Cultura maker ensina colaboração e flexibilidade a empreendedores, diz consultora

Difusora da rede Fab Lab no Brasil, Heloisa Neves fala de prototipagem e negócios colaborativos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Impressoras 3D, cortadoras a laser, espaços compartilhados e mão na massa. Essas são algumas características do universo maker, marcado pela atitude “faça você mesmo”.

Embora não seja novo —as revistas e feiras makers existem desde o início dos anos 2000—, o movimento e suas ideias ainda estão sendo incorporados aos poucos por diferentes segmentos.
Na opinião de Heloisa Neves, uma das maiores disseminadoras da cultura maker no país, as pequenas empresas têm muito a ganhar ao aderirem ao modo maker de pensar e agir.

Um dos principais benefícios é conseguir fazer protótipos de produtos a um custo baixo e viabilizar ideias de negócio de maneira mais ágil.

Neves é arquiteta e se tornou empreendedora depois de entrar na Fab Academy, curso da Fab Lab, rede global que conecta mais de mil laboratórios em 90 países.

Além de difundir a rede Fab Lab no Brasil, fundou a consultoria WeFab, que leva a metodologia maker a empresas. Nesta entrevista, ela fala sobre a relação entre o movimento e o empreendedorismo.

Como vê essa relação?
Os perfis do maker e do empreendedor têm pontos em comum. O maker é aquele que vai atrás de caminhos que o façam chegar ao seu objetivo final, independentemente de ele ter formação ou diploma. Faz muito na tentativa e erro.
Se quer construir uma máquina ou um objeto, mesmo sem formação em engenharia ou eletrônica, ele vai atrás de aprender e executar. Assim, acaba se tornando um superconhecedor daquele tema.
Qualquer um pode ser um maker? Nesse universo, vemos muitas histórias pessoas com pais marceneiros, mães costureiras. Há uma memória afetiva com o fazer. Algumas competências são necessárias: abertura para colaboração, comunicação e humildade.

Heloisa Neves, uma das precursoras do movimento maker no Brasil e sócia da consultoria WeFab
Heloisa Neves, uma das precursoras do movimento maker no Brasil e sócia da consultoria WeFab - Haroldo Saboia/Divulgação

Como você se tornou maker e empreendedora?
Eu era coordenadora de um curso de design, mas achava a academia um ambiente muito teórico. Então, tirei um ano para me dedicar a coisas diferentes. Fiquei seis meses em um laboratório em Barcelona, em 2012, em um curso que, aparentemente, era para aprender a mexer nas máquinas.
As máquinas foram uma forma de materializar a minha vontade e chegar onde eu queria. O maker trabalha com três pilares: eletrônica, fabricação e a programação.
Quando montei minha primeira placa de circuito, percebi que, mesmo sem ter feito faculdade de engenharia elétrica, a gente pode fazer coisas desse tipo. Foi aí que entendi o pensamento maker. O empreendedorismo veio depois. Voltei ao Brasil em 2013 e participei da implementação de uma rede de Fab Labs.
Recebíamos pessoas de inovação de grandes empresas que adoravam o universo maker e queriam levá-lo para o dia a dia delas. Acabei visualizando que poderia não só ser maker, mas levar essa cultura para dentro das companhias.

Como funciona a WeFab?
Trabalhamos por meio dos sprints, que são ciclos rápidos de trabalho intenso.
Uma empresa vem com um projeto de embalagem, por exemplo. O que fazemos é colocar algumas pessoas da companhia em tempo integral no workshop, durante um período curto, com makers da equipe da WeFab, consumidores e experts.
De forma colaborativa, trabalhamos no desenvolvimento do produto. Depois de uma semana, existe um impacto nos funcionários da empresa. Então, é um processo educacional também.

Quais são as práticas que as empresas podem incorporar?
O movimento maker tem a parte visível, a das máquinas e das tecnologias, e a invisível, que é a cultura.
O que chama atenção das empresas no movimento maker é, em geral, é a parte visível. Mas os pilares culturais são muito importantes.
Um exemplo é a colaboração. As empresas colaboram pouco entre si. E, mesmo entre áreas diferentes de uma mesma companhia, isso também acontece pouco.
Agilidade é outro ponto da cultura maker. O que amarra tudo isso é a prototipagem, que é uma forma de materializar as ideias. As empresas usam muitas apresentações em slides. Ter um protótipo pode ser uma forma de mostrar uma ideia pronta.

A prototipagem pode ajudar os negócios menores?
A prototipagem serve para qualquer um, mas a palavra assusta. As empresas acham que é um processo caro, que envolve um produto quase pronto. Muitas companhias grandes fazem internamente toda idealização do produto e, depois, enviam para alguém desenvolver o protótipo.
A pequena empresa não pode fazer isso, é caro. Mas o protótipo de que falamos no universo maker é mais sujo, mais barato. E ele é assim porque não deixamos para fazê-lo no final do processo, trazemos o protótipo para o começo.
Se eu tiver uma ideia de uma embalagem e já começar a fazer testes com uma tesoura e papelão, isso já é um protótipo. As pessoas acham que isso não é sério, muitas vezes não entendem o potencial que isso tem de explicar melhor uma ideia, seja para um fornecedor, seja para um sócio.
É o que chamamos de baixa e média prototipagem. Ela é importante para todo mundo —principalmente para a pequena empresa, que não tem dinheiro para errar.
Com a pandemia, começamos a atender muitas lanchonetes e restaurantes. Tivemos pensar em caixas interessantes para entrega e isso permitiu a prototipagem.

Como tornar as pequenas empresas mais colaborativas?
Os pequenos negócios têm um risco maior com relação à confidencialidade.
Empresas maiores nem sempre precisam dessa confidencialidade porque podem chegar na frente mesmo com as ideias abertas. A pequena empresa não tem recursos para isso. Apesar de entender que tudo deveria ser aberto e colaborativo, eu consigo me colocar na situação delas e pensar em projetos semiabertos.
Colaboração sempre tem. Um Fab Lab nunca vai fazer algo de portas fechadas por uma empresa. Nem que seja só a gente e o dono da empresa, já vai ser uma colaboração. Se eu convenço ele a incluir o consumidor nesse processo, já é mais uma.

De que maneira a pandemia afetou a cultura e a prática maker?
Houve impactos negativos e positivos. Não pudemos ir mais para os laboratórios, e o grande público se afastou.
Por outro lado, os makers estão podendo conversar mais entre si. Às vezes, ficávamos muito no local e perdíamos a noção do global. Hoje, de fato não temos fronteiras.


RAIO-X

Heloisa Neves, 41
Cofundadora da consultoria WeFab, é formada em arquitetura pela Unesp e doutora em design pela FAU-USP, com período na Universidade de Sevilha, na Espanha. É coautora do livro “Fab Lab: A Vanguarda da Nova Revolução Industrial” (Associação Fab Lab Brasil, 76 págs.), que pode ser baixado gratuita-mente em PDF

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.