Rússia começa a sentir efeito de sanções
Seis meses depois de o confronto em torno da Ucrânia eclodir, os prejuízos começam a ser contabilizados em dólares, euros e rublos. Quando o chanceler russo, Sergei Lavrov, se reuniu com seus colegas da Ucrânia, Alemanha e França na noite de ontem, com certeza tinha consciência de que é a Rússia quem tem mais a perder com o enfrentamento econômico prolongado com o Ocidente.
Os efeitos de rodadas sucessivas de sanções contra a economia russa começam a chegar à população, não obstante as muitas brechas e exceções.
Os bancos estrangeiros reduziram o crédito a todas as empresas russas. Os preços ao varejo estão subindo na esteira da proibição retaliatória russa às importações de alimentos europeus. O crescimento está anêmico.
O Royal Bank of Scotland, pertencente em 81% aos contribuintes britânicos, restringiu o crédito a empresas russas em geral, e o banco holandês ING prevê fazer o mesmo.
Os bancos, especialmente os que foram resgatados pelos contribuintes e ainda lutam para restaurar suas reputações manchadas, têm medo de conceder empréstimos à Rússia, embora essa preocupação não seja compartilhada por empresas petrolíferas.
O resultado é que, segundo pesquisa da Bloomberg, nem um único dólar, euro ou franco suíço foi emprestado a uma companhia russa em julho.
É a primeira vez desde a crise financeira em que empresas russas enfrentam tamanha seca de crédito.
"Estamos começando a finalmente enxergar algum impacto das sanções, não devido a qualquer uma das sanções oficiais, mas graças ao acúmulo de sanções autoimpostas", diz Chris Weafer, da Macro Advisory, de Moscou.
"Isso está começando a ter impacto sobre o crédito, os juros e o desaquecimento da economia, e temos o problema adicional da inflação de alimentos. Tudo isso está começando a pesar."
De agora em diante, embora os bancos estatais russos tenham sido proibidos de levantar fundos nos mercados de capital ocidentais, eles não são foras-da-lei econômicos totais.
Timothy Ash, chefe de pesquisas sobre bancos emergentes no Standard Bank, disse que, se o Ocidente estivesse falando totalmente a sério, teria proibido a negociação da dívida bancária russa nos mercados secundários.
Ash pensa que as sanções vão impactar a economia russa, mas não gerar pânico imediato. "Vamos assistir a uma crise financeira no curto prazo? Provavelmente não em função disto. O Ocidente tem a capacidade de provocar tal crise? Com certeza. Ele quer fazer isso? É evidente que não."
Mas o endurecimento do crédito causa um efeito dominó sobre a economia: as grandes empresas russas, sentindo a relutância dos credores ocidentais, buscam empréstimos junto a bancos russos.
Estes, por sua vez, recorrem ao banco central, que reage elevando as taxas de juros.
Os juros mais altos ajudam a fortalecer o rublo, mas encarecem o pagamento de dívidas, de modo que os consumidores russos começam a gastar menos. As vendas de automóveis caíram 23% em julho.
Ao mesmo tempo em que o crédito se encarece, os consumidores russos pagam mais pelos alimentos desde que Vladimir Putin proibiu a importação de alimentos, a título de retaliação contra as sanções ocidentais.
Embora imagens de prateleiras vazias, as mesmas que antes eram ocupadas por queijos parmesão e brie, circulem pelas mídias sociais russas, não há carestia ao estilo dos anos 1980.
Mas a maioria dos economistas, além do próprio governo russo, prevê a alta dos preços dos alimentos, o que será um revés na luta da Rússia para controlar a inflação.
Membros do governo já começam a enxergar o que está por vir. Igor Sechin, presidente do grupo petrolífero Rosneft, incluído na lista negra, pediu ao governo 1,5 trilhão de rublos para ajudar a estatal a refinanciar suas dívidas.
Com a expectativa de que outras estatais ingressem na fila para pedir dinheiro do Estado, economistas estão reduzindo as previsões de crescimento.
O FMI prevê crescimento de apenas 0,2% na Rússia este ano. Isso é pior do que pode parecer. A Rússia é uma economia ainda em desenvolvimento, com 18 milhões de habitantes (13% da população) vivendo na pobreza.
Putin, que espera poder candidatar-se a presidente em 2018, quer que o país cresça como a China, com 7,5%. "Com crescimento de 1% ou menos [em uma economia em desenvolvimento], é praticamente o mesmo que uma recessão", diz Weafer. "Não há dúvida: a Rússia tem um inverno difícil pela frente."
Tradução de CLARA ALLAIN
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