Estilistas ganham espaço na moda com peças para corpos plurais

Roupas agênero, moda urbana e peças sustentáveis levam referências do dia a dia para passarelas

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São Paulo

Apresentar referências das ruas da periferia, da cultura regional, das cores e padrões de herança africana são algumas características de marcas lideradas por empreendedores negros que chegaram em vitrines, como a São Paulo Fashion Week (SPFW).

Na Laboratório Fantasma, marca dos irmãos Emicida e Fióti, rappers e empresários, a conexão com moda e estilo de vida vem desde a adolescência. "A roupa sempre foi nossa forma de expressão", afirma Evandro Fióti, 33.

A venda de camisetas começou em 2009 para financiar a música do irmão, conta. Quando a marca inaugurou a loja online, faturou R$ 30 mil no primeiro dia.

Evandro Fióti, músico e cofundador da Laboratório Fantasma
Evandro Fióti, cofundador da marca Laboratório Fantasma, nascida na periferia de São Paulo - Divulgação/Lana Pinho

"Isso chamou atenção. Percebemos uma grande demanda reprimida, porque as pessoas não conseguiam acessar aquele tipo de produto."

Para Fióti, levar a moda das ruas da periferia de São Paulo a grandes passarelas permitiu quebrar estereótipos relacionados ao rap e alcançar pessoas de diferentes classes sociais. A marca, que também é gravadora, tem 40 funcionários e vende para todo o país.

Apesar da visibilidade alcançada em eventos como a SPFW, Fióti diz que conseguir investimento é um desafio.

"Ao ascender por meio dos nossos negócios conseguimos perceber que somos a exceção que confirma a regra. A regra é não estarmos dentro desses espaços [de visibilidade e sucesso]", afirma.

O lugar ocupado por criadores negros na indústria da moda ainda é pequeno, mas está crescendo devido ao esforço do empresariado em estimular "a comunidade negra a consumir o que é criado pelos seus", afirma Cris Rose, figurinista e professora da FAAP.

Mas isso não significa que esses empreendedores se resumem a criações com características afro, como "tecidos, estampas e modelagens vindas de referências africanas óbvias. São criadores e suas referências são variadas".

Para Dani Gábriél, professora de moda da Faculdade Santa Marcelina (Fasm), a expressão da identidade vai além da questão imagética e pode estar na técnica de tingimento, no uso de matéria-prima e no modelo produção.

Recursos para pesquisa são essenciais no desenvolvimento da linguagem autoral da marca, diz Gábriél. "É importante que o empreendedor se pergunte: Como minha identidade se expressa nas peças? Qual impacto quero trazer?"

Na Dendezeiro, loja baiana de roupas agênero, as referências vêm de vivências cotidianas dos criadores Hisan Silva, 24, e Pedro Batalha, 25. O nome da marca remete à palmeira cujo fruto dá origem ao azeite de dendê, elemento típico da cozinha baiana e que reforça a regionalidade da empresa, afirmam eles.

A dupla diz buscar uma nova forma de ver a silhueta dos corpos, excluindo a separação por gênero. As peças têm ajustes e amarrações, para o cliente adaptá-las como quiser.

Roupas da Dendezeiro, marca baiana que faz peças agênero
Modelos vestem peças da Dendezeiro, marca baiana de moda agênero - Divulgação/Kevin Oux

Parte da inspiração do desenho veio de experiências próprias, conta Hisan, por não se sentirem confortáveis ao comprar em lojas convencionais.

"Uma das piores sensações para o comprador preto fora do padrão é entrar no provador. Você escolhe a roupa, a numeração, veste e vê que não se encaixa ali", afirma.

A Dendezeiro está no line up do SPFW pela segunda vez. As peças são vendidas online e custam entre R$ 100 e R$ 1.300.

Neste ano, a marca participou de uma coleção colaborativa com a C&A, a Collab Identidades —com estilistas nacionais que trabalham diversidade e sustentabilidade.

Empreender na indústria da moda é caro e muitas marcas não conseguem se sustentar sozinhas, diz Dani Gábriél, da Fasm. Por isso, o aporte de empresas maiores, como a C&A, ajuda a alavancar negócios e quebrar estereótipos.

Na AZ Marias, que também participa do SPFW 2022, o modelo de negócio com peças sob demanda e uso de resíduo têxtil diminui o impacto ambiental da empresa.

Cíntia Felix, estilista e fundadora, conta que um dos principais incômodos que a levou a essa produção foi ver um alto volume de tecidos em bom estado descartados.

Carioca, ela abriu a AZ Marias no Rio de Janeiro em 2015, mas mudou-se para São Paulo três anos depois. Por ser um polo têxtil, a cidade tem uma grande quantidade de resíduos para reutilização.

No site da loja, há camisetas a pronta entrega e peças sob encomenda com preços que vão desde R$ 140 até R$ 3.000. A produção costuma levar entre 7 e 15 dias úteis.

Nas roupas, ela diz buscar a valorização do corpo real. "A indústria da moda glorifica um corpo magro e alto, que em nada dialoga com as mulheres que eu vejo na rua."

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