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16/04/2012 - 13h08

Irã precisa temer um ataque, diz analista

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MÁRCIA SOMAN MORAES
DE SÃO PAULO

Em meio à lenta retomada das negociações nucleares entre a comunidade internacional e o Irã, o diretor executivo do Comitê Americano-Judeu (AJC, na sigla em inglês) defende que os líderes iranianos precisam acreditar em um eventual ataque militar dos Estados Unidos ou de Israel para se comprometer seriamente com o diálogo.

"A melhor chance é persuadir os líderes iranianos que se eles não negociarem seriamente, as opções serão catastróficas. Não é que alguém queira guerra, ninguém quer guerra, mas pode ser a única chance de convencer o Irã a sentar na mesa e negociar seriamente e de maneira sincera, o que eles não fizeram até agora", diz David Harris, em entrevista à Folha durante recente visita ao Brasil.

Gustavo Ferreira /Divulgação/MRE
David Harris, diretor-executivo do Comitê Americano-Judeu, se reúne com o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, em Brasília
David Harris, diretor-executivo do Comitê Americano-Judeu, se reúne com o chanceler brasileiro, Antonio Patriota

Harris é, desde 1990, diretor executivo do AJC, uma das mais importantes organizações judaicas dos EUA. Ele é especialista nas comunidades judaicas espalhadas pelo mundo, além de questões de antissemitismo e questões de segurança e paz em Israel. Ele é ainda comentarista na rádio americana CBS e tem um blog no jornal israelense "Jerusalem Post".

Apesar do esfriamento da relação entre EUA e Israel, parceiros históricos, durante os anos do governo de Barack Obama, Harris defende que o democrata tem muitos pontos em comum com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu: o principal deles é a questão iraniana.

Os EUA e Israel argumentam que Irã usa seu programa nuclear para tentar fabricar a temida bomba nuclear, embora Teerã afirme que enriquece urânio apenas com fins civis.

No fim de semana, representantes do Irã e do chamado P5+1 (as cinco potências do Conselho de Segurança mais a Alemanha) retomaram as conversas sobre o enriquecimento de urânio no Irã. Avaliada como um primeiro passo positivo, a reunião acabou com um novo encontro marcado para 23 de maio, em Bagdá capital do Iraque.

Leia os principais trechos da entrevista:

Folha- Na recente visita de Netanyahu aos EUA, ele admitiu a possibilidade de ataque contra o Irã. Já Obama preferiu um tom mais cauteloso e disse apostar nas sanções. Como o sr. vê estas diferenças?
David Harris - É importante identificar os temas que Israel e EUA têm em comum sobre Irã. Primeiramente, ambos concordam que não podemos permitir que Irã consiga uma bomba nuclear. Segundo, a política de contenção, adotada na Guerra Fria para tentar conter a União Soviética, não se aplica aqui. Não vamos deixar o Irã conseguir uma bomba nuclear e depois tentar contê-lo. Terceiro, ambos concordam que cada país tem independência de ação. O próprio Obama disse entender que Israel tem o direito de tomar suas próprias decisões, baseadas em seus próprios temas de segurança. Israel reconhece que os EUA têm a mesma opção. Há um tema que os separa que é quanto tempo cada país tem para reconhecer uma opção militar. Os EUA são uma superpotência, com capacidade militar extraordinária, incluindo na região em torno do Irã. Eles têm mais tempo para considerar uma opção militar do que o Israel, que é um país menor, com menor capacidade militar. Eu não chamo de diferença de opinião, é uma diferença de fatos. Israel não tem tanto tempo para dizer: "vamos ver como as sanções econômicas funcionam, vamos ver como diplomacia funciona, e daí vamos tomar nossa decisão". O assunto principal que está sendo discutido entre Washington e Jerusalém é como lidar com esta diferença.

Mas Israel é muito crítico ao que eles chamam de insistência dos EUA de apostar em sanções e pedem que Washington estabeleça um parâmetro menos permissivo com Irã para pensar na opção militar. O que pode ir além das sanções, mas ainda sim não ser uma ação militar?
Houve decisões tomadas recentemente, decisões muito importantes pela União Europeia, de impor sanções financeiras. Nós temos ainda alguns meses até estas sanções efetivamente fazerem efeito. Os EUA estão trabalhando duro para persuadir outros países, especialmente os asiáticos, Índia e China, a não se aproveitar das sanções europeias para comprar petróleo mais barato do Irã e sim parar de comprá-lo e fortalecer as sanções. O Irã já está em dificuldade, a moeda está se desvalorizando, a inflação aumenta e cada vez mais iranianos procuram dólares. Israel e EUA estão se entendendo sobre como lidar com estes próximos meses. Eu estou muito otimista com isso.

