Conheça negócios criados em periferias que procuram melhorar o seu entorno

Empreendedores investem em áreas que vão da reciclagem de lixo eletrônico à produção de vídeos

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Jessica Bernardo Cleberson Santos
São Paulo | Agência Mural

Bateria, quatro motores de um leitor de DVD e dois puxadores de guarda-roupa que tinham ido para o lixo são os elementos do mais novo projeto de robótica de Stella Sales, 9.

"Vou construir um drone", conta ela, que aprendeu com a família a reaproveitar materiais para criar brinquedos.

Os pais dela, José Sales Neto, 49, e Karina Sales, 27, são donos da Metarecicla, empresa com sede na Brasilândia, zona norte de São Paulo, que vende kits de robótica e treinamentos sobre reciclagem de eletrônicos para escolas como a Avenues, no Morumbi, zona sul da capital paulista.

José Sales Neto, fundador da Metarecicla, e sua filha, Stella, que segura o Nerd, robô de monitoramento de hortas
José Sales Neto, fundador da Metarecicla, e sua filha, Stella, que segura o Nerd, robô de monitoramento de hortas - Keiny Andrade/Folhapress

O negócio é um exemplo de como as periferias estão gerando dinheiro a partir de iniciativas de impacto socioambiental, com empreendimentos que buscam mudanças na sociedade ao mesmo tempo que geram lucro.

No país que é o quinto maior produtor de lixo eletrônico do mundo, segundo a ONU, aparelhos descartados são fonte de dinheiro para o casal. "É realmente o ouro moderno", afirma José.

A partir do aproveitamento desses materiais, a chamada metareciclagem visa instruir a população na área da tecnologia. "Consigo pegar o que era rejeito e transformar em educação", diz o empreendedor.

O objetivo do negócio é diminuir o impacto do lixo eletrônico e educar as pessoas para lidar melhor com ele.

Hoje, a empresa, fundada em 2017, tem cinco funcionários e fatura R$ 150 mil por ano. Ela já recebeu investimento de cerca de R$ 30 mil do Programa Vai Tec, da Prefeitura de São Paulo.

Primeiro, os aparelhos são coletados e avaliados pela equipe da Metarecicla. Se ainda tiverem valor comercial, são revendidos a um valor baixo. Caso contrário, são desmontados e reaproveitados.

"Isso é matéria-prima", diz Karina sobre os vários computadores, mouses e celulares que lotam a sede do espaço na Brasilândia. É ali que os equipamentos são separados em peças como motores, ventoinhas e baterias e ganham nova vida nos kits de robótica que vão para as escolas.

O casal, que mora na favela da Capadócia, na zona norte, quer ainda criar um curso sobre metareciclagem, para levar o tema a mais pessoas, além de fazer parcerias com a prefeitura e o governo estadual para viabilizar o projeto em escolas públicas.

Também na zona norte, mas na Casa Verde, está a Parças, fundada pelo casal Carla Cristina dos Santos, 37, e Alan Almeida, 30. Assim como a Metarecicla, o negócio também tem a tecnologia como foco.

Trata-se de uma escola de programação para alunos de regiões periféricas e egressos do sistema prisional.

Segundo Carla, eles querem transformar as penitenciárias em polos de qualificação tecnológica. O interesse pelo trabalho com presidiários partiu de experiências pessoais do casal. Alan, que é de Perus, também na zona norte, já fez voluntariado em cadeias, enquanto Carla tem um familiar que cumpriu pena.

No mercado desde 2018, a Parças já empregou cerca de 350 ex-alunos e tem atuado até fora do estado. Olavo Rezende, 25, é um deles.

Morador de São João de Meriti (RJ), ele é analista na Raccoon, uma empresa de marketing digital de São Carlos, no interior de São Paulo.

"A Parças me ajudou em vários pontos, no acolhimento e no acompanhamento psicológico. Eles tentam simular um ambiente idêntico ao ambiente de trabalho", explica o ex-aluno.

Carla cita a Raccoon como exemplo do modelo de negócios da Parças.

"Eles queriam 13 pessoas para trabalhar com eles, e nós teríamos que dar determinados cursos para esses alunos. A gente dá a formação de acordo com o que a empresa pede."

São dessas parcerias com as empresas que vêm a receita da escola, já que os cursos são gratuitos e há uma bolsa para os alunos. Atualmente, o negócio tem 15 funcionários e fatura cerca de R$ 1,3 milhão por ano, segundo os donos.

Na outra ponta da Grande São Paulo, em Mogi das Cruzes, Grazielly Aparecida da Silva, 36, também atua em um negócio de impacto social, o Repagina.me.

Criada na periferia de Poá, a técnica administrativa fundou a empresa para ajudar comerciantes da periferia a alavancar as vendas.

A ideia surgiu de um incômodo. Grazielly não entendia por que os negócios de seu bairro faliam enquanto lojas do mesmo segmento faziam sucesso em shoppings de São Paulo. "Fui fazer uma pesquisa de campo para entender o que os comércios locais tinham de diferente."

Nas conversas com comerciantes, percebeu que faltavam estratégias de marketing e divulgação para os negócios. Foi quando decidiu desenhar um modelo de consultoria para repaginar lojas periféricas e auxiliar pequenos empreendedores.

A ideia nasceu em 2017 e ganhou corpo após Grazielly participar de um processo de aceleração da Artemisia Brasil em 2020. Hoje, a Repagina.me oferece serviços de reforma de espaços, projetos arquitetônicos e consultorias sobre negócios e marketing digital.

"Tem clientes que estão com a gente há dois anos e tiveram avanço de 20% no faturamento." O faturamento anual do negócio chega a R$ 120 mil.

A consultoria de marketing digital é o serviço mais recente criado pela empreendedora e surgiu como uma resposta ao impacto da pandemia.

Ana Paula Reis, 42, foi uma das empreendedoras que procuraram a Repagina.me. "O processo vai além da repaginação. É sobre o empreendedor entender seu espaço dentro das empresas", afirma a dona de um espaço de beleza no Itaim Paulista, na zona leste.

Ainda na zona leste, a Monomito Filmes também surgiu de um olhar para a periferia. A empresa é formada pelo casal Lincoln Pires, 32, e Larissa Souza, 26, ambos do Itaim Paulista.

Lincoln trabalhava com tecnologia, mas em 2017 decidiu transformar a fotografia, até então um hobby, em fonte de renda. A Monomito se identifica como um negócio de impacto social justamente por querer "democratizar o acesso ao audiovisual".

"No começo nós produzimos vídeos com valores colaborativos, 'pague o quanto puder', ou gratuitos, porém isso ficava cada vez mais complicado, já que não conseguíamos viabilizar recursos para seguir produzindo", diz Lincoln.

A solução foi oferecer, em uma ponta, produções para empresas. Com os recursos obtidos, foi possível não só manter o negócio, como seguir investindo em produções de artistas periféricos.

A produtora já fez trabalhos para o Sesc, a Prefeitura de São Paulo e o iFood, além de rappers como Rashid e Diomedes Chinaski.

Na pandemia, Lincoln e Larissa participaram do programa de aceleração da Anip (Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia), no qual aprenderam a estruturar um empresa. Neste ano, estiveram na Expo Favela, em São Paulo.

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