Empreendedoras negras ganham espaço, mas poucas são reconhecidas

Se o pequeno empresário não enxerga essas pessoas ocupando tais posições, não consegue se imaginar nelas, afirmam especialistas

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São Paulo

A visibilidade de empreendedores negros vem aumentando nas últimas décadas, afirmam especialistas e empresários ouvidos pela Folha, mas figuras em lugar de autoridade ainda são raras e precisam ser popularizadas.

É o caso de Luana Génot, 32, única jurada fixa do reality show de empreendedorismo "Ideias à Venda" que estreou mês passado na Netflix. O programa traz, a cada episódio, quatro competidores de um mesmo setor que apresentam seus projetos e disputam um prêmio de R$ 200 mil.

Nele, Génot, empresária que atua prestando consultoria a empresas e organizações para estruturar ações antirracistas, é responsável por testar o modelo de negócio dos participantes e dar conselhos a eles.

"Ofereço tanto a perspectiva de alguém que está fazendo a análise técnica quanto alguém que poderia dizer: ‘Eu usaria esse secador se ele secasse um cabelo crespo, uma trança’", diz. O ponto foi levantado pela jurada no episódio temático sobre o setor de beleza, o segundo do programa. "É uma visão holística do ponto de vista de quem se sente muito subestimado e subvalorizado no mercado", diz.

Luana Genót, em cena do reality show da Netflix 'Ideias à Venda', que estreou em fevereiro
Luana Génot, em cena do reality show da Netflix 'Ideias à Venda', que estreou em fevereiro - Vans Bumbeers/Divulgação

Para Márcio José de Macedo, professor e coordenador de diversidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), a visibilidade de empreendedores negros se dá como consequência de uma mudança na percepção social a respeito dessa população nas últimas décadas. Esse movimento, afirma ele, está vinculado a uma discussão em torno do racismo, da desigualdade racial e de como isso impacta o funcionamento da sociedade e a vida da população negra.

O Brasil tem 14,5 milhões de empreendedores negros, que movimentam mais de R$ 288 bilhões por ano, de acordo com a pesquisa A Potência Negra, da Feira Preta, realizada em parceria com o Instituto Locomotiva. Segundo o levantamento, de setembro de 2021, que teve 2.029 entrevistas, empreender é o principal objetivo para a população negra.

Pioneira no trabalho com esse mercado, a empresária Adriana Barbosa, 44, lançou há 20 anos a Feira Preta, que começou como evento de cultura e empreendedorismo e, no ano passado, incorporou também um marketplace e um programa de aceleração.

Adriana Barbosa, que lançou há 20 anos a Feira Preta
Adriana Barbosa, que lançou há 20 anos a Feira Preta - Marcus Steinmeyer/Divulgação

Para ela, o pequeno empresário teve papel fundamental para que lacunas de produtos e serviços que atendessem o negro fossem preenchidas. As soluções, em muitos casos, vieram para sanar problemas que eles mesmos ou suas comunidades enfrentavam.

"Se uma grande empresa hoje tem uma linha de maquiagem, precisou de uma pequena ter desenvolvido a demanda lá atrás", diz. "E, quando você não reconhece [o pequeno empreendedor], não valoriza e não entende também que ele é um proponente no mercado, que vai precisar de crédito, de maquinário e de tecnologia", acrescenta Adriana.

Para a antropóloga Izabel Accioly, que pesquisa relações raciais, exemplos de empreendedores negros em lugares de autoridade, como Génot na Netflix, ainda são raros e precisam ser popularizados.
"Se o empreendedor não vê pessoas negras nessas posições, não consegue se imaginar nelas", afirma ela.

Considerada a mulher mais disruptiva do mundo pela organização Women in Tech, Nina Silva, 39, CEO do Movimento Black Money, mantém contato com uma rede de cerca de 5.000 afroempreendedores —pouco menos da metade participa do Mercado Black Money, marketplace lançado pouco antes da pandemia e que lista hoje 7.000 produtos. Por isso, ao falar sobre temas como criptomoedas, Nina crê que pode inspirar empreendedores a desbravar e incorporar novas tecnologias.

Nina Silva, que faz avaliação de negócios em programa na rede social Clubhouse
Nina Silva, que faz avaliação de negócios em programa na rede social Clubhouse - Divulgação

O objetivo da iniciativa é fazer o dinheiro de pessoas negras circular entre empresas comandadas por negros.

Em janeiro, ela se tornou apresentadora do Pitch Brasil, programa lançado no Clubhouse, rede social baseada em áudio, em que cinco negócios de empreendedores negros e periféricos se apresentam por semana para serem avaliados por ela e outros jurados com experiência em startups, inovação e comunicação. O prêmio é de US$ 500 (cerca de R$2.500) por edição.

Independentemente do resultado, diz Nina, os participantes recebem retornos diretos sobre seus projetos, com ênfase em como levar o negócio para o digital de forma competitiva e aproveitar uma rede de relacionamento.

"Alguns estão fazendo o primeiro pitch [apresentação rápida que tem a intenção de atrair investidores] e dizem que foi bom estar em um lugar em que se sentem confiantes", afirma Nina. Segundo ela, cerca de 200 pessoas passam pela plataforma a cada nova edição do programa.

O trabalho das redes de negócios voltadas à comunidade negra ajuda a fortalecer a confiança e a autoestima desses empreendedores e a criar negócios sustentáveis, diz Camila Farani, investidora e jurada do programa de TV Shark Thank Brasil, reality show exibido pelo Sony Channel.

Mesmo assim, afirma ela, um dos desafios do empresário negro é lidar com um estereótipo de empreendedor homem, branco e formado em universidade de ponta.

"É preciso lutar muito para conquistar espaço, o que leva tempo e, muitas vezes, é doloroso", diz Camila, também presidente da G2 Capital, sócia do Banco Modal e do PicPay.

A situação se agrava no caso de mulheres negras, que precisam provar frequentemente que suas ideias e projetos são consistentes. "Um trabalho recente da Harvard Review menciona estudos que mostram que as pessoas, nas empresas, tendem a acreditar que mulheres negras são mais propensas a atitudes raivosas e beligerantes. E isso, muitas vezes, é atribuído a um traço de personalidade", diz.

A consequência desse cenário, diz ela, é que a capacidade de liderar dessas mulheres passa a ser mais questionada.

"Por isso, vale uma reflexão: quando falamos de empreendedorismo e startups, estamos falando da próxima geração de líderes e de empresas do Brasil. Então, é fundamental que o tema da diversidade e inclusão seja encarado de forma mais séria", diz.

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