Em carta, Dilma pede a Maduro que evite violência na eleição venezuelana
Foi preciso um assassinato político para que o governo brasileiro deixasse de lado a omissão permanente em relação aos abusos cometidos pelo regime bolivariano da Venezuela e soltasse uma nota em um tom acima dos geralmente anódinos comunicados oficiais do Ministério das Relações Exteriores.
Também Paraguai e Uruguai cobraram o governo venezuelano, na primeira vez em que a maioria dos países do Mercosul colide, pelo menos verbalmente, com a Venezuela chavista.
Efe | ||
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, na quinta; Dilma pediu-lhe que evite violência em eleição |
A nota do Itamaraty —que marca um primeiro passo para eventual distanciamento em relação a Caracas— diz que "o governo brasileiro tomou conhecimento com consternação do assassinato de Luis Manuel Díaz, dirigente do partido Ação Democrática (AD), ocorrido no contexto de comício eleitoral no Estado de Guárico, Venezuela".
Depois, lembra o óbvio, mas que geralmente é omitido quando se trata da relação entre Brasília e Caracas:
"Ao condenar com firmeza esse lamentável incidente, o governo brasileiro recorda que é da responsabilidade das autoridades venezuelanas zelar para que o processo eleitoral que culminará com as eleições no dia 6 de dezembro transcorra de forma limpa e pacífica, de modo a permitir que o povo venezuelano exerça com tranquilidade seu dever cívico e tenha plenamente respeitada sua vontade soberana".
É uma maneira não tão sutil de jogar o cadáver de Díaz, morto na quarta (25), no colo do governo de Nicolás Maduro, não porque o tiro tenha sido disparado por chavistas, o que ninguém tem condições de afirmar por ora, mas pelo ambiente de intimidação criado pelas autoridades.
CARTA DE DILMA
A morte do militante da oposicionista AD foi o quinto ataque, dois deles armados, sofridos pela oposição nos últimos dias.
A nota do Itamaraty foi precedida pelo envio de uma carta da presidente Dilma Rousseff a Maduro, da qual foi portador Marco Aurélio Garcia, o assessor diplomático da presidente.
Nela, Dilma diz que o Brasil respeita a soberania venezuelana, lembra que os dois países fazem parte do Mercosul e que o pleito venezuelano terá grande incidência não só para a Venezuela mas para o Mercosul, a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e as Américas.
Por isso mesmo, pede que as eleições sejam cercadas de plenas garantias democráticas, mais ou menos no mesmo diapasão da nota do Itamaraty.
Esta, por sua vez, pede que o governo venezuelano atue "para coibir quaisquer atos de violência ou intimidação que possam colocar em dúvida a credibilidade do processo eleitoral em curso e a legitimidade dos resultados da votação".
O sentido da correspondência de Dilma foi mostrar que as conquistas de governos de esquerda dependem do sucesso da democracia na região. Com a carta, a presidente cutuca Maduro pela primeira vez.
Apesar do recado sobre democracia, o tom da comunicação foi cordial, com reiteradas referências à proximidade entre as duas nações.
Maduro reagiu à carta dizendo que respeitará o resultado da votação, seja ele qual for, e colocou em contexto sua afirmação recente de que, se o governo perdesse, governaria com o povo nas ruas.
A mobilização, disse o presidente ao enviado brasileiro, seria para evitar que a nova Assembleia Nacional votasse "leis antissociais". Emendou, firme: "Não haverá golpe militar".
PREOCUPAÇÃO
A nota do Itamaraty e a carta da presidente revelam duas coisas: primeiro, a volta de uma razoável sintonia entre o Palácio do Planalto e o Itamaraty, que nem sempre estiveram próximos em se tratando de Venezuela.
Segundo, revela a preocupação do governo brasileiro com o agravamento da já aguda crise venezuelana, seja no caso de a oposição rejeitar os resultados, seja no caso de o governo Maduro reagir com violência a uma derrota, cenário para o qual todas as pesquisas de intenção de voto estão apontando.
O presidente parece acreditar, em todo o caso, que mesmo que perca em votos, poderá manter a maioria das 157 cadeiras da Assembleia Nacional, graças a uma conformação de distritos favorável ao governo.
Em 2010, com menos da metade dos votos, o governo ficou com 3/5 das vagas.
Colaborou NATUZA NERY, editora do Painel
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