O sr. acha que Obama está disposto a arcar com as consequências de um eventual ataque ao Irã?
A opção militar é a última opção, mas é importante, contudo, que a opção militar seja crível. Não crível para você ou para mim, mas para o Irã. Os líderes do Irã precisam ser persuadidos que, se necessário, os EUA, Israel ou algum outro país vão estar preparados, independentemente das experiências em outros países. A melhor chance é persuadir os líderes iranianos que se eles não negociarem seriamente, as opções serão catastróficas. Não é que alguém queira guerra, ninguém quer guerra, mas pode ser a única chance de convencer o Irã a sentar na mesa e negociar seriamente e de maneira sincera, o que eles não fizeram até agora. Se a opção se tornar bombardear o Irã ou uma bomba iraniana, não há dúvida de que os EUA, Israel e outros países vão dizer não à bomba iraniana e é importante entender porque. As pessoas que dizem que podemos viver com uma bomba iraniana, falham em entender as suas consequências.

Quais seriam?
Primeiro, que Irã poderia usar a bomba um dia. As pessoas não devem fingir que entendem o regime iraniano. Se você não entende a teologia do regime iraniano, se não entende a escatologia do regime iraniano, você não entende como o regime iraniano sacrificou centenas de milhares de crianças na guerra contra o Iraque nos anos 80. Você não pode aplicar as mesmas regras que se aplicariam em [um confronto entre] Brasil e Argentina. Em segundo lugar, você não precisa usar a bomba para ter o poder. Somente ter a bomba ou a capacidade de construir a bomba, congela seus vizinhos. O que aconteceu, por exemplo, quando centenas de foguetes foram disparados de Gaza a Israel? Israel respondeu, como deveria, mas e se depois que os foguetes fossem lançados, o Irã mandasse um alerta de que, se Israel reagisse, haveria consequências do Irã? E lembre, esse é um Irã com capacidade de ter bomba nuclear e um sistema de mísseis. O que Israel faz? Terceiro, os países que cercam o Irã, seriam forçados a se submeter ao Irã. Quarto, a Arábia Saudita, Egito, Turquia tentariam obter a bomba nuclear. Você teria uma corrida armamentícia na região mais volátil e perigosa do mundo. Finalmente, e se o Irã decidisse dividir a tecnologia com Hamas, Hizbollah, e se dividisse com seu amigo presidente [Hugo] Chávez, na Venezuela? Se o regime iraniano tivesse a bomba ou a capacidade de fabricar a bomba, não é só sobre os EUA, Israel, afeta o Oriente Médio, afeta a questão energética, afeta o mundo árabe, é sobre terrorismo, é sobre dividir tecnologia com outros países. É inimaginável e os riscos não poderiam ser maiores.

Em discurso recente, o provável candidato republicano à Casa Branca, Mitt Romney, condenou o governo Obama por querer mais tempo para as sanções contra o Irã funcionarem e falou em aumentar pressão sobre os líderes iranianos. Caso o republicano vença, o sr. espera uma mudança na política americana na região?
Não importa quem for o próximo presidente, democrata ou republicano, eu espero que a política americana permaneça consistente nas grandes questões. Primeira, "não" à bomba iraniana porque ela seria um desenvolvimento profundamente perigoso regional e globalmente, "não" à contenção como opção política para lidar com o prospecto de uma bomba iraniana, "sim" para a coordenação próxima com os aliados americanos, incluindo, claro, Israel, e "sim" para uma opção crível militar embora, para ser claro, é absolutamente a última escolha política de todo mundo.

Depois do último esforço americana para mediar as conversas de paz em 2010, as negociações entre Israel e os palestinos parecem estar congeladas. Como fazer para retomar o esforço e avançar?
No AJC, nós acreditamos firmemente no acordo de dois Estados entre israelenses e palestinos. Não há alternativa viável. Ambos os povos estão lá para ficar, mas a única forma de obter um acordo duradouro é através de negociações diretas entre as duas partes. Claro que as conversas não serão fáceis. Como poderiam ser, diante da dificuldade dos assuntos envolvidos e a intensidade dos sentimentos de todos os lados? Dito isso, desde 2000, quatro premiês consecutivos de Israel apoiaram publicamente o acordo de dois Estados e reconheceram o doloroso --e estrategicamente arriscado-- compromisso territorial envolvido.
Brasileiros, vindos de um vasto país, podem ter dificuldade de imaginar o espaço constrito do qual estamos falando, o que apenas deixam as negociações mais complexas. Tragicamente, o lado palestino refutou, no fim, cada chance de avançar nas negociações e alcançar um acordo final. Você não pode fazer paz consigo próprio. Você precisa de um parceiro. Israel ainda está esperando. Eu posso apenas torcer que a espera não seja muito longa.

Recentemente, nós presenciamos outro episódio de tensão militar entre Israel e Gaza. Depois de dias de ataques, 25 pessoas morreram. O sr. acredita que uma guerra, como a que vimos em 2008, pode acontecer novamente?
Para começar, não foi apenas um outro episódio de tensão militar entre Israel e Gaza. Em 2005, Israel saiu completamente de Gaza, dando aos moradores locais a primeira chance de autogovernança. Hoje, Israel busca apenas uma coisa, tranquilidade em sua fronteira com Gaza. Mas quem está no controle em Gaza? Hamas. e o que o Hamas procura? Um mundo sem Israel. Então quando mísseis são lançados de Gaza para Israel ou ataques terroristas planejados em seu território, Israel, como qualquer outro país soberano precisa proteger seus cidadãos. Quanto à chance de um novo conflito, depende se o Hamas vai continuar a focar na destruição de Israel em vez da construção de Gaza.

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