Cooperativas ajudam pequeno produtor a viabilizar alimento sustentável

Juntos, associados conseguem cumprir requisitos legais e ampliar mercado

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São Paulo

Cooperativas são uma forma de agricultores familiares ampliarem o alcance de sua produção, superando gargalos como acesso a crédito, a tecnologia e aos consumidores. Mas, além disso, podem ajudar no resgate de tradições e na promoção de práticas sustentáveis.

Povos guarani e tupiniquim de Aracruz, a cerca de 60 km de Vitória (ES), já haviam praticamente perdido o contato com abelhas nativas, quando, em 2012, foi implementado ali um projeto de resgate da espécie uruçu-amarela. O programa envolveu 12 famílias e foi viabilizado por meio de uma parceria com a Suzano, empresa de celulose.

Vidrinhos de méis brasileiros em cima de colmeia com plantas ao fundo
A cooperativa Tupyguá produz méis de abelhas nativas da espécie uruçu-amarela, que, logo depois de colhido, é refrigerado para manter suas características naturais - Jeronimo Villas-Bôas/Divulgação

Com o aumento do número de colmeias, os produtores decidiram transformar o manejo em uma criação comercial, gerando renda para as famílias.

Assim surgiu em 2018 a Coopygua (Cooperativa de Agricultores Indígenas Tupiniquim e Guarani de Aracruz), conta Tiago Barros dos Santos, 33, presidente.

"Hoje, temos quase 70 famílias produzindo mel. Se cada uma fosse vender sozinha, seria mais difícil", diz.As colônias de abelhas, explica ele, estão espalhadas pelas 12 aldeias do território de 18 mil hectares em que vivem as duas etnias.

Com a meliponicultura, gerações mais jovens começaram a ter contato com o mel nativo, que para muitos só era conhecido por meio de histórias contadas pelos mais velhos, afirma Tiago. O manejo também tem efeito na biodiversidade: as abelhas ajudam polinizar a vegetação e outros cultivos.

No território, os cooperados produzem, sob a marca Tupyguá, polém, cera e três tipos de méis com ajuda do especialista Jerônimo Villas-Bôas —alguns dos produtos têm feito sucesso entre chefs como Alex Atala, do restaurante D.O.M., em São Paulo.

Em agosto, a cooperativa decidiu lançar seu ecommerce, que vendeu cerca de 232 kg de mel em dois meses (R$ 40 a embalagem de 400 g). "Agora, nosso alcance vai além de restaurantes. Falar de mel de abelhas nativas é algo exponencial, que leva em consideração biodiversidade", afirma Tiago.

Na pandemia, muitas cooperativas de agricultores ajudaram a viabilizar soluções digitais para alcançar o consumidor final, o que não é trivial para um produtor, diz Arilson Favareto, professor de análise econômica para ciência e tecnologia na UFABC (Universidade Federal do ABC).

Segundo ele, a visão de uma agricultura que trata com igual importância a conservação ambiental, a inclusão e a produtividade vem ganhando espaço. "Predominou até aqui uma visão produtivista sobre agricultores [privilegiando o rendimento] formada nos anos 1960 e 1970. Mas esse discurso não deve se sustentar com o aumento da exigência de consumidores e consequências climáticas", afirma Favareto, também pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Com uma média de remuneração 30% maior do que na agricultura convencional, muitos dos integrantes da Cooperapas (Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul de São Paulo) têm cultivos menores, segundo Lia Góis, 48, uma das fundadoras.

"Geramos produtos valorizados. Você não precisa plantar quilômetros e quilômetros, você planta 500 metros. Não usamos agrotóxicos e não fazemos queimadas", afirma.

Cenouras coloridas e diferentes tipos de couve (como kale e rendada) estão entre os itens que chamaram a atenção de chefs, entre eles Paola Carosella, do Arturito, em São Paulo, cliente da Cooperapas, que nasceu em 2011.

Muitos agricultores, diz Lia, ingressaram na cooperativa em busca de inserção no mercado e apoio para lidar com as exigências para produzir orgânicos no país, como a certificação de alimentos. Na cooperativa, há dois grupos que fazem a certificação, o que deixa o processo mais barato.

Além disso, a entidade facilita o acesso a apoio técnico, que pode vir na forma de troca entre agricultores e por meio de programas públicos.

Outra forma de atuação das cooperativas é na busca por recursos, diz André Yves Cribb, pesquisador na Embrapa Agroindústria de Alimentos ."Muitas vezes, existe crédito disponível, mas esses produtores não sabem como chegar a ele. Então, a cooperativa pode fazer esse papel."

Em 2018, a Repescar (Cooperativa dos Pescadores e Marisqueiros de Vera Cruz), na Ilha de Itaparica (BA), conseguiu, por meio de um projeto do governo estadual, um investimento de R$ 2,2 milhões, destinado à compra de embarcações e um veículo de transporte e à criação de uma unidade de depuração, usada para retirar impurezas de moluscos.

Com a estrutura atual, a entidade está apta a atender as exigências de selos de comercialização das instâncias municipal e estadual —no ano que vem, deve pleitear o certificado federal. "São legislações exigentes e, além de recurso, é preciso ter uma equipe técnica. Mas isso se traduz em acesso a clientes", afirma José Carlos Bezerra Jr., 46, assessor de mercado da cooperativa. A produção, diz ele, é feita com trabalho de conservação e manejo sustentável.

Itens como catado de aratu (R$ 65 o quilo) estão entre os produtos, que já eram vendidos a restaurantes em Salvador como o Origem, do chef Fabrício Lemos, e, com a pandemia, estão disponíveis para delivery.

"Não queremos trabalhar com quantidade. Temos um produto diferente e queremos atender locais que compartilham da nossa filosofia", diz.

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