Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
18/03/2013 - 03h00

Análise: Igreja é tecido que se rasga e sempre se recompõe

Publicidade

MARIE-FRANÇOISE BASLEZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Igreja, o que é isso? Ou seria possível perguntar: "o que é a igreja?" Uma doutrina, fundada sobre o Evangelho? No entanto, existem muitas igrejas. Uma estrutura edificada através dos séculos?

A da igreja santa, católica e apostólica de nosso credo? Uma noção mística, o corpo de Cristo que a encabeça e na qual todos por sua vez creem, do papa ao mais simples fiel?

A renúncia de Bento 16 propôs, em primeiro lugar, a questão da unidade orgânica da igreja e incita a refletir sobre o lugar que cada um de seus membros deve ocupar.

A decisão é um gesto profético, porque não tem precedentes, mesmo que demos a ela uma interpretação primordialmente laica, um tanto convencional: ela faz ecoar a contradição patente entre o alongamento da expectativa de vida e o peso cada vez maior da carga pontifical.

Com isso, o lento envelhecimento do papa, que fazia parte da história do papado, já não é mais viável. Bento 16, assim, fez o que todo chefe de Estado ou de empresa lúcido deveria fazer.

Mas o ato que ele empreendeu vai bem além disso. É o fim de uma igreja monárquica, tal como constituída desde a era medieval.

É fato que o primeiro pontífice romano tomou por base as palavras de Cristo: "Tu és Pedro, e sobre essa pedra construirei minha igreja".Mas o sucessor era não mais que o bispo de Roma.

A primazia romana foi constituída como um corpo que cresce, por meio da criação de redes de comunidades cristãs dispersas, mais e mais distantes, mas sempre em contato com a de Roma.

Ela foi construída no pluralismo e com a consciência de diferenças superadas, tal como exprime a associação simbólica de Pedro e Paulo, duas figuras quase opostas, como cofundadoras.

Bento 16 poderia, portanto, ter se tornado um "bispo emérito" (de Roma) entre seus pares, e, ao que parece, era esse título que almejava.

O título que, por fim, reteve, o de papa emérito, traz à mente que a igreja se percebe, acima de tudo, como um corpo místico: um papa não se aposenta.

Investido de um carisma especial quando eleito, por intercessão do Espírito Santo, ele o preserva mesmo que abandone as funções.

Tudo isso criará jurisprudência, mas revela uma outra natureza da igreja: a carismática.

Mudará o relacionamento entre os fiéis e a instituição e, certamente, aproximará a Igreja Católica de outras igrejas protestantes e ortodoxas.

A Igreja Católica jamais foi uma monarquia como outras, nem uma estrutura monolítica de resistência a todo movimento, apesar do peso do aparelho eclesiástico, mais conhecido como Cúria Romana, que parece ter sido uma outra causa de renúncia para Bento 16.

A igreja se desenvolveu como um tecido orgânico que se distende, ocasionalmente, se rasga, mas sempre se recompõe.

Essa recomposição acontece, desde são Paulo, por meio da articulação em rede de comunidades minoritárias, dispersas e diferentes.

Essa é uma constante na história da igreja, e a explosão das redes sociais em nossa era confere uma nova chance a isso -uma dimensão inédita e ainda mal controlada, mas que representa o verdadeiro potencial da igreja do século 21.

Fazer emergir afinidades, exigências e solidariedades novas, estimular as minorias criativas, para que superem as diferenças culturais e históricas intercontinentais, as discriminações entre homens e mulheres, religiosos e laicos -é esse o futuro da igreja, mas para isso é preciso que ela reinvente seu modo de funcionar.

MARIE-FRANÇOISE BASLEZ é professora de história da religião na Universidade de Paris/Sorbonne e autora de "Comment Notre Monde est Devenu Chrétien" (como nosso mundo se tornou cristão)

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página