Descrição de chapéu The New York Times

Consumidores mudam hábitos e aquecem mercado de alimentos à base de vegetais

Pequenos restaurantes aproveitam onda de produtos derivados da soja e apostam em receitas veganas

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Julie Creswell
The New York Times

No final de 2018, Jenny Goldfarb ficou com uma vontade súbita de comer um sanduíche de “corned beef” e pastrami. Para ela, que é parte de uma família judia que opera “delicatessens” em Nova York, aquele era o sanduíche clássico de sua juventude. Mas seu desejo tinha um porém: Goldfarb agora é vegana.

Por isso, ela começou a trabalhar com proteína de trigo, acrescentando beterraba para criar uma cor de “carne”, e mergulhando a mistura em diferentes misturas de salmoura e especiarias. Depois de dois meses de trabalho, ela tinha criado um substituto vegano para o sanduíche.

Pratos veganos no restaurante Chef Reina, na Califórnia (EUA)
Pratos veganos no restaurante Chef Reina, na Califórnia (EUA) - Kelsey McClellan/The New York Times

Goldfarb, que vive no vale de Sam Fernando, levou seu sanduíche a uma “deli” de Los Angeles que imediatamente fez um pedido de mais de 20 quilos do produto. Ela voltou para casa chorando de alegria.

Hoje em dia, Goldfarb cuida de pedidos de até 20 toneladas de seus equivalentes vegetais para “corned beef”, peito de peru e, mais recentemente, filé, feitos por lojas de alimentos espalhadas pelos Estados Unidos.

“Acabamos de receber um pedido da Publix”, disse Goldfarb. “Querem vender o produto em suas lojas, mas também oferecê-lo em suas ‘delis’”.

Aproveitando o sucesso da soja, aveia e de outras alternativas ao leite, e dos hambúrgueres veganos produzidos pela Beyond Meat e pela Impossible Foods, uma ampla variedade de alimentos de base vegetal está aparecendo nos cardápios dos restaurantes e nas prateleiras das lojas de comida.

E agora mais companhias –de pequenas empresas iniciantes às marcas estabelecidas– estão tentando entrar na jogada.

Há algumas semanas, a Panda Express incluiu no cardápio de alguns de seus restaurantes nos Estados Unidos um frango ao molho de laranja produzido com o Beyond Chicken, um substituto da carne de frango criado pela Beyond Meat.

A Peet’s Coffee está oferecendo um sanduíche vegano para café da manhã feito com o Just Egg, um substituto para ovos feito de feijão mungu.

A 16 Handles, uma sorveteria de Nova York, colaborou com a Oatly, fabricante de uma bebida muito popular, na criação de doces veganos com sabores como chocolate, chá, e café com leite gelado.

E a cadeia de frutos do mar Long John Silver’s testou substitutos de base vegetal para bolinhos de caranguejo e filé de peixe, em cinco de suas unidades na Califórnia e Geórgia, nos últimos meses.

Quando o Eleven Madison Park, um restaurante nova-iorquino que consta da lista de estrelados do Guia Michelin, reabriu em junho depois de mais de um ano de fechamento causado pela pandemia, a novidade foi um cardápio baseado principalmente em vegetais.

“Tudo começou com os hambúrgueres de base vegetal, mas agora opções semelhantes estão surgindo em muitas outras categorias”, disse Marie Molde, nutricionista e analista de tendências no grupo de pesquisa Datassential. “Em nossa opinião, os substitutos vegetais de carne de frango certamente vão decolar”.

Restaurantes e lojas de alimentos estão respondendo à mudança na demanda dos consumidores que estão deixando de lado o consumo de carne. As vendas de frutas frescas nas lojas de alimentos subiram em quase 11%, e as de legumes e verduras subiram em 13% de 2019 para cá, de acordo com a Nielsen IQ.

Embora apenas uma pequena porcentagem dos americanos sejam verdadeiramente veganos ou se enquadrem na categoria mais ampla dos vegetarianos –em uma pesquisa conduzida pelo instituto Gallup em 2018, 5% dos respondentes se declararam vegetarianos—, não são eles a audiência que esses novos produtos buscam.

Em lugar disso, os produtos se direcionam aos curiosos quanto a alimentos veganos, ou aos chamados “flexitários”, um segmento muito maior da população americana que está buscando reduzir a quantidade de carne que consome.

Algumas pessoas estão mudando seus hábitos por conta de preocupações quanto à crueldade com os animais, enquanto outras dizem que o meio ambiente e os benefícios de saúde associados ao consumo de mais alimentos de base vegetal são fatores importantes (mas determinar se os alimentos de base vegetal, muitos dos quais altamente industrializados, são de fato mais saudáveis é todo um outro debate.)

