 50 mil (R$ 286.595) , em educação e para o estabelecimento de um home office do qual ela pudesse trabalhar virtualmente como coach.

“O resultado positivo da pandemia é que posso trabalhar com pessoas em qualquer lugar", afirma.

Mas o coronavírus também teve efeitos negativos sobre seu negócio, e em junho ela aceitou o posto de diretora de recursos humanos em um centro de terapia para dependentes químicos. “Continuo mantendo meu negócio paralelo e a trabalhar como coach para clientes. Acho que no ano que vem já terei me recuperado."

A importância do empreendedorismo ou do trabalho autônomo como forma de emprego cresce significativamente com a idade, de acordo com um relatório de Cal Halvorsen e Jacquelyn James, do Centro do Envelhecimento e Trabalho do Boston College.

De acordo com o relatório, “enquanto na faixa dos 50 anos cerca de 1 em cada 6 trabalhadores é autônomo, na faixa dos 60 anos a proporção sobe para 1 em cada 3, e na faixa dos 80 anos para 1 em cada 2”.

Joe Casey, coach de executivos, aconselha seus clientes mais velhos a manterem o foco. “Quanto mais cedo eles tiverem clareza sobre seus motivos, mais fácil será tomar decisões."

Mulher de cabelo curto apoiada em uma larga coluna
Rati Thanawala, que criou uma organização que ajuda a qualificar mulheres não brancas, em Cambridge, no estado americano de Massachusetts - Kayana Szymczak for The New York Times

Para Rati Thanawala, 68, foi a passagem como “fellow” pela Advanced Leadership Initiative da Universidade Harvard, em 2018, um curso que ajuda profissionais a aplicarem suas capacitações a problemas sociais, que a levou a criar uma organização sem fins lucrativos, a Leadership Academy for Women of Color in Tech, na metade deste ano.

“Em Harvard, pesquisei sobre os motivos para que as carreiras de tantas mulheres e minorias emperrem no setor de tecnologia”, diz Thanawala, que trabalhou por 39 anos no ramo, os últimos 17 como vice-presidente do Bell Labs.

Depois de se aposentar, três anos atrás, Thanawala vendeu sua casa e seu carro e se mudou para Cambridge, Massachusetts, para o programa de Harvard. “Meu marido tinha morrido, nossos dois filhos eram adultos”,afirma. “Eu queria me livrar do velho e abrir espaço para novos relacionamentos e novas pessoas que possam me ensinar."

Para Thanawala, a questão central do próximo capítulo de sua vida estava clara: ela queria ter impacto sobre o setor em que passou sua carreira mergulhada. “Eu tinha um grande conhecimento sobre a área de tecnologia e testemunhei em primeira mão que não existiam muitas mulheres não brancas em posições de liderança."

Seu programa piloto, que ela criou ainda em Harvard, foi bancado por uma dotação de US$ 20 mil (R$ 14.638) oferecida pela Pivotal Ventures, uma incubadora e companhia de investimento criada por Melinda Gates.

E, na metade deste ano, Thanawala formou uma parceria com professores da Universidade de Massachusetts e da Escola Kennedy de Administração Pública, de Harvard, para criar um programa virtual de liderança, gratuito e com 120 horas de duração, ensinado via Zoom a 54 alunos, mulheres e membros de minorias.

Thanawala afirma que sua esperança era expandir o programa e torná-lo disponível para todas mulheres não brancas que optem por cursos universitários de tecnologia nos Estados Unidos.

Ao desenvolver seu projeto, o dinheiro não foi um grande obstáculo. “Eu não precisava de uma startup que me rendesse milhões de dólares”, diz. “E não precisava de dinheiro para me sustentar. Meu foco era mudar a cultura da tecnologia e a mentalidade com relação às mulheres não brancas”.

O empreendedorismo social foi uma aventura solitária, em muitos aspectos, ela afirma. “Tive de fazer tudo sozinha. Não foi como no Bell Labs, onde eu tinha muita gente ao meu redor com quem trocar ideias. Foi mais difícil do que eu previa."

O mantra de Thanawala: “Neste estágio da vida, é realmente importante manter o foco e não me dispersar demais. Escolhi algo transformador, que muda o jogo e inova. Não preciso disso para o meu ego. Não preciso provar minha credibilidade. Mas será o melhor capítulo de minha vida em termos do impacto que terei no planeta. As pessoas me recordarão por isso”.

Tradução de Paulo Migliacci

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