Análise: Sucessor terá o desafio de reverter perda de peso da igreja
O caráter secreto e fechado da política do Vaticano, que tanto alimenta teorias conspiratórias e best-sellers, ganha contornos dramáticos com a renúncia de Bento 16.
O futuro ex-papa poderá, e certamente terá apesar das declarações em contrário, papel central na sua sucessão.
Isso é inédito: os papas que renunciaram no passado caíram em desgraça. Um deles, Celestino 5º, foi preso e inclusive virou referência no "Inferno" de Dante por fugir da mitra papal em 1294.
A rigor, um papa já prepara a sucessão ao moldar o Colégio Cardinalício.
Hoje há 118 cardeais eleitores, e 67 deles foram ungidos por Bento 16. Os outros, por seu antecessor, João Paulo 2°, que teologicamente confiava justamente ao então cardeal Joseph Ratzinger o caminho da igreja.
Nesse sentido, o papado de Bento 16 foi um apêndice do de Karol Wojtyla. Se há espaço para dissenso, a presença viva de Ratzinger poderá ser um fator dissuasório.
Logo quando foi eleito, o papa citou que teria um "reinado curto". Críticos como o vaticanista Marco Politi viram nisso um sinal de sua inapetência pelo espetáculo político e pela administração da Cúria em Roma, levando à sucessão de escândalos.
Já defensores de Ratzinger, como o também vaticanista Luigi Accattoli, sugerem a mesma crise, mas culpam as intrigas da Santa Sé.
Renunciando, Bento 16 terá a chance de salvaguardar seu legado além do ponto de vista teológico, no qual seu reconhecimento é pleno.
A questão a saber é como o novo pontífice enfrentará as questões centrais colocadas pelo mundo moderno --o qual Ratzinger, fiel à sua doutrina, resolveu combater reforçando o tradicionalismo.
Os dilemas da maior denominação cristã do mundo apenas agravaram-se sob Bento 16. Mesmo a sangria de novos padres, que foi estancada e mantém o quadro em cerca de 405 mil homens, só o foi porque houve aumento de novos sacerdotes na Ásia e na África.
Entre 2004 e 2010, a Europa perdeu cerca de 9.000 padres. Paradoxalmente, Bento 16 aumentou a representatividade de cardeais eleitores europeus, que somam pouco mais que 50% do colegiado.
O papa sempre advogou uma igreja menor e mais fiel, contra os relativismos da sociedade de consumo ocidental. Os números em suas próprias hostes, no bastião da tradição católica que é a Europa, apontam um fracasso.
O diálogo com as demandas mais cotidianas dos fiéis, como, por exemplo, o planejamento familiar e a prevenção da Aids, foi evitado e, não raramente, truncado por declarações desastrosas.
A aproximação com outras religiões, especialmente o islamismo, teve percalços, assim como o combate à pedofilia. Politicamente, até porque o mundo não é o da Guerra Fria vivida por um gigante estrategista como João Paulo 2°, a Igreja Católica perdeu peso. O futuro papa tem esses desafios à frente.
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