Aumento na conta de luz atinge em cheio pequenas empresas

Crise hídrica faz com que energia fique 13% mais cara na região metropolitana de São Paulo a partir deste mês

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São Paulo

Já prejudicadas pela alta no preço de insumos e pelas restrições de funcionamento do comércio trazidas pela pandemia, as pequenas e médias empresas devem sofrer mais um golpe nos próximos meses: o aumento na conta de energia elétrica.

Diante da maior crise hídrica em 91 anos, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) anunciou em junho reajuste de 52% na tarifa da bandeira vermelha nível 2, que passou de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 kWh (quilowatt-hora). O aumento começou a valer neste mês e deve vigorar pelo menos até novembro.

Na região metropolitana de São Paulo, uma empresa que até junho pagava R$ 1.000 de conta de luz agora terá de desembolsar aproximadamente R$ 1.132, aumento de 13,2%.

Os cálculos foram feitos a pedido da Folha por Agostinho Pascalicchio, economista e professor do curso de engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Além do acréscimo na bandeira vermelha, ele considerou o aumento médio de 9,4% do reajuste tarifário anual da Enel Distribuição São Paulo, que também começou a valer em julho.

"Era tudo de que o setor não precisava", diz Cristiane Cortez, assessora técnica do conselho de sustentabilidade da FecomercioSP. "Há alta da inflação e já estamos vendo os produtos ficando mais caros. Neste momento, qualquer aumento é muito difícil de ser absorvido pelos negócios, e repassar todos esses custos para o consumidor pode virar uma bola de neve."

Segundo Mauricio Salla, especialista da indústria de energia da consultoria Crowe Macro, os pequenos negócios serão os mais impactados.

No Brasil, os consumidores de energia elétrica são divididos em dois grupos. Residências e pequenas empresas se encaixam no Grupo B (baixa tensão), que tem acesso à energia com tarifas estabelecidas pela agência reguladora.

No Grupo A (alta tensão) estão grandes empreendimentos, que podem optar pelo chamado mercado livre, em que é possível escolher o fornecedor de energia.

As negociações são feitas diretamente com as empresas geradoras e comercializadoras com valores válidos por todo o período de contrato. Dessa forma, esses consumidores ficam menos suscetíveis às bandeiras tarifárias que impactam os preços cobrados pelas concessionárias.

"Ao firmar contrato no mercado livre, o grande consumidor de energia tem uma projeção do quanto será essa despesa no longo prazo. Os pequenos empreendimentos ainda não têm essa opção", diz Salla.

Estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro mostra que o gasto da pequena indústria com energia pode representar mais de 40% dos custos de produção.

Cabeleireiros, bares ou empresas que trabalham com produtos refrigerados também têm despesas altas com energia e terão de lidar com os impactos desse aumento.

O empreendedor deve ter claro o percentual dos custos fixos e as variáveis do negócio para saber quanto pode absorver ou repassar para o consumidor final, afirma Luiz Henrique Barbosa, fundador da C2W Consulting, consultoria de performance financeira e operacional.

"Com aumento de 12% na conta de luz, uma empresa que tinha 33,3% dos gastos com energia aumentará esse percentual para 37,3%. Essa diferença de 4 pontos percentuais deverá ser acrescida no valor do produto ou do serviço para não ter perda de lucratividade", explica Barbosa.

A empresária Regina Jordão, 61, fundadora da Pello Menos, rede de franquias de depilação feminina, adotou uma série de medidas com o objetivo de reduzir o consumo de energia elétrica e não repassar os custos aos clientes.

A empresária Regina Jordão, 61, fundadora da rede  de depilação feminina Pello Menos
A empresária Regina Jordão, 61, fundadora da rede de depilação feminina Pello Menos - Divulgação

Essa despesa é expressiva no seu modelo de negócio porque os ambientes precisam ser climatizados e equipamentos de alta tensão elétrica são usados constantemente.

"Passamos a desligar a máquina de cera quente antes do final do expediente e substituímos o termostato pelo controle manual, com planilhas e medição de temperatura em termômetros", diz Jordão, que também trocou lâmpadas comuns pelas de LEDs, mais econômicas, e passou a controlar o uso do ar-condicionado.

Mesmo assim, segundo ela, desde 2019 a conta aumentou aproximadamente 10%. Hoje o consumo médio de energia elétrica em cada unidade da rede é de R$ 1.000.

Nos 12 meses acumulados até junho deste ano, a energia elétrica ficou 12,75% mais cara na média nacional, segundo o IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15), medido pelo IBGE.

Sem margem de manobra, Jordão ampliou o sistema de compra cooperada, juntando mais franqueados, na tentativa de obter descontos maiores nos produtos da rede.

O repasse dos custos para o consumidor pode ser um tiro no pé, segundo Salla, da Crowe Macro. "Basta um concorrente não repassar para que a empresa perca o cliente."

Não à toa, o aumento na conta de luz têm impulsionado o uso de energia renovável pelas pequenas empresas, segundo José Roberto Simões Moreira, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

A energia solar prevalece. Até junho, a geração própria dessa fonte no Brasil aumentou 28,9% em relação ao registrado no final de 2020, segundo a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).

A instalação de placas fotovoltaicas está nos planos de Andrew Mittendorfer, 32, sócio do bar Iscondido, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Após inaugurar o estabelecimento, em dezembro de 2020, ele levou um susto com a conta de luz, que variou de R$ 1.500 a R$ 2.000 mensais mesmo com funcionamento do bar só nos fins de semana.

O empresário Andrew Mittendorfer, 32, no bar Iscondido, em Pinheiros (SP), zona oeste de São Paulo
O empresário Andrew Mittendorfer, 32, no bar Iscondido, em Pinheiros (SP), zona oeste de São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

A solução foi contratar técnicos para mapear o consumo em tempo real e detectar os maiores gastos.

Muitos dos equipamentos elétricos, herdados de outros negócios, foram trocados por máquinas mais modernas ou a gás, o que reduziu os custos em 15%. O valor do investimento, diz Mittendorfer, foi de ao menos R$ 20 mil.

"Não tive saída a não ser repensar o consumo de luz. Brecamos outros investimentos em infraestrutura por causa do custo da energia", diz.

Já a Vida Veg investirá aproximadamente R$ 270 mil em placas de energia solar que diminuirão despesas com a conta de luz e tornarão a empresa mais sustentável.

"Esse valor será parcelado durante cinco anos. Nesse período vamos ficar no zero a zero: o valor das parcelas será o mesmo do economizado com energia. Mas esperamos que a usina tenha uma vida útil de 25 anos. Portanto, teremos outros 20 anos sem qualquer gasto", diz Anderson Ricardo, diretor-executivo e um dos fundadores da Vida Veg.

De acordo com Diogo Lisbona, professor da FGV Ceri (Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura), a crise hídrica ainda deve desencadear uma alta de preços em outros produtos, como um efeito dominó.

"Tem cultura que depende muito de irrigação. A inflação da cesta básica deve aumentar nos próximos meses dada a situação de emergência hídrica", afirma.

E o empreendedor deve se preparar para o pior. "A projeção é que reservatórios do Sudeste cheguem a novembro com 10% de sua capacidade. Nem em 2001, quando houve racionamento e a matriz era menos diversificada, chegamos a níveis tão baixos. A perspectiva até o ano que vem é de piora", diz.

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