Empreendedores criam de luminária a piano a partir de impressoras 3D

Conheça as histórias de 5 empresários ligados à cultura maker, baseada no 'faça você mesmo'

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Denise Meira do Amaral
São Paulo

Cinco empreendedores envolvidos com a cultura maker contam como tiveram suas ideias de produtos e de que forma os desenvolveram em Fab Labs (laboratórios com cortadora a laser e impressora 3D, entre outras ferramentas).

Também falam sobre a importância da perseverância e do espírito colaborativo presente nessa cultura. Confira os depoimentos abaixo.

'Os Fab Labs públicos são importantes canais para a redução de desigualdades'

Renata Barcelos, 37, fundadora do Lab Ateliê

Conheci o Fab Lab de Heliópolis desde sua inauguração, em 2016, porque ele fica no CEU, um polo cultural na comunidade, em São Paulo.

Sou formada em administração e estudei técnico têxtil no Senai. Quando comecei a frequentar o Fab Lab, pensei em criar um laboratório voltado para a moda.

Renata Barcelos no Fab Lab CEU Heliópolis, em São Paulo
Renata Barcelos no Fab Lab CEU Heliópolis, em São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

Em 2018, fundei o Lab Ateliê, com a ideia de fazer um estudo da cadeia do mercado têxtil em união com a cultura maker. Criamos parcerias com diversos coletivos que pensam a moda de forma sustentável e circular.

Havia um grupo de costureiras de Heliópolis muito bacana, e unimos o conhecimento tradicional com a tecnologia, como as máquinas 3D e de corte a laser. Produzimos protótipos de camisetas, estamparias, bolsas e até criamos roupas a partir de plástico reciclável.

Como a estrutura que a gente usa é dos Fab Labs públicos, que ficaram fechados por causa da pandemia, a produção deu uma parada. Agora, estamos em busca de financiamento para transformar o Ateliê Lab em uma marca chamada Moda Maker.

Queremos uma marca limpa, ética e que não seja pautada pelo consumo rápido. É importante se questionar sempre quem está fabricando as roupas que você compra e em quais condições.

Quando apresento a marca, muitas empresas não levam a sério. O mercado da moda é muito elitista. Como mulher, negra e empreendedora, meu dever questionar essa indústria e afirmar minha perspectiva. Não queremos ser apenas consumidores, mas também produtores.

Não é fácil empreender dentro da cultura maker. O maquinário é caro. Antes dos Fab Labs públicos, a gente não tinha acesso a nada disso.

Esses laboratórios são importantes canais de redução de desigualdade social, cultural e tecnológica. As máquinas nos potencializam.

Se você quiser empreender na cultura maker, seus sonhos são possíveis, desde que estejamos unidos e compartilhemos os conhecimentos. Ideia a periferia tem de monte. O que nos falta é oportunidade e investimento.

'Para uma ideia dar certo, é necessário aceitar que errar faz parte do processo'

Raquel Schramm, 37, cofundadora da EntregAli

Meu último estágio na faculdade de engenharia mecânica foi dentro do laboratório de prototipação e novos produtos no Senai Cimatec, em Salvador, em 2008.

Anos mais tarde, decidi empreender com um sócio, o Thiago Lopes. Percebemos que muitas pessoas trabalham o dia todo e não têm ninguém para receber encomendas em casa. E, nos prédios, muitas portarias têm se tornado remotas, sem um porteiro. Além disso, boa parte das residências não estão na área de entrega dos Correios —no Rio, chegam a 40%.

Como solução a esse problema, pensamos na instalação de lockers, armários para a retirada de encomendas.

Em 2018, fizemos os primeiros protótipos em MDF no Fab Lab de Heliópolis, em São Paulo. Montamos, fizemos a automação das caixas e a programação eletrônica. Depois, testamos em um condomínio. Foi um sucesso.

Funciona assim: o entregador deixa a mercadoria e coloca o número do apartamento. O morador é notificado e, então, apresenta um QR code e a porta se abre.

Hoje, o projeto já evoluiu. O modelo mais comercializado é de aço e fica na clausura dos condomínios.

