Empresas de games infantis crescem ao combinar diversão e educação

Na pandemia, aumenta a busca por apoio de pedagogos na criação de jogos

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São Paulo

O distanciamento social acelerou o crescimento de desenvolvedoras de games infantis mesmo em tempos de retração econômica. Com aumento de receitas, empresas do setor expandiram seus negócios para escolas e marcas que buscam resolver problemas com soluções imersivas.

Somente os jogos digitais renderam US$ 126,6 bilhões (R$ 667,1 bilhões) em todo o mundo no ano passado, uma alta de 12% em relação a 2019, segundo relatório divulgado em janeiro pela SuperData.

Empresas ganharam terreno combinando diversão a conteúdos educativos e com apelo ao desenvolvimento social. Na pandemia, cresceu a procura por pedagogos, psicólogos e educadores que ajudam na criação dos jogos infantis.

A diretora-executiva da Explot, Luiza Guerreiro
A diretora-executiva da Explot, Luiza Guerreiro - Tabris Lichfett/Dilvulgação

O aplicativo Truth and Tales, destinado a crianças de 5 a 11 anos, foi criado com base em pesquisas de médicos e neurocientistas com a proposta de divertir e, ao mesmo tempo, ajudar no desenvolvimento dos pequenos.

No jogo, as crianças tocam em objetos, sopram o celular ou imitam sons de animais para avançar nas histórias baseadas em contos milenares.

"Exploramos as chamadas teaching stories [histórias para ensinar, em português], que ajudam as crianças a ficarem mais preparadas para o inesperado, auxiliam no desenvolvimento da capacidade perceptiva e não têm moral da história, dando liberdade para que as crianças pensem por elas mesmas", diz Luiza Guerreiro, diretora-executiva da Explot, desenvolvedora do aplicativo.

O jogo foi lançado em março de 2019 e o número de usuários ativos no aplicativo disponível na Google Play e na Apple Store aumentou 45% desde fevereiro do ano passado.

Com a demanda crescente por ferramentas que visam o bem-estar, a empresa adicionou sessão de ioga ao aplicativo, em que jogadores aprendem posturas que lembram animais. Os treinos foram criados por uma professora especializada na prática para crianças, contratada especialmente para o desenvolvimento do game.

A empresa conta com uma equipe fixa de 13 funcionários, incluindo desenvolvedores, designers, roteiristas e dubladores. Mas esse número pode aumentar com a contratação de freelancers durante o desenvolvimento de projetos mais sofisticados.

O aplicativo não tem propaganda para garantir a privacidade das crianças. A receita vem das assinaturas, que custam a partir de R$ 19,90 por mês.

Além do Truth and Tales, outro projeto desenvolvido pela Explot vem sendo usado na pandemia por escolas de Santa Catarina, São Paulo e Piauí.

O Domlexia estimula crianças a identificar letras, palavras e fonemas e é usado em atividades pedagógicas no ensino a distância. Ao final da atividade, é produzido um relatório que aponta possíveis dislexias ou TDA (Transtorno do Déficit de Atenção).

"Estamos numa fase em que a tecnologia é muito presente nas nossas vidas. Então é muito importante fornecer conteúdos que estimulem a empatia, criatividade e que se preocupe com o ser humano que está jogando, não apenas com entretenimento para vender", diz Guerreiro.

Desenvolvedoras que não criam ambientes virtuais benéficos para crianças e mecanismos para que seus usuários interajam de forma segura têm menor chance de prosperar, de acordo com Carolina Caravana, vice-presidente Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos).

"Se a empresa não se preocupa com o bem-estar da criança, cedo ou tarde ela será barrada", diz Caravana, que também é sócia da desenvolvedora de jogos Aiyra. "Hoje existem órgãos de defesa que vão atrás de verificar e regular esses conteúdos".

Aplicativos infantis mais sérios, segundo ela, precisam ter ferramentas para que os pais controlem o acesso das crianças, com restrições de horários para abertura do jogo ou limite de tempo.

O fundador da Afterverse, Breno Masi
O fundador da Afterverse, Breno Masi - Jardiel Carvalho - 20.jan.2021/Folhapress

No aplicativo PK XD, da Afterverse, o chat é limitado com frases prontas, que impedem agressões e troca de ofensas entre os jogadores. O game funciona como uma rede social em que usuários criam seus avatares, constroem casas e interagem com pessoas do mundo inteiro.

