Inspirada pela Grécia, esquerda da Espanha reúne milhares em Madri
Motivados pelo Syriza, a coligação de esquerda radical que venceu as eleições na Grécia no último domingo, ao menos 100 mil pessoas colapsaram ontem o centro de Madri em protesto convocado pelo Podemos, o partido político de extrema esquerda que vem sendo apontado como o próximo vencedor do movimento antiausteridade na Europa.
A sigla estimou em 300 mil o número de participantes. Segundo a polícia, foram 100 mil.
Embora o partido seja essencialmente jovem –nasceu do chamado movimento dos indignados e seu líder, Pablo Iglesias, tem 36 anos– os manifestantes eram sobretudo adultos e idosos, segundo observou a reportagem em todo o trecho da marcha, de cerca de 600 metros.
Pedro Armestre/AFP Photo | ||
Manifestantes se reúnem na Porta do Sol durante a 'Marcha pela Mudança', planejada pelo Podemos |
Um dos trunfos atribuídos ao sucesso do Podemos nas pesquisas de opinião é o de conseguir aglutinar jovens indignados a idosos insatisfeitos com os atuais partidos do país.
Há três meses, a sigla aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de votos para as próximas eleições espanholas municipais, que acontecem em maio, e gerais, previstas para dezembro.
"Nós ainda temos nossa aposentadoria, mas isso não está mais garantido a nossos filhos e por isso viemos. Não queremos mais ser empregados da [chanceler alemã Angela] Merkel", disse a aposentada Ascensión Fernández, 66, que foi ao protesto com cinco amigas.
A chanceler alemã era ao lado do premiê espanhol, Mariano Rajoy, o alvo dos protestos deste sábado. Centenas de pessoas carregavam cartazes com os dizeres "Merkel 0 x Grécia 10".
"O Syriza foi um empurrão que precisávamos, porque antes parecia impossível uma alternativa ao bipartidarismo ganhar. Agora as pessoas estão ansiosas para ir às urnas", disse o professor de literatura Miguel Martínez, 34, que vive nos Estados Unidos por falta de trabalho em seu país mas veio a Madri participar da marcha.
A vitória do Syriza na Grécia deu ao Podemos o fôlego extra que a sigla vinha perdendo desde o fim do ano passado. O número dois do partido, Juan Carlos Monedero, vem sendo investigado por supostamente receber financiamento do goveno venezuelano.
Por isso, a comerciante de Caracas Leonor Chávesz, 36, que vive em Madri, quis passar longe da marcha ao ver a bandeira do Podemos ao caminhar pelo centro da cidade. "Não apoio ninguém que compactue com o governo que destrói meu país", disse.
Mesmo indecisos sobre o apoio à sigla, espanhóis acudiram à manifestação para "mostrar à Europa nossa insatisfação com as políticas de austeridade", segundo o arquiteto madrilenho Valério Canals, 39.
"O Podemos ainda não me convenceu totalmente, mas são pessoas bem preparadas academicamente. Talvez seja o caso de começar no âmbito municipal para ver como funciona", disse.
Já o engenheiro Luís Laos, 38, disse ter se convencido pelas propostas do partido para o mercado de trabalho. Por causa da última reforma trabalhista do atual governo, que flexibilizou as demissões e os contratos, ele disse ter sido demitido da empresa onde estava havia 17 anos.
"Agora só consigo trabalhos temporais, que pagam pior. Estou ganhando € 20 mil (cerca de R$ 60 mil) a menos por ano". Além disso, contou, sua irmã está há três anos sem trabalho.
Gerard Julien/AFP | ||
Pablo Iglesias, líder do partido antiausteridade Podemos (de punho erguido) comemora marcha |
Na Porta do Sol –ponto final da marcha onde manifestantes encontraram turistas–, Pablo Iglesias, número um do Podemos e principal favorito ao próximo premiê da Espanha, mostrou que já é um líder indiscutível no país. O público se calou para escutar seu discurso, feito sobre um grande palco montado em uma das extremidades da praça.
"Hoje é um dia histórico, que será lembrado em todos os livros escolares. É o primeiro dia do ano em que tudo mudará", discursou diante de um público que, como a reportagem presenciou, não podia se mover por mais de 30 minutos por causa do número de pessoas.
De Barcelona, o premiê Mariano Rajoy minimizou a manifestação e disse que "esse radicalismo está na moda mas passará".
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