Abre e fecha na pandemia exige do empreendedor planejamento diário

Diminuir despesas fixas e criar estruturas mais enxutas e flexíveis ajudam a driblar as incertezas

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São Paulo

Diante do cenário de incertezas em decorrência da pandemia, empresários estão sendo obrigados a rever as movimentações financeiras do negócio quase diariamente para controlar a flutuação de faturamento, folha de pagamento e estoque.

Em São Paulo, por exemplo, o governador João Doria (PSDB) tem adotado política do "aperta e solta". Na semana passada, o tucano suspendeu decreto que determinava fechamento dos serviços não essenciais em algumas cidades, incluindo a capital, nos dias úteis das 20h às 6h e nos fins de semana e feriados.

Com a mudança, restaurantes, shoppings e lojas de rua voltaram a funcionar aos sábados e domingos com horário reduzido nas regiões que estão na fases laranja e amarela do plano de flexibilização.

Itamar Cechetto, diretor do Grupo Laces, em unidade de salão de beleza e mercadinho, em SP
Itamar Cechetto, diretor do Grupo Laces, em unidade de salão de beleza e mercadinho, em SP - Karime Xavier/Folhapress

Para tomar decisões assertivas com tantas mudanças, o empreendedor precisa, em primeiro lugar, analisar a saúde financeira da empresa, afirma Luiz Henrique Barbosa, fundador da consultoria C2W Consulting.

Um sinal de alerta deve acender quando o dinheiro em caixa não é suficiente para cobrir as despesas de pelo menos três meses. "A imprevisibilidade da receita na pandemia demanda ações imediatas para proteger o caixa e evitar a ruptura na operação, que leva a empresa para um ciclo destrutivo", diz.

Para minimizar os impactos, diminuir a margem de lucro e promover descontos podem não ser simpáticos ao dono do negócio, mas são alternativas para aumentar a liquidez das vendas.

Com a possibilidade da atração de mais clientes, a tendência é que o caixa não fique totalmente desabastecido, evitando o colapso em períodos com restrições mais duras.

Neste contexto de crise, o empresário deve estar sempre preparado para o pior. Portanto, é recomendado que ele compre o estritamente necessário para o dia a dia.

O contato com fornecedores ou idas ao supermercado podem aumentar, mas o estoque enxuto evita eventuais perdas de produtos perecíveis em caso de novos endurecimentos da quarentena.

Mas, com o aumento da frequência das compras, ainda que em quantidades menores, o empresário deve ficar atento a fornecedores que podem ter problemas de entrega.

Foi o que enfrentou a rede de serviços de podologia Doctor Feet, que sofreu com o desabastecimento de máscaras e luvas, materiais usados pelos funcionários da marca.

Nesse caso, por serem insumos essenciais aos profissionais de saúde, a rede optou por investir em uma grande quantidade de produtos descartáveis, formando estoque para pelo menos três meses.

A Doctor Feet tem 85 unidades, sendo que 90% delas ficam localizadas em shoppings, cujo funcionamento vem sendo mais afetado. Em média, uma unidade da marca faturava mensalmente R$ 100 mil antes da crise, valor que caiu pela metade na pandemia.

"O planejamento de longo prazo se tornou algo surreal. Passamos a viver uma semana de cada vez, tendo em vista que o fechamento do comércio e as restrições de horários assustam o consumidor e quebram o fluxo de caixa", afirma Jonas Bechelli, fundador.

Para sobreviver, a rede teve de diminuir o quadro de funcionários. Dos 1.500 empregados, cerca de 400 foram demitidos em abril do ano passado.

Reduzir as chamadas despesas fixas (que não apresentam relação com o custo do produto) e criar estruturas mais enxutas e flexíveis são medidas recomendadas em tempos de crise e incertezas, afirma Rubens Massa, professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV (Fundação Getulio Vargas).

"Independentemente do contexto externo, o empresário precisa criar ambiente responsivo aos diferentes cenários", afirma Massa.

Nos períodos em que há medidas mais rígidas de quarentena e menor movimento, uma alternativa é adotar a escala 12 horas/36 horas, em que o funcionário trabalha em um dia e folga no outro. Assim, o empresário consegue economizar a metade do valor do vale transporte pago no mês, aliviando o caixa.

Nesse caso, ele precisa consultar a viabilidade da mudança com o sindicato ou associação da categoria e advogados para evitar eventuais processos trabalhistas.

