Em algum Estado ao sul do país, um Congresso de maioria republicana aprova lei que, sob véu da "liberdade religiosa", restringe direitos LGBT.
Para contra-atacar, grandes corporações ameaçam boicotar a região e, de quebra, levar com elas milhares de empregos e bilhões de dólares.
Os Estados Unidos já viram esse filme antes, e a mais recente reprise ocorreu terça (5), quando o governo do Mississippi sancionou uma legislação que dá aval para instituições e indivíduos recusarem serviço àquele que fere seus princípios religiosos.
Desde que a Suprema Corte legalizou o casamento gay no país, em junho de 2015, vários Estados sob governo conservador criaram leis que, segundo críticos, restringem direitos da população lésbica, gay, bissexual e transgênero.
Implicações práticas no Mississippi: funcionários públicos não são mais obrigados a selar casamentos homossexuais, empresas podem demitir gays, e instituições religiosas (como escolas e igrejas) têm o direito de negar atendimento a essa comunidade.
Impedir a "interferência do Estado" na fé individual "é motivo de orgulho", afirmou o governador Phil Bryant, que deu a canetada final da lei.
"Com um texto que faria George Orwell [autor do 'duplipensar' no livro '1984'] se contorcer", a lei "não passa de intolerância sob manto de religião", diz Eddie Glaude, da Universidade Princeton.
PRESSÃO ECONÔMICA
Mais do que uma cruzada ideológica, o embate é também econômico. Um arco de corporações que vai do Google à Disney pressiona governos a abandonarem leis que, define o presidente da Microsoft, Brad Smith, "são ruins para pessoas e negócios".
A pressão funcionou na Geórgia, onde em março o governador desistiu de chancelar legislação afim.
Primeira a debandar do Mississippi, a PayPal anunciara há duas semanas que traria nova filial e 400 empregos para lá. Cancelou o plano.
A mil quilômetros dali, na Carolina do Norte, o Estado validou norma para limitar o acesso aos banheiros] de "menino" e "menina" em escolas e prédios públicos. Usuários são definidos pelo "sexo biológico", entendido como aquele "na certidão de nascimento" —o que obriga uma transexual ou transgênero a se aliviar ao lado de homens.
Os gêmeos Jason e David Benham, ativistas conservadores do Estado, disseram à Folha que essa lei "é bom senso" e reagir a ela seria proteger potenciais "molestadores, ao abrir o banheiro das mulheres para homens".
Os irmãos criticam o boicote de companhias como Apple e American Airlines.
O designer gráfico Knol Aust, que já trabalhou para Yoko Ono e milita no grupo Unity Mississippi, diz ter "esperança" de que o revés financeiro faça legisladores repensarem suas posições.
"Se não querem o arco-íris, então não vão ter o pote de ouro, querida", diz o costureiro (de dia) Marcos dos Santos e drag queen (à noite) Lady Madam, morador de Geórgia, onde a lei não pegou.
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