Modelos de negócio são transformados pela cultura maker

Baseado no conceito 'faça você mesmo', movimento cresce entre pequenas empresas que buscam renovação

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São Paulo

Como parte da criação e adaptação de projetos em menor tempo, empresários estão pondo a mão na massa e investindo em oficinas que incluem impressora 3D, cortadora a laser e fresadora, máquina capaz de cortar e moldar diferentes materiais.

Associados a softwares para modelagem, esses equipamentos criam protótipos a partir de desenhos elaborados primeiro no computador. Qualquer pessoa pode materializar um objeto de forma rápida com alto nível de precisão e custo relativamente baixo.

Esse é um dos pilares movimento maker, baseado no conceito “faça você mesmo”, que vem ganhando espaço no mundo corporativo.

“O empreendedor põe suas ideias em modelos computacionais e as máquinas as executam. Isso acelera muito qualquer processo de ideação até o primeiro protótipo”, afirma Rafael Pileggi, professor do departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP.

Com origem na década de 1960, o movimento maker, antes restrito às grandes companhias, popularizou-se entre as startups e pequenas empresas por causa da queda de preços dos equipamentos. Uma impressora 3D básica, por exemplo, hoje pode ser comprada por R$ 1.000 —há modelos sofisticados que podem custar mais de R$ 1 milhão.

A pandemia também impulsionou a adesão à cultura maker, uma vez que empresas precisaram continuar lançando produtos para se manterem atrativas, mas com menor custo de investimento.

Também aumentou o número dos chamados Fab Labs (abreviação em inglês para laboratório de fabricação) de livre acesso para o público e com estruturas compartilhadas, que podem ser usadas por empreendedores individuais ou por empresas com projetos pontuais.

O conceito de Fab Lab nasceu em 2001 no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos Estados Unidos, com a proposta de massificar o uso da fabricação digital e estimular a inovação mesmo entre os que não têm conhecimento técnico. Há centenas de laboratórios espalhados pelo mundo.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, a rede Fab Lab Livre SP, lançada pela prefeitura em 2015, atualmente tem 13 unidades, que oferecem cursos e dispõem de equipamentos para a criação de produtos.

Na cultura maker, é possível desenvolver quase tudo: de capinha para celular até casas pré-moldadas construídas com impressora 3D.

Operários acompanham construção de edifício residencial com impressora 3D na Alemanha
Operários acompanham construção de edifício residencial com impressora 3D na Alemanha -  Ina Fassbender/AFP

Na saúde, laboratórios makers instalados em hospitais podem criar próteses e tecidos humanos —até órgãos já começam a ser desenvolvidos.

Ao tirar a ideia do papel, o empreendedor consegue validar o produto de forma rápida com testes em protótipos, detectando eventuais falhas.

O projeto é testado a um custo baixo e acelera etapas de planejamento, que vão do desenvolvimento do conceito do produto à validação com o departamento de marketing.

“Se o erro aparece cedo, o gasto é menor. Às vezes descobrem-se falhas com um protótipo inicial de papelão, por exemplo, a um custo baixo”, diz Maria Alice Gonzales, designer do Iris, programa de estímulo e apoio à pesquisa científica, inovação e empreendedorismo da USP.

Nos espaços makers, a produção em larga escala é comprometida em função do tempo de materialização de uma única peça, que pode levar horas. Mas a customização dos produtos é um ponto positivo, porque responde melhor aos desejos dos clientes. E isso sem depender da indústria.

“Para pilotar a máquina que corta madeira, por exemplo, não é preciso ter três anos de experiência com marcenaria. É necessário ter um nível mínimo de treinamento, mas o processo todo é muito mais acessível”, afirma Pileggi.

Na cultura maker, é comum o compartilhamento de informações. Quem usa um Fab Lab, por exemplo, deve disponibilizar gratuitamente na internet os projetos feitos no laboratório como contrapartida. Arquivos podem ser lidos, modificados ou distribuídos por qualquer pessoa.

Plataformas como Fablabs.io e a Wikifactory funcionam como uma espécie de Wikipedia do movimento maker, em que projetos são desenvolvidos coletivamente.

Publicado o projeto nas redes, o produto pode ganhar forma em países diferentes. “A cultura maker globaliza, até certo nível, o processo de desenvolvimento de um projeto. Ao permitir compartilhamento de modelos digitais, as empresas podem repensar o processo de fabricação e minimizar o gasto com materiais”, afirma Pileggi.

Além dos protótipos, os equipamentos em um laboratório permitem a criação de peças ou engrenagens que, em determinadas situações, se danificadas, precisariam ser importadas, aumentando o tempo e custo do processo.

Dessa forma, os laboratórios makers podem atuar também como prestadores de serviço, disponibilizando técnicos e equipamentos para desenvolver demandas específicas dos clientes.

“A empresa não perde tanto tempo tentando resolver um problema como a quebra de uma peça”, afirma Rozeani Ferreira de Araújo, instrutora do Fab Lab da Casa Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).

A adesão à cultura maker também têm impulsionado o crescimento de empresas que oferecem cursos sobre metodologia criativa no ambiente corporativo.

Uma delas é a Perestroika, que se propõe a estimular o desenvolvimento de protótipos usando materiais básicos, como papel, tesoura e cola.

“Estimulamos nossos alunos a pensar a funcionalidade combinada ao design. Por exemplo, uma carteira com compartimento para cartões de crédito poderia ter uma transparência para facilitar pagamentos por aproximação”, diz Jean Rosier, sócio da Perestroika. Os alunos podem fazer protótipos em uma folha de jornal ou de revista.

No ano passado, a Perestroika teve crescimento de 85% do faturamento, diz Rosier.

Segundo Alessandra Andrade, coordenadora do hub de empreendedorismo da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), o movimento maker vem transformando os modelos de negócio. “Antes, se um produto não servia, o empresário tinha de jogar toda a produção fora. Com processos de validação, cada vez mais a experiência com o cliente começa antes da compra.”

"Se temos hoje versões viáveis para apresentar aos clientes de forma mais rápida, certamente vamos ter produtos melhores e, consequentemente, mais crescimento das empresas", afirma Michel Porcino, gerente de inovação do Sebrae-SP.

Glossário

Cultura maker
​Baseada no conceito "faça você mesmo", tem como proposta a ideia de que as pessoas devem ser capazes de construir e reparar e objetos com as próprias mãos em um ambiente de colaboração

Maker
Aquele que idealiza e desenvolve novos objetos ou melhora os já existentes com o uso de ferramentas e tecnologias

Espaço maker (makerspace, em inglês)
Local publicamente acessível com ferramentas e máquinas de uso compartilhado para projetar e criar

Fab Lab
Fazem parte de uma rede global de laboratórios e funcionam no mesmo formato em todas as unidades; em cada uma deve haver gerente, impressora 3D, cortadora a laser, cortadora de vinil e fresadora de pequeno formato e outra de grande formato

Open Source
Software de código aberto (livre acesso) que pode ser lido, modificado ou distribuído por qualquer pessoa, conforme suas necessidades. Pode ser desenvolvido coletivamente

Impressão 3D
Tecnologia de fabricação aditiva em que um modelo tridimensional é criado por sucessivas camadas de material

Prototipar
Desenvolver modelos iniciais de produtos com o objetivo de servir de teste antes da fabricação em escala industrial

Fontes: Alessandra Andrade, coordenadora do hub de empreendedorismo da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) e Jean Rosier, sócio da Perestroika, escola de metodologias criativas

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