Para ações mais rápidas, o ideal é que a empresa invista em um departamento de crise. Esse grupo formula decisões com menor apelo emocional, permitindo inclusive mudanças drásticas, afirma Barbosa, da C2W Consulting.

No Grupo Laces, que oferece tratamentos e linhas de produtos naturais, o comitê de crise, formado por 15 pessoas com cargos de liderança, foi criado no início da pandemia.

"A grande vantagem é a velocidade para se movimentar. No comitê, todos os assuntos são discutidos. Quando uma ideia é aprovada, sai um batalhão de gente para realizá-la", afirma o diretor-executivo do grupo, Itamar Cechetto.

Uma das ideias nascidas no comitê foi a transformação de salões de beleza em mercadinhos que oferecem hortifrútis, vinhos e itens de mercearia, limpeza, decoração, entre outros. A mudança, na época mais dura da pandemia, quando salões estavam fechados, ajudou na permanência dos 260 funcionários do grupo.

O dinheiro em caixa, que daria conta das despesas por cerca de três meses, foi fundamental para investimento no ecommerce e contratação de novos representantes comerciais, que ajudaram a expandir a distribuição de produtos capilares orgânicos desenvolvidos pelo grupo nas redes de varejo.

Mesmo com uma perda de receita de R$ 15 milhões, por causa do fechamento dos oito salões de beleza no início da pandemia, o grupo encerrou 2020 com o mesmo faturamento registrado em 2019.

Jonas Bechelli, fundador e presidente da rede Doctor Feet, em SP
Jonas Bechelli, fundador e presidente da rede Doctor Feet, em SP - Divulgação

Empréstimos financeiros devem ser analisados com cautela e pedidos somente para abater dívidas com juros maiores ou, se a empresa contar com uma base de clientes consolidada, investir em novas tecnologias que garantam aumento da produção, afirma José Sarkis Arakelian, professor do curso de Administração da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).

Pesquisa do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) divulgada em julho do ano passado aponta que 80% dos negócios de pequeno porte buscam crédito apenas nos cinco principais bancos do país. As empresas deixam de consultar outras instituições, como as cerca de 900 cooperativas de crédito, 30 fintechs (espécie de banco digital) e 600 empresas simples de crédito.

“Diferentemente dos grandes bancos, que cobram juros de até 13% ao ano, o Sebrae encontrou linhas de crédito com taxas de apenas 3,04% ao ano ou 0,25% ao mês”, diz trecho da pesquisa, que mapeou as principais linhas de crédito para os MEI (microempreendedores individuais), as micro e pequenas empresas no país.

“Ao recorrer a empréstimo, é recomendável que o empresário procure o Sebrae para encontrar planos que incluam orientação de crédito. Às vezes o empreendedor age por desespero e, sem planejamento, o recurso acaba se tornando mais um problema”, diz Esmeralda Queiroz da Cruz, consultora de negócios do Sebrae-SP

Já empresas com fôlego financeiro podem investir em ferramentas que ajudam na gestão e no planejamento.

“Muitos empresários pensam que a tecnologia é cara, mas não é obrigatoriamente. É possível implantar um sistema de gestão financeira, por exemplo, por R$ 250 ao mês”, afirma André Salles, diretor-técnico da Sevensete, que investe em outras empresas e auxilia nas estratégias de gestão.

Uma ferramenta de gestão financeira pode ajudar uma empresa com relatórios de fluxo de caixa, integração bancária e emissão de boletos, por exemplo. “O gestor consegue ter análise bem clara da onde vai o dinheiro e como estão as despesas e receitas, permitindo melhor planejamento”, diz Salles.

A empresa 4intelligence, por sua vez, usa recursos de inteligência artificial para construir projeções políticas e econômicas usando dados variados de diferentes instituições sobre inflação, preço de insumos, velocidade de vacinação, entre outros.

“O mapeamento mostra os diferentes cenarios e as principais variáveis que a empresa deve dar atenção. Com isso, se reduzem erros durante planejamento”, afirma Juan Jensen, fundador da startup, que cobra pelo serviço a partir de R$ 1.500 ao mês.

"A gestão migra cada vez mais para a construção no dia a dia, buscando reação em tempo real dentro de um contexto de transformação e incerteza", diz Massa, da FGV.

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