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01/10/2012 - 13h04

Há 14 anos no poder, Chávez encara eleição mais disputada da sua vida

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RORY CARROLL
DO "GUARDIAN"

De certa forma, as coisas continuam a ser como no passado. Imensas multidões cercam o candidato à Presidência em seu percurso por aldeias empoeiradas e pequenas cidades, prometendo uma nova Venezuela.

Cercam seu ônibus, gritam seu nome e, quando ele sai do veículo, as pessoas gritam e o cercam, desesperadas para abraçá-lo. Muitas levam bilhetes -apelos manuscritos por um emprego, uma casa, uma cirurgia- e, se conseguem entregá-los ao candidato, quase explodem de alegria. "Ele sabe que as coisas não podem continuar assim. Precisamos mudar", diz Josmir Meza, 25, aos gritos, por sobre o ruído da multidão.

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O problema para Hugo Chávez é que não é mais ele o candidato que causa esse tipo de reação. Em 1998, ele era o insurgente, o excluído, um político jovem e atlético que prometia derrubar a ordem estabelecida e "refundar" a Venezuela. Não havia como detê-lo, e ele disparou para a vitória.

Passados 14 anos, porém, e em meio ao esforço de Chávez para obter um terceiro mandato na eleição do próximo domingo, é Henrique Capriles, 40, o jovem candidato da oposição, que eletriza as multidões.

Chávez, 58, em contraste, é uma figura adoentada, fugaz, que agora representa a elite. Ele não deseja invadir o palácio presidencial de Miraflores -uma construção rosada, neocolonial, no centro de Caracas-, mas sim continuar a ocupá-lo. Tendo dominado a Venezuela como um colosso, liderando sua revolução socialista em sucessivas vitórias eleitorais esmagadoras, agora Chávez enfrenta a disputa eleitoral mais acirrada de sua vida.

Com os dois lados descrevendo o pleito como um teste existencial pela derrubada ou preservação do experimento político e social único conhecido como chavismo, o que está em jogo não poderia ser mais importante. Caso Chávez saia derrotado, seu movimento quase certamente rachará, deprimindo os partidários estrangeiros que elogiam a "revolução bolivariana" como prova de sucesso do novo esquerdismo. Caso ele vença, os críticos em seu país e no exterior alertarão sobre o risco de autocracia e disfunção ainda mais graves.

De qualquer forma, será um novo capítulo no grande drama que a vida de Hugo Chávez representa. A história de um menino nascido em uma família humilde de Sabaneta, uma cidadezinha minúscula nas vastas pradarias conhecidas como Los Llanos, que subiu para se tornar não apenas presidente mas uma figura mundial simultaneamente adorada e desdenhada: uma história notável.

VIDA

Como as lendas sobre cavaleiros, demônios e rebeldes que encantavam o menino Hugo em sua infância -ele decorava os poemas, histórias e canções-, sua ascensão é um percurso mitológico.

Segundo filho de professores de ensino básico, Chávez, se nascesse menina ganharia o nome de Eva, para complementar o nome de seu irmão, Adam. Em lugar disso, recebeu o nome de seu pai. Com a chegada de mais filhos (seis, todos meninos), os dois mais velhos foram morar com a avó, Rosa, uma mulher gentil e trabalhadora que os mimava muito.

Hugo era um menino feliz e tagarela, que dividia seu tempo entre a escola e o beisebol, que jogava com um bastão caseiro e uma bola de meia; também lia, desenhava e ajudava nas despesas da casa vendendo as "aranhas" que sua avó preparava -fatias de melão adoçadas com açúcar. "Eu caminhava pelas ruas gritando 'aranhas, aranhas quentinhas e gostosas para as moças bonitas'", ele relembrou em recente entrevista. Quando adolescente, magrinho e com pés grandes, recebeu o apelido de Pateta.

Por volta dos anos 60, a Venezuela, antes um canto sonolento da América do Sul, governada por sucessivos ditadores, havia se tornado uma democracia incipiente, com crescentes receitas petroleiras e fome de modernidade. Uma nova elite e classe média cresciam entre os arranha-céus em construção, mas a maioria dos migrantes rurais terminava vivendo em barracos construídos nos morros em torno das grandes cidades.

Hugo, que era bom jogador de beisebol, não sonhava com uma carreira política, mas sim com a contratação por uma equipe de beisebol profissional norte-americana. Tornou-se cadete nas forças armadas, na expectativa de saltar da academia militar para os clubes profissionais de beisebol de Caracas. Mas em lugar disso se apaixonou pela vida militar.

"Um uniforme, uma arma, as marchas, os exercícios de ordem unida, as corridas matinas, os estudos de ciência militar... eu era como um peixe na água", ele relembrou posteriormente.

Enquanto Chávez subia na hierarquia, estudava os escritos de Simón Bolívar, o libertador que expulsou os espanhóis da Venezuela no século 19, e os de filósofos como Nietzsche e Plekhanov. Também começou a prestar atenção à extrema pobreza e desigualdade no país, em meio ao "boom" petroleiro. Inspirado pelos líderes militares revolucionários do Panamá e Peru e por intelectuais de esquerda venezuelanos, Chávez começou a desenvolver a ideia de uma revolta.

