Lojas tradicionais de imigrantes buscam inovar sem esquecer cliente antigo

Com filhos e netos à frente, empresas com décadas de existência buscam novidades sem perder suas características

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São Paulo

Abertos há décadas, negócios fundados por imigrantes de diferentes países buscam se modernizar sem abrir mão das tradições que os caracterizam. Para os atuais administradores, o foco é ampliar a presença digital em lojas virtuais e redes sociais.

Especializada em livros, revistas e artigos de papelaria japoneses, a Livraria Sol também divulga produtos no Instagram e vende pela internet, mas é na loja física, onde trabalham nove funcionários, que Tatiana Fujita, 40, percebe os laços com os clientes, sejam eles pertencentes ou não à comunidade nipônica.

Fundada em 1949 a partir da percepção do avô de Tatiana, Yoshiro Fujita, de que imigrantes como ele sentiam falta de ler em japonês, e localizada desde o início no mesmo ponto no bairro da Liberdade, em São Paulo, a Sol até hoje atende isseis (primeira geração de imigrantes japoneses) com seus filhos e netos.

Sob a gestão de Tatiana, que estudou administração de empresas, a livraria também está atenta a novas demandas dos clientes. Ela conta que livros didáticos para estudantes de japonês e mangás (histórias em quadrinhos japonesas) são os itens mais buscados, inclusive por brasileiros que gostam e estudam a cultura e querem aprender o idioma.

Tatiana Fujita, 40, administra a Livraria Sol, fundada pelo avô no bairro da Liberdade, na região central de São Paulo, em 1949
Tatiana Fujita, 40, administra a Livraria Sol, fundada pelo avô no bairro da Liberdade, na região central de São Paulo, em 1949 - Jardiel Carvalho/Folhapress

"A gente sempre vendeu o mangá, mas a venda tem aumentado cada vez mais, porque entrou na moda do brasileiro. Antes, era mais para japonês e descendente de japonês, mas hoje todos gostam."

Para Enio Pinto, gerente de relacionamento com o cliente do Sebrae, conhecer as novas demandas dos clientes, levar a marca para o ambiente digital e aprimorar a gestão com técnicas de administração novas e especializadas são as principais contribuições que podem ser feitas pelos sucessores em empresas tradicionais.

Por outro lado, estes também são desafios, já que as mudanças devem ser feitas de modo a conservar as tradições e a qualidade entregues pelo fundador.

A inovação pode ser buscada, diz o especialista, com parcerias com outras lojas que tenham itens complementares, para oferecer vouchers de desconto, sempre pensando em melhorar a experiência de consumo e abraçar hábitos das gerações mais jovens.

"Os millennials [nascidos entre 1981 e 1995] são muito focados na experiência. Quando vão adquirir qualquer coisa, querem o benefício do produto, mas também a experiência da aquisição em si."

Manter as características de uma empresa antiga mesmo com a modernização é também preservar os diferenciais que cultivaram os chamados advogados de marca —clientes engajados que frequentam o local e o recomendam aos outros. Se se afastam disso, as empresas correm o risco de quebrar, diz o especialista.

"O ideal é manter as tradições, agregar gestão profissionalizada e fazer a transformação digital do negócio, mas se isso compromete de alguma maneira o que era entregue, é melhor manter mais ‘jurássico’, em termos de gestão, porque aquilo viabilizou o seu sucesso até então."

As peças da alfaiataria Plas são feitas de forma artesanal, em pequenas remessas, desde que o imigrante francês Maurice Plas abriu o ateliê na rua Augusta, em São Paulo, em 1954. Hoje, os chapéus, boinas e camisas são confeccionados por Robert, 57, enquanto a administração fica a cargo de Maurice, 55, ambos filhos do fundador.

O principal canal de vendas é a internet. Em 2020, com a pandemia, a loja foi fechada, mas há um showroom (espaço físico que funciona como mostruário) na Vila Cordeiro (zona sul) para quem deseja experimentar uma peça antes de comprar. O atendimento é com hora marcada.

Segundo Maurice, o negócio manteve a clientela mesmo com o fechamento do ponto na rua Augusta. Isso, diz ele, é reflexo do trabalho que fez enquanto atuava com o pai, morto em 2015. Ainda nos anos 2000, antes das redes sociais, ele apostava no contato com os clientes via email, enviando fotos dos produtos.

"Papai era aquele comerciante bem à moda antiga. Ficava na frente da loja olhando e abordando as pessoas, então via [a web] com muita descrença no começo. Quando viu que as pessoas estavam chegando pela internet, começou a mudar de opinião e a gostar", conta Maurice.

A loja ganhou uma página simples, pela qual as pessoas consultavam endereço, telefone e pediam por email para ver os produtos, também nos anos 2000. Foi apenas em 2017 que o site foi reformulado para hospedar o ecommerce. Para o futuro, Maurice pretende ampliar a presença da alfaiataria nas redes sociais, sobretudo no Instagram.

Enio Pinto, do Sebrae, ressalta que outro desafio para as empresas tradicionais é garantir que a experiência digital seja tão boa quanto o serviço oferecido presencialmente. Nesse contexto, ele avalia que um ponto físico continua sendo importante, algo de que não se pode abrir mão.

"No negócio tradicional, a loja física é a embaixada da marca. Mais do que qualquer outro, esse tipo de negócio precisa ter um ambiente presencial para entregar uma experiência completa."

Um dos planos de Murilo Campos, 28, é ampliar o acervo da Livraria Calil e ocupar mais salas em um prédio comercial na República, centro de São Paulo. Com a mãe, Maristela Calil, 60, ele administra a livraria fundada pelo avô descendente de libanês em 1949 e especializada em compra, venda e restauração de obras raras.

Na transição entre as três gerações, ele percebe diferenças na gestão e no relacionamento com os produtos. "Meu avô nunca deu preferência à venda. Ele mantinha os livros de que gostava aqui na livraria e, por isso, acabou formando uma grande biblioteca."

Murilo avalia que a mãe tem mais aptidão em reconhecer obras raras, enquanto a ele cabe implementar tecnologias de organização do acervo, que agilizam a tarefa de encontrar títulos na estante. A loja também vende online, numa plataforma de livros usados, o que garantiu crescimento de 300% em 2020, diz ele.

"Neste ano, a gente focou livros do modernismo na internet por causa da Semana de 1922", conta. Ele afirma, ainda, que pretende produzir conteúdo para as redes sociais divulgando o negócio e compartilhando informações sobre o nicho de obras raras.

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