Brechós migram para o online e se livram do estigma de loja com cheiro de naftalina

Pandemia, crise econômica e consumo consciente dão impulso ao segmento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Andrea Vialli
São Paulo

Assim como boa parte dos negócios virtuais, a pandemia ajudou a impulsionar os brechós online. A crise econômica também deu mais força ao mercado de vestuário de segunda mão.

O setor já vinha em expansão desde o começo da década. Segundo o Sebrae, o comércio de roupas, calçados e acessórios usados cresceu 210% entre 2010 e 2015.

Nos últimos anos, brechós que começaram pequenos na internet se tornaram grandes empresas. A Enjoei, que nasceu em 2009, fez sua primeira oferta de ações na Bolsa de Valores em novembro, levantando R$ 1,1 bilhão. No mesmo mês, o Grupo Arezzo comprou 75% da Troc, criada em 2017.

O sucesso dos grandes brechós online, o desejo de empreender no ramo e a paralisação das atividades durante a pandemia levaram a cantora Isa Salles, 28, a criar em agosto o Salles Brechó, que vende roupas e acessórios femininos de marcas variadas, com preços que vão de R$ 20 a R$ 180.

Vocalista da banda independente Scatolove, Isa está com a agenda de shows parada desde março. Com a ajuda da mãe, Vera Salles, 58, personal stylist, ela garimpou as primeiras peças e criou um perfil no Instagram para ofertá-las.

Em seguida, desenvolveu o site do brechó, com a ajuda de tutoriais na internet, fez um projeto gráfico para as embalagens e buscou mais fornecedores. Toda semana, entram 40 novas peças.

O investimento inicial foi de R$ 3.000, valor que inclui a compra das primeiras peças e de embalagens, o serviço de hospedagem do site e o impulsionamento de posts.

“O maior investimento foi de tempo e dedicação. Hoje, o valor das vendas é reinvestido no próprio negócio”, diz Isa.

O ambiente digital é favorável para os brechós, na opinião de Valeska Nakad, coordenadora do curso de design de moda da Belas Artes. Em primeiro lugar, porque permite apresentar as peças de forma adequada, com fotos e descrições. Em segundo, porque ajuda a tirar o estigma de que os itens são velhos ou carregam a energia de outra pessoa.

“No passado, os brechós eram sinônimo de lojas entulhadas com peças antigas, muitas vezes com cheiro de naftalina. A nova geração de brechós online veio desmistificar isso, e as pessoas estão perdendo o preconceito”, diz.

Embora os brasileiros não estejam habituados a vender suas roupas, o hábito de comprá-las de segunda mão começa a ser incorporado.

É o que mostra pesquisa publicada em dezembro pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas. Dos 1.683 entrevistados, 40,5% já adquiriram itens usados de vestuário ao menos uma vez, e 32,6% fazem isso com frequência.

Como em qualquer negócio, quem quer empreender no ramo deve mapear seu público-alvo. Um bom caminho é começar atendendo a um nicho de consumo específico.

Especializada em marcas de luxo, a Inffino começou há dez anos como um brechó no Instagram. Em 2017, empresa se estruturou de forma mais profissional. Montou um ecommerce e investiu em tecnologia para garantir a autenticidade dos itens à venda, fundamental nesse mercado.

As peças passam pela autenticação de software de inteligência artificial que tira fotografias microscópicas. Elas são analisadas por 40 milhões de algoritmos, que as comparam a um banco de dados de mercadorias autênticas.

O brechó também utiliza o olho humano na seleção dos produtos, que vêm de mil fornecedores diferentes. A venda é feita em consignação.

Há peças de marcas famosas, como Prada, Chanel e Gucci, com tíquete médio de R$ 2.000. Algumas chegam a custar até R$ 39 mil, caso de uma bolsa modelo Birkin, da grife francesa Hermès.

“Nos últimos anos, notamos um aumento do interesse da geração millennial, muito antenada às compras online, às redes sociais e mais propensa a consumir itens de segunda mão e a desapegar”, diz Cassio Silbermann, sócio-fundador.

O brechó tem investido em parcerias com influenciadoras de moda conhecidas no mercado de luxo, com bons resultados —uma peça ficou só 30 segundos no site, após aparecer no perfil de uma delas.

Delimitar o público-alvo também foi a receita do Cave Garimpo, de Belo Horizonte, que trabalha com peças originais das décadas de 1980 e 1990, selecionadas por fornecedores em Nova York, Toronto, Roma e Kiev, na Ucrânia. Os parceiros fazem buscas em bazares dessas cidades.

Fundado em 2016, o brechó chegou a ter uma loja física, mas, com a pandemia, as vendas se tornaram 100% online, por meio do Instagram.

“As vendas dispararam, nunca vendemos tanto como em 2020”, diz Ana Eisbär, 32, que trabalhava como figurinista e lançou o brechó com o marido, João Dias, 30.

Segundo ela, para um brechó online ser bem-sucedido, é fundamental ter uma relação próxima com o cliente, estar sempre disponível nas redes sociais para tirar dúvidas e construir canais para devolução em caso de desistência.

O carro-chefe do Cave Garimpo são as jaquetas, mas camisas de seda estampadas e camisetas de bandas também têm boa saída. Com o aumento das vendas, os empreendedores decidiram lançar um ecommerce, que deve entrar no ar neste mês.

Jaquetas do brechó online Cave Carimpo
Jaquetas do brechó online Cave Carimpo - Divulgação

Outro elemento que tem ajudado a impulsionar as compras em brechós online é a preocupação com sustentabilidade e consumo consciente.

O Repassa, um dos maiores brechós online do país, percebeu o aumento do interesse pelo mercado de segunda mão no último ano, sobretudo entre a geração Z (dos nascidos entre 1998 e 2010).

Em 2020, a empresa, que se define como uma startup de moda consciente, cresceu a uma taxa de 10% ao mês e alcançou 500 mil usuários, entre compradores e vendedores. Em setembro, fez uma captação R$ 7,5 milhões liderada pelo fundo de capital de risco Redpoint Ventures.

Em São Paulo, a companhia tem um galpão onde os produtos recolhidos na casa dos fornecedores são fotografados, precificados e incluídos no site. Se vendidos, o fornecedor recebe até 60% do valor —ele pode doar o que não foi comprado para ONGs parceiras. O tíquete médio é R$ 100.

Hoje, a Repassa tem parcerias com grandes marcas, como C&A e Renner, em programas de logística reversa de peças usadas. Em 2021, deve lançar mais 12 iniciativas do tipo.

Para Tadeu Almeida, sócio-fundador da empresa, quem deseja empreender com brechó deve ter em mente que, quanto menor o tíquete médio, maior será a necessidade de ter volume de peças. Desde o início das atividades, em 2015, a Repassa já comercializou mais de 300 mil itens.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.