Massacre de palestinos no Líbano completa 30 anos sem punições
"O que encontramos dentro do campo palestino de Chatila às dez da manhã de 18 de setembro de 1982 é inacreditável demais para se descrever (...) Essas pessoas, centenas delas, foram abatidas desarmadas. Isso era um assassinato em massa, um incidente que também era uma atrocidade. Era um crime de guerra", relata o jornalista britânico Robert Fisk em seu livro "Pobre Nação".
Junto com outros três colegas repórteres ele foi uma das primeiras testemunhas do massacre nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, em Beirute no Líbano.
Dia 16 de setembro de 1982 foi o início do ataque. Estima-se que de 1.700 a 3.000 pessoas tenham sido mortas, em três dias. Forças falangistas (cristãos de direita) invadiram Sabra e Chatila, em conluio com as tropas israelenses, em meio à guerra civil libanesa (1975-1990).
Arquivo Pessoal-Carolina Montenegro |
Imagem mostra condições de moradias dos milhares de refugiados palestinos no Líbano |
Trinta anos depois hoje, não houve reparação ou indenização aos envolvidos por parte do governo libanês, de Israel ou da ONU. Os responsáveis tampouco foram julgados ou punidos.
"Sabra e Chatila são um memorial a criminosos que fugiram de sua responsabilidade, que escaparam incólumes", afirma Fisk em artigo publicado no jornal "Independent", no último sábado (15).
Em 1983, um inquérito de Israel concluiu que líderes israelenses envolvidos eram "indiretamente responsáveis" pelas mortes e que a Ariel Sharon --então, ministro da Defesa-- cabia "responsabilidade pessoal" por não ter evitado o ataque.
No mês passado, documentos sigilosos abertos pelos Arquivos do Estado de Israel indicaram que as autoridades israelenses teriam manipulado e pressionado diplomatas dos EUA a apoiarem a ofensiva em Sabra e Chatila, alegando que "terroristas" teriam tomado os campos.
"Mais pertubador, é que quando os EUA estavam em posição de exercer pressão diplomática para encerrar a atrocidade, falharam em fazê-lo", afirma Seth Anziska, pesquisador da Columbia University, em artigo recente no jornal "The New York Times".
DIREITOS
"Refugiados palestinos são hoje tão marginalizados quanto eram há 30 anos. Nem mais, nem menos. O governo libanês via Sabra e Chatila há 30 anos, da mesma maneira que vê hoje. Os palestinos não são bem-vindos no Líbano", explica Leonardo Schiocchet, phD em antropologia pela Boston University e pós-doutorando na UFF (Universidade Federal Fluminense).
Arquivo Pessoal -Carolina Montenegro |
Refugiados enfrentam cortes de luz, falta água, ruas esburacadas e alto desemprego |
Schiocchet escreveu tese sobre os palestinos refugiados no Líbano. Residiu em dois campos no país (Wavel e Dbayeh) por cerca de um ano e meio, de 2006 a 2010, realizando pesquisa.
Segundo ele, alguns dizem que os refugiados não são bem-vindos porque devem voltar à Palestina e afirmam estar defendendo o direito de retorno deles. E outros sustentam que este não é o país deles e não querem mais eles aqui.
"Nenhum partido político defende os direitos dos palestinos. Todos eles veem qualquer tipo obras de melhoria em campos de refugiados palestinos como algo que faria eles ficarem permanentemente no país", acrescentou.
Lixo se acumula pelas vielas de Sabra e Chatila. Não há asfalto ou esgoto encanado. Os campos são favelas. No lugar de barracos, construções improvisadas com tijolos.
RISCO NA SÍRIA
A maior parte destes refugiados palestinos tinha fugido para o Líbano, em 1948, com a formação do Estado de Israel. Grande parte também fugiu, na mesma época, para a vizinha Síria. Hoje o país, em guerra civil, abriga cerca de 500 mil palestinos; no Líbano são mais de 400 mil.
"Ainda não aconteceu nada da mesma escala de Sabra e Chatila na Síria. Mas a população palestina está em risco lá", afirmou Schiocchet.
Na primeira semana de agosto, morteiros atingiram o campo de refugiados palestinos de Yarmouk, em Damasco, capital da Síria. Ao menos 20 pessoas ficaram feridas, segundo a ONU.
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, com sede em Londres, informou que as vítimas estavam comprando comida em um mercado movimentado no momento do ataque.
Com a escalada do conflito na Síria, o número de refugiados palestinos fugindo para o Líbano e a Jordânia somavam mais de 5.000 só em agosto, segundo a ONU.
A estimativa, porém, é de que o número real seja muito superior, já que muitos refugiados em fuga não se registram ou abrigam com apoio das agências internacionais.
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