Professores se unem e criam escola sem patrão nem diretor em SP

Instituição tem 34 membros cooperados que dividem funções como atendimento aos pais e limpeza

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Luciana Alvarez
São Paulo

Desde o início de suas atividades, em 2019, a escola Arco, no Butantã, zona oeste de São Paulo, funciona sem nenhum funcionário contratado. Todas as 34 pessoas que trabalham lá são professores cooperados, como se fossem sócios da instituição. Sócios, porém, só no poder de decisão, porque não há dividendos ou lucro.

Professores cooperados da escola Arco, que funciona sem nenhum funcionário contratado, no Butantã, zona oeste de São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

"Cada um deu uma cota-parte de R$ 100 para entrar. Se sair, recebe os R$ 100 de volta. Os bens que a cooperativa constrói não viram bens dos cooperados. Não posso vender minha parte, não há transmissão por herança. Na nossa visão, educação não é mercadoria", afirma Luis Gonzaga Braga Filho, professor de ofícios da Arco. Segundo ele, depois de bastante pesquisa, os docentes encontraram no modelo de cooperativa o sistema de organização que mais combinava como a metodologia que pretendiam desenvolver.

A estrutura de trabalho é horizontal: não há cargos de diretor ou coordenador. As decisões são tomadas coletivamente, em uma reunião semanal. As funções que vão além da sala de aula são divididas entre os docentes, desde o atendimento aos pais, passando pela cobrança de mensalidades, até a limpeza.

Embora dediquem tempos diferentes à escola, todos recebem a mesma remuneração pela hora de trabalho.

O colégio não adota livros de nenhuma editora; em geral, cada professor prepara seu material didático. "Pelo fato de a instituição ser nossa, por termos autonomia, o trabalho se torna estimulante. Nosso processo criativo é muito grande", diz Braga Filho.

Luís Gonzaga, professor da Escola Arcos - Jardiel Carvalho/Folhapress

A Arco oferece a segunda etapa do ensino fundamental (a partir do 6º ano) e o ensino médio. As mensalidades custam em torno de R$ 2.800, e 20% dos estudantes são bolsistas. "No início, a gente imaginava que conseguiria ter uma mensalidade mais baixa. Mas o que fazemos é um trabalho artesanal, com turmas pequenas", afirma o professor.

Com apenas uma turma por série, em salas de 22 ou 25 estudantes, a escola já opera em sua capacidade máxima. As poucas vagas abertas para as turmas a partir do 7º ano são decididas por sorteio. "Converso com as famílias dos interessados, apresento a escola e, se tem mais interessados que vagas, sorteamos. Não fazemos processo seletivo", diz.

Apesar do sucesso da empreitada, não há intenção de crescimento. Mas os professores incentivam iniciativas semelhantes. "A gente já conversou com outros grupos, mostrou que é possível. Educação é equipe. Conseguindo construir uma boa equipe, o restante dá para equacionar", afirma.

Se hoje, dois anos após a abertura, a escola tem lotação máxima, as primeiras famílias que aderiram ao projeto foram fundamentais para que ele se concretizasse. Mais do que aceitar matricular os filhos em uma instituição nova, alguns ajudaram a viabilizar o nascimento da Arco.

A psicóloga Cristina Toledano, mãe de Francisco, 14, participou até da procura por um imóvel. Ela fazia parte de um grupo de pais que, insatisfeitos com o colégio dos filhos, até cogitaram fundar, eles mesmos, uma escola. "Houve uma convergência entre o que a gente pensava e a proposta que eles apresentaram."

Como os professores que formariam a Arco estavam com dificuldades de encontrar um imóvel no Butantã, levantaram a hipótese de ir para outro bairro. "Isso me deixou com medo de que não desse certo. Quando rodava pelo bairro, ficava de olho nas placas. Tive sorte de achar um prédio num valor bacana", conta a psicóloga. É nesse lugar que a escola funciona.

Embora se sinta feliz de fazer parte da história da instituição, ela garante que não se sente dona do lugar.

"Uma das minhas reflexões na época foi justamente que havia uma relação promíscua entre pais e escola. As famílias ficavam se metendo em decisões, porque se sentiam clientes. Na Arco, a gente tem abertura para dialogar, mas há limites. A escola é dos professores", afirma.

Pedro Mello, 18, terminou o ensino médio na Arco. Ele já tinha passado por três colégios e diz que o modelo da escola foi o que mais lhe deu liberdade. "Em outros lugares, por mais que tivessem programas culturais, o espaço para o aluno decidir era limitado. Na Arco, os professores dão material e ajuda, mas são os alunos que fazem tudo. Isso cria senso de responsabilidade."

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