Ao longo de uma década, ele organizou os colegas militares em uma conspiração para substituir o que viam como falsa e venal democracia por uma democracia progressista e real. O golpe de fevereiro de 1992 foi um fiasco militar, permitindo que o impopular governo sobrevivesse, mas Chávez transformou seu discurso de rendição, televisado em rede nacional, em triunfo político. Eloquente e elegante em sua boina vermelha, ele se apresentou a um país atônito -"ouçam o comandante Chávez"- e declarou que seus objetivos não haviam sido realizados "por ahora". A piada que se ouvia então dizia que ele merecia 30 anos de prisão -um pelo golpe, 29 pelo insucesso.

Perdoado e libertado depois de dois anos, foi adotado como líder nominal por uma coalizão de movimentos de base e partidos de esquerda que conquistou a vitória na eleição de 1998, com apoio não apenas dos pobres mas de classe média saturada dos partidos políticos tradicionais. Com o petróleo cotado a apenas US$ 8 por barril, o Estado petroleiro estava quase falido.

Pouca gente fora da Venezuela, até então conhecida apenas por misses e pelo petróleo, sabia como avaliar a chegada ao poder de um líder temperamental que elogiava Fidel Castro mas dizia não ser nem de direita nem de esquerda, mas sim adepto de uma "terceira via" à moda do britânico Tony Blair. Em poucos anos, Chávez se tornou uma das figuras mais reconhecíveis, e polarizadoras, do planeta.

ANTI-EUA

A retórica veemente -ele definiu os ricos como "porcos guinchando" e "vampiros" que saqueavam a riqueza petroleira do país- o fez querido dos pobres mas alienou a classe média e a elite tradicional, que o chamava de macaco ou pior.

Em abril de 2002, as elites o derrubaram brevemente em um golpe de Estado apoiado pelo governo de George W. Bush (2001-2009). Chávez sobreviveu e se radicalizou, declarando-se socialista e estatizando grandes porções da economia. A disparada nos preços do petróleo enriqueceu o Tesouro nacional, e ele usou o dinheiro para bancar clínicas de saúde equipadas com pessoal cubano e outros programas sociais, aliviando a pobreza. Chávez criou um império de mídia estatal que promoveu um culto de personalidade e reforçou o controle do Executivo sobre as forças armadas, o Judiciário e o Legislativo.

Ele chamou Bush de "jumento", "Mr. Danger" e "uma besta", e, durante um memorável discurso na ONU, o definiu como "o diabo".

Simpatizantes como Ken Livingstone, Sean Penn, Danny Glover e Noam Chomsky prestaram homenagem a Chávez em visitas a Caracas. Depois de conquistar um segundo mandato em 2006, o presidente promoveu um referendo sobre o fim da limitação ao número de mandatos políticos, e chegou a falar sobre se manter no governo até 2021, ou mesmo 2030. Tudo isso parece fantasioso, agora. Chávez lidera algumas das pesquisas de opinião pública, mas fica atrás do oponente em outras.

POBRES

Ele continua a ser reverenciado nos "barrios". "Ele é um presente para nós, significa tudo", disse Aleira Quintero, 55, cabo eleitoral que usava uma camiseta vermelha do presidente em Petare. Mas mesmo os simpatizantes estão cansados dos índices de criminalidade horrendos, da inflação, da escassez e da infraestrutura desmantelada. Há pontes ruindo, refinarias que explodem, cidades que sofrem blecautes.

Chávez provou ser um estrategista político astuto e um comunicador inspirado, mas é péssimo como gestor; ele impôs controles econômicos contraditórios, cria e desmonta ministérios por capricho, lança e abandona iniciativas, negligencia o investimento e a manutenção. A despeito de receitas petroleiras recorde, a Venezuela precisa tomar bilhões em empréstimos para cobrir esses rombos.

O carisma, os presentes aos eleitores e o controle institucional, especialmente a capacidade de monopolizar a mídia eletrônica, podem garantir a reeleição do presidente, mas Chávez enfrenta dois obstáculos formidáveis.

Inchado e fatigado depois de seu tratamento de câncer, ele às vezes enfrenta dificuldades para andar. Em lugar de cruzar o país em campanha como no passado, suas aparições públicas são limitadas e muitas vezes melancólicas.

"Se a decisão fosse minha, eu desceria do palanque e caminharia entre vocês, como no passado", ele disse, com lágrimas nos olhos, em um comício. Alguns partidários temem que seu câncer seja terminal e que votar em Chávez seja votar na incerteza e facilitar o acesso ao poder dos ministros e cortesãos que o povo não ama.

O outro obstáculo é Capriles. Ao contrário de passados líderes oposicionistas, ineptos e falastrões, esse governador está conduzindo uma campanha disciplinada e enérgica. Corredor e jogador de basquete, o apelido de Capriles é El Flaquito, o magrelo.

Ele tomou a iniciativa percorrendo o país diversas vezes, visitando 274 cidades e se definindo como centrista que manterá os programas sociais de Chávez, mas sob gestão competente. Para atrair os chavistas mais brancos, ele não define Chávez como ditador, e nem mesmo usa o nome do presidente. Consciente do poderio do nome do rival, Capriles o chama de "o candidato do PSUV (o partido governante)".

Quer o presidente vença, quer não -e, dado seu histórico eleitoral, seria tolo ou ousado apostar contra ele-, sua fama persistirá. No poder ou fora dele, o nome de Hugo Chávez não será esquecido.

O livro de Rory Carroll sobre "Chávez, o Comandante", será lançado em março de 2013.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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