Para 60 apartamentos, um modelo de dez portas é suficiente. O condomínio estabelece o prazo máximo de retirada —geralmente de um ou dois dias. Já temos mais de 50 módulos instalados e fizemos a guarda de mais de 33 mil caixas de encomenda.

Poder testar a nossa ideia num Fab Lab antes de ir para o mercado foi fundamental. Para dar certo, é preciso aceitar que errar faz parte do processo.

A cultura maker permite o erro até você chegar a uma ideia mais madura. É importante sempre tentar entender qual é o seu foco e o que você quer criar.

Infelizmente, o ambiente de tecnologia e logística ainda é muito masculino. Desde pequenas, não somos incentivadas. Não à toa, ganhamos brinquedos de casinha e os meninos, de cientista. A própria universidade é machista. Vi cenas de desencorajamento de meninas quando estudava. A taxa de desistência de mulheres em faculdades de engenharia é altíssima.

'Com impressoras 3D, transformei um piano que pesava 50 kg em um de 16 kg'

Tiago Valente, 46, fundador da Valente Vintage Pianos

Sou formado em arquitetura e desde pequeno sou maker. Comecei a trabalhar com isso em 2012, quando investi na luthieria, um hobby até então.

Ao restaurar os instrumentos, deparei-me com dificuldade em arrumar as peças. Então, fui atrás de impressoras 3D pra fazê-las eu mesmo.

Um cliente me pediu para transformar o piano elétrico dele em um que desse para carregar debaixo do braço. Aí, comecei a frequentar o Fab Lab Livre da Chácara do Jockey, em São Paulo. Transformei um instrumento que pesava 50 kg em um de 16 kg.

Em 2016, participei de uma feira de música na Califórnia e conheci uma dupla de investidores que me ajudaram a desenvolver a minha ideia.

No ano seguinte, passei a frequentar o laboratório do Insper. Criei o piano inteiro e, em seguida, as ferramentas para fazê-lo em série. Depois de um tempo, comprei uma impressora 3D para me ajudar no dia a dia.

Hoje, só a minha empresa e uma outra ainda fabricam o piano elétrico, porque ele foi substituído pelo piano eletrônico, mais barato e leve —no elétrico, o som ainda é físico, com a vibração de cordas, lâminas ou barras.

Como o valor do piano é alto, cerca de US$ 3.000 (em torno de R$ 16 mil), decidimos apostar no mercado americano. Já vendemos 20 unidades para os EUA. No segundo semestre, vamos fazer uma produção exclusiva para o mercado brasileiro.

A cultura maker sempre existiu. O que define o momento da nossa geração é que a conectividade permitiu que as pessoas interagissem umas com as outras e gerassem mais conhecimento.

Para quem quer empreender no mundo maker, minha dica é saber que as ferramentas dos Fab Labs não vão salvar a sua vida. Na hora em que você finalmente entende como aquilo funciona, ganha um leque enorme de possibilidades. Mas isso leva tempo. Tudo o que eu havia planejado fazer em um ano, levei quatro ou cinco.

Você precisa corrigir o material, ajustar a máquina e fazer análises antes de chegar ao produto final. Isso pode desencorajar as pessoas. No início, é um mar de informações e é preciso persistência.

'Você cria seu produto sem patente e o disponibiliza para alguém melhorá-lo'

Stefano Leggieri, 35, fundador da Leggieri Design

Estudei design de produto no Istituto Europeo di Design e meu trabalho de conclusão de curso foi o início do meu empreendimento.

Desenvolvi uma coleção de joias de madeira com resina modular. Para a produção das peças, usei a cortadora a laser, que é uma máquina que faz cortes de precisão milimétrica a partir de um desenho no computador.

Então, comecei a produzir para vender. Precisava montar um ateliê e, por indicação de uma coordenadora da faculdade, cheguei ao Garagem Fab Lab, em 2016.

Meu carro-chefe sempre foram as bolsas. Mas, com a pandemia, quem vai comprar acessório para ficar em casa? Passei a fazer luminárias, caixas de som e cabideiros.

Não consigo fazer 100% do trabalho com uma cortadora a laser, também preciso lixar e pôr a mão na massa.