“Não é só para os veganos, porque eles seriam um mercado pequeno demais”, disse Mary McGovern, presidente-executiva da New Wave Foods, cujo camarão feito de algas marinhas e proteínas vegetais entrará no cardápio dos restaurantes no final deste ano.

McGovern vê uma audiência muito mais ampla entre os integrantes da geração milênio, os “flexitários” e outros interessados em experimentar novos alimentos de base vegetal. “Trabalho no ramo dos alimentos há 30 anos, e jamais vi algo parecido com a mudança tectônica que estamos presenciando agora no mercado”, ela disse.

Poucos anos atrás, os hambúrgueres de base vegetal eram novidade. Hoje em dia, o Beyond Burger e o Impossible Burger aparecem nos cardápios de 5% dos restaurantes dos Estados Unidos, e 71% dos americanos já experimentaram um hambúrguer de base vegetal ou outros alimentos alternativos à carne, disse Molde.

Nas lojas de alimentos, as vendas de alternativas ao queijo, laticínios e carne bovina vêm mostrando saudável crescimento em dois dígitos há pelo menos dois anos, de acordo com a Nielsen IQ. Produtos de amêndoa, aveia e outros não laticínios respondem por 14% da venda total de leite no país.

Os restaurantes estão aderindo com toda força à tendência. Os pedidos de alimentos de base vegetal mostravam alta de 20% em junho ante os números de 2019, nos grandes distribuidores americanos, de acordo com o NPD Group.

Mas atrair os “flexitários” e os consumidores que são veganos só ocasionalmente pode ser complicado. Eles conhecem a textura e o sabor do camarão e do peito de peru reais e, se as alternativas veganas não forem saborosas, não voltarão a experimentá-las.

Megan Schmitt, de Chicago, avançou de vegetariana para vegana quatro anos atrás, e se lembra de sua decepção com o queijo vegano à venda no supermercado.

“Tinha gosto de papelão ou de borracha”, ela disse. “Uma pessoa que não comesse queijo há anos talvez não percebesse, mas o sabor não satisfará a qualquer um cujas papilas gustativas estejam em contato mesmo que intermitente com o produto real”.

Por isso, Schmitt começou a fermentar uma variedade de preparados com base em sementes oleaginosas, e mais tarde em soja, para seus queijos artesanais Cheeze & Thank You, que incluem um fontina com trufas e alho e um havarti com funcho. Eles estarão disponíveis na maioria das lojas da cadeia de supermercados Whole Foods na região Centro-Oeste dos Estados Unidos a partir do final do ano.

“Gosto de imaginar meu queijo como uma tela em branco”, disse Schmitt. “É minha forma de arte, e quero que meu produto seja uma festa para os olhos e não só para a boca”.

Reina Montenegro se viu em situação semelhante. Por seis anos, ela tentou criar uma versão vegana do “spam” [apresuntado] que ela costumava comer quando criança. “O ‘spam’ foi a última coisa que comi antes de me tornar vegana, porque sabia que nunca poderia voltar a comê-lo”.

E então ela ouviu falar do OmniPork Luncheon, um produto de base vegetal e formato oblongo que se parece com o spam, fabricado pela OmniFoods, de Hong Kong. Montenegro conta que, por quase um ano, ela insistiu junto aos executivos da empresa que exportassem o produto aos Estados Unidos.

Por fim, em abril, seu restaurante, Chef Reina, em Brisbane Califórnia, que se especializa em culinária filipina vegana, se tormou um dos cerca de 12 restaurantes nos Estados Unidos que trabalham com produtos OmniPork.

“Nosso estoque acabou na hora”, disse Montenegro. “A única coisa diferente no OmniPork é o nível de sódio –que é mais baixo do que no ‘spam’. Mas, em termos de sabor e textura, é perfeito”.

Reina Montenegro na cozinha de seu restaurante, Chef Reina, na Califórnia (EUA)
Reina Montenegro na cozinha de seu restaurante, Chef Reina, na Califórnia (EUA) - Kelsey McClellan/The New York Times

Goldfarb, da Unreal Deli, planejava inicialmente vender seus substitutos de base vegetal para os embutidos usados nos sanduíches das “delicatessens” diretamente a restaurantes.

No começo do ano passado, ela tinha contratos para fornecer produtos a diversos restaurantes, estádios esportivos e universidades. Mas quando a pandemia chegou, ela rapidamente mudou seus planos e passou a vender também a lojas de alimentos.

Agora, Goldfarb voltou a negociar com diversas cadeias de restaurantes, ela disse.

“Os veganos e os vegetarianos vão nos apoiar de qualquer forma. Quem nós estamos trabalhando para conquistar são os ‘flexitários’”, ela disse. “Estamos tentando nos comunicar com pessoas que comeram carne a vida toda mas agora querem ter uma alternativa, duas ou três vezes por semana”.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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