Na pandemia, a receita da empresa e o número de jogadores cresceram de cinco a seis vezes, diz Breno Masi, fundador da Afterverse. Ele diz que hoje o aplicativo conta com cerca de 50 milhões de usuários ativos, principalmente na América Latina, Oriente Médio e Leste Europeu.

"O crescimento aconteceu pela forma como o game é constituído. Os jogadores interagem de forma segura, livre de bullying e em um ambiente que não é tóxico ", afirma ele.

Ojogo, indicado para crianças e jovens a partir de dez anos, pode ser acessado gratuitamente. Mas jogadores têm a opção de comprar itens exclusivos utilizados no game, entre eles casas exclusivas ou peças de vestuário.

Além do faturamento com as compras dentro do jogo, cerca de 10% da receita do aplicativo resulta de propagandas. Os anúncios são permitidos desde que obedecidos critérios do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente).

A empresa também trabalha com parceria com marcas. Uma delas consiste em um minigame em que os jogadores precisam entregar pizzas pela rede Ifood —a Afterverse faz parte do Grupo Movile, dona da empresa de delivery.

No Brasil, o setor é dominado por micro ou pequenas empresas, que representam 71% dos negócios, segundo o Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais mais recente, de 2018. Das 276 desenvolvedoras formalizadas à época, 61,7% tinham faturamento anual inferior a R$ 81 mil.

Ainda hoje desenvolver jogos é caro e arriscado para empresas iniciantes, diz Carolina Caravana, da Abragames. Por isso, é comum que essas companhias procurem outras formas de financiar seus produtos, diversificando serviços.

É o caso Webcore Games, de São Paulo, que surgiu em 1999 como empresa de conteúdo digital e começou a trabalhar com a produção de jogos cinco anos depois, em 2004. Hoje, metade do faturamento vem desse setor. A outra chega via serviços que incluem a criação de conteúdos digitais.

No setor de games, a empresa aposta na compra de marcas licenciadas para atrair as crianças. Com a Hello Kitty como protagonista, um dos aplicativo conta com jogos de memória, dos sete erros e quebra-cabeça.

Para aumentar as chances de sobrevivência nesse mercado, é necessário o investimento em um projeto internacional. Na Apple Store e Google Play, as desenvolvedoras conseguem vender suas criações facilmente em qualquer lugar do mundo.

A PlayKids, aplicativo de educação infantil presente em 187 países, foi criada em 2013 pelo grupo Movile e pensada desde o início para atuar globalmente: no primeiro dia de funcionamento já operava no Brasil e também nos Estados Unidos.

O maior desafio não é o lançamento do produto no exterior, e sim a tradução e adaptação de conteúdos para que façam sentido na cultura de outros países.

A PlayKids adapta as animações de acordo com a região. Os personagens russos Masha e o Urso, por exemplo, não aparecem para usuários dos Estados Unidos, segundo Maria Tereza França, coordenadora de produtos da empresa.

O aumento do dólar registrado nos últimos meses, no geral, contribui positivamente para o setor, considerando que muitos dos jogos faturam na moeda norte-americana.

Para empresas iniciantes, porém, essa valorização pode ser um dificultador já que a contratação de serviços fora do país também é paga em dólar.

Empresas relatam ainda uma guerra de preços por profissionais da área ligados à tecnologia, uma vez que eles são cobiçados também em mercados fora do Brasil.

Felipe Marlon, Wagner Nitsch e Vinicius Oppido, fundadores da Push Start
Felipe Marlon, Wagner Nitsch e Vinicius Oppido, fundadores da Push Start - Danilo Verpa/Folhapress


A perspectiva para o período pós-pandêmico também é positiva, diz Felipe Marlon, sócio-fundador da desenvolvedora Push Start. Ele considera que a volta dos eventos presenciais será determinante para novos negócios.

A empresa tem parceria com o Mind Institute, centro de pesquisa afiliado à Universidade da Califórnia, nos EUA, para o desenvolvimento de jogos pedagógicos usados no ensino a distância. No último ano, registrou crescimento de 25% do faturamento.

No Brasil, o carro-chefe da empresa é o aplicativo infantil Uau Animal, para crianças de até 6 anos. No jogo, os pequenos exploram e procuram bichos escondidos em diferentes biomas.

Além de conteúdos infantis, a empresa também desenvolve jogos que são usados em processos seletivos e em parceria com marcas.

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