Uso a fabricação digital para padronizar e acelerar a minha produção. A grande vantagem é a rapidez que se ganha com a prototipação.

Quando você está desenvolvendo algo, tem a possibilidade de, em pouco tempo, saber se aquilo vai dar certo ou não.

A cultura maker é um movimento tecnológico colaborativo. Quando comecei, estranhei essa parte. Pensava: "Como assim eu criei um projeto e vou ter que disponibilizá-lo de graça?".

Você não cria um produto e põe uma patente, você o disponibiliza para alguém utilizá-lo e melhorá-lo. Tanto que é difícil para muita gente que trabalha com cultura maker fazer dinheiro.

Esse lance de criar não é para todo mundo. A gente vendia uma luminária pronta ou um curso com o arquivo para você fabricá-la em um Fab Lab. Mas todo mundo escolhia comprá-la pronta.

Para quem é da mão na massa, uma das coisas mais importantes é ser uma pessoa curiosa e fuçar tudo.
Se quiser empreender, você precisa acreditar que vai dar certo, ter uma ideia um pouco diferente do que já existe e que tenha mercado. Não precisa ser algo superinovador.

O problema é que as máquinas ainda são caras. Mas você pode utilizar um Fab Lab público ou pagar pelo uso em laboratórios privados.

'Muita gente traz equipamentos da China, mas a gente prefere pôr a mão na massa'

André Brunello Napoli, 29, sócio-fundador da Flap Company

A ideia da empresa surgiu em uma viagem com meus irmãos, Felipe e Lucas, e com um amigo nosso de infância, o Pedro Marchi, em pleno mar, dentro de um veleiro. Tinha 21 anos na época, tranquei um semestre da faculdade de engenharia mecânica, e saímos do Guarujá até Miami, em um trajeto de 98 dias.

Como sobrava tempo, ao longo da viagem conversamos muito sobre negócios. Tínhamos o sonho de ter uma empresa ligada ao setor náutico. Voltamos de viagem, terminamos as faculdades e começamos a trabalhar no mercado corporativo tradicional.

Depois de alguns anos, resolvemos fazer nossas próprias pranchas de surfe. Por meio de vídeos do Youtube, tutoriais e conversas com amigos, produzimos nossa primeira prancha em 2015, no quintal de casa, em São Paulo. Fui o primeiro a pedir demissão do lugar em que trabalhava para tocar o negócio.

Nosso carro-chefe foi o desenvolvimento de um equipamento chamado hydrofoil, uma espécie de asa que você instala na parte de baixa da prancha. Ele tem 50 a 90 cm de envergadura, 1 m de comprimento e fica embaixo d'água.

Sua função é reduzir o arrasto, ou seja, você pode surfar mesmo em ondas menores, no caso do surfe, ou no caso do kite, velejar com pouco vento. Hoje, com o dólar alto e importação difícil, o mercado interno cresceu, o que nos beneficiou.

Da mesma forma que fizemos a prancha do zero, fabricamos o hydrofoil em todas as etapas. Para isso, usamos o Fab Lab do Insper. Nessa época, eu fazia uma pós-graduação lá e tive livre acesso ao laboratório. Eles deram todo o suporte e disponibilizaram o maquinário para fazer o projeto.

Passei três meses criando o primeiro protótipo. Claro que ele não ficou perfeito de primeira, passou por uma curva de melhoria com o tempo. Hoje, somos a marca que mais vende esse tipo de equipamento no Brasil.

Como um dos nossos componentes é feito em impressora 3D, investimos em algumas máquinas e elas fazem parte hoje da nossa linha de produção. Há passos que a gente terceiriza, como a fundição de alumínio, usinagem, mas a parte da tecnologia, que são os processos mais delicados, fazemos por conta própria.

O projeto é 100% nosso. Vejo muita gente trazendo equipamentos já prontos da China, que é uma opção, mas preferimos colocar a mão na massa e quebrar a cara.

Atualmente estamos com um novo projeto que é a prancha elétrica. Você consegue surfar sem onda, pode até ser numa lagoa. Chama Efoil. Existem três marcas consolidadas no mundo que produzem. Se tudo der certo, a gente será a quarta.

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