Ascensão de não políticos é sinal de cansaço do eleitorado, diz acadêmico
Enviado como observador do Centro Carter para as eleições deste domingo (25) na Guatemala, o político e acadêmico mexicano Jorge Castañeda, 62, crê que o favoritismo do comediante Jimmy Morales se explica pelo fato de sua candidatura representar um "voto de protesto".
O país vive um processo inédito após a renúncia do presidente Otto Pérez Molina, em setembro, acusado de envolvimento em uma rede de corrupção que desviava verbas alfandegárias.
Jorge Araújo - 13.mai.2014/Folhapress | ||
O político e acadêmico mexicano Jorge Castañeda, em evento em São Paulo, em maio de 2014 |
Candidatos apolíticos, diz Castañeda, têm se tornado cada vez mais comuns na América Latina –Mauricio Macri, na Argentina, é outro exemplo. "[É] a ideia de um candidato que não tem vínculos com a política tradicional, de conchavos e compra e venda de favores."
Leia, abaixo, trechos da entrevista que Castañeda concedeu à Folha, por telefone.
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Folha - Vários países da América Latina vêm assistindo a protestos contra a corrupção. Qual é a particularidade da Guatemala?
Jorge Castañeda - Foi definitiva a presença de um fator externo. Sem a atuação da Comissão contra a Impunidade na Guatemala [agência de investigação independente, criada pelo governo e pela ONU, em 2007, e composta por cidadãos guatemaltecos e estrangeiros], a investigação do escândalo que causou a renúncia de Otto Pérez Molina não teria sido possível.
Outra particularidade foi o modo persistente como a população foi às ruas e fez tamanha pressão que o Congresso teve de aprovar a retirada da imunidade de Pérez Molina.
Uma comissão como essa na Guatemala seria eficiente em outros países da região?
É um modelo que serve a países cujas instituições são frágeis demais. Pode ser benéfico a Honduras, por exemplo, que vive um processo semelhante, ou Nicarágua e El Salvador.
Mas não creio que possa ser aplicada em países com instituições como México, Brasil e Argentina, cujos problemas são de outra escala. O ideal era que esse tipo de comissão não fosse necessário em nenhum lugar e que as instituições funcionassem.
Como o sr. explica o favoritismo do humorista Jimmy Morales, um outsider da política, para a eleição deste domingo?
É um voto de protesto, de cansaço com relação à política tradicional, à corrupção.
Candidaturas como a dele não têm sido incomuns na América Latina. A ideia de um candidato que não tem vínculos com a política tradicional, de conchavos e compra e venda de favores.
Outro exemplo é Mauricio Macri, na Argentina, que se lançou a partir do grito de "que se vayan todos" (fora todo mundo), da crise de 2001, e se vende como um não político, como um empresário ou um gestor.
O sr. tem a sensação de que a corrupção aumentou ou que as pessoas estão mais sensíveis na América Latina?
Certamente se tornou mais importante. E em vários países, Brasil, México, Honduras e mesmo o Chile, que tem uma particularidade interessante. Em termos de escala e valor, a corrupção do Chile, comparada aos casos mexicano ou brasileiro, é ridícula.
Mas os efeitos parecem estar sendo até mais devastadores, o custo político para a presidente Michelle Bachelet é muito alto.
Ao mesmo tempo, sim, creio que a corrupção em si também aumentou em alguns casos. É só olhar as cifras do caso brasileiro. No México, a corrupção está totalmente incorporada ao sistema.
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