Discurso de Dilma na ONU foi pouco ambicioso, dizem ambientalistas
Do pódio da Assembleia Geral da ONU, a presidente Dilma Rousseff falou durante pouco mais de sete minutos, a maior parte deles dedicada a exaltar a importância do Acordo de Paris e o papel do Brasil no sucesso das negociações. Para ela, o pacto do clima é "um marco histórico na construção do mundo que queremos".
Segundo assessores, ela ficou acordada até tarde da noite anterior finalizando o discurso, em que ressaltou os "resultados expressivos" que Brasil e outros países em desenvolvimento tem apresentado na redução de emissões e lembrou a meta estabelecida por ela em discurso na ONU no ano passado.
"Meu país está determinado a intensificar ações de mitigação e de adaptação. Anunciei aqui mesmo, durante a Cúpula da Agenda de Desenvolvimento 2030, a contribuição brasileira de 37% de redução dos gases de efeito estufa até 2025, assim como a ambição de alcançarmos uma redução de 43% até 2030, tomando 2005 como base em ambos os casos", afirmou.
Alfredo Sirkis, ex-deputado federal pelo Partido Verde, acompanhou o discurso da presidente e ficou decepcionado. Ele disse que o Brasil deveria apontar metas mais ambiciosas depois do Acordo de Paris. "Pelo menos ela poderia ter especificado o que está sendo feito concretamente, mas o fato é que a governança no Brasil está num estado tão caótico que fica difícil avançar", afirmou à Folha.
Sirkis, diretor executivo do centro de estudos Brasil no Clima, disse ainda que teria sido desejável que a presidente apontasse "um horizonte" para a ratificação do Acordo de Paris, como fizeram países como China e EUA, mas reconheceu que a crise política torna isso bastante difícil.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, disse que o discurso de Dilma frustrou aqueles que esperavam "uma demonstração de grande liderança do Brasil" no combate à crise climática, preferindo apenas reafirmar compromissos já anunciados. Na opinião de Rittl, é preciso entender que, além dos dividendos ambientais, o investimento em energia limpa é um bom negócio.
"Num país em profunda recessão, é fundamental perceber que o que é bom para o clima é bom para a economia. O governo brasileiro, porém, parece ainda ter medo de falar sobre acelerar a descarbonização", afirmou Rittl em um comunicado.
"PACTO COM FUTURO"
"Um pacto com o futuro." Assim o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, descreveu o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, assinado nesta sexta (22) por 175 países, incluindo o Brasil.
É um número sem precedentes de assinaturas em um acordo num mesmo dia, uma demonstração do consenso sobre a importância do tema, festejou Ban. Ele alertou, porém, que a mobilização de nada adiantará caso não sejam cumpridos os compromissos assumidos no pacto adotado há quatro meses na capital francesa, estabelecendo uma meta para conter a alta da temperatura global.
"Estamos batendo recordes nesta sala. Mas também há recordes lá fora. Temperaturas recordes, degelo recorde, níveis recordes de carbono na atmosfera. Estamos numa luta contra o tempo", disse Ban. Ele exortou os países signatários a não tardarem a ratificação do pacto para que ele possa entrar em funcionamento "o quanto antes".
O mês passado foi o março mais quente já registrado, segundo medições divulgadas nesta semana pela Agência Atmosférica dos EUA. Segundo o órgão, foi o 11º mês consecutivo com quebra de recorde de aumento da temperatura, confirmando a curva ascendente dos últimos anos.
Em seu pronunciamento, o secretário de Estado americano, John Kerry, lembrou que 2015 foi o ano mais quente da história. "A urgência deste desafio só fica mais pronunciada", disse Kerry, que assinou o acordo com a neta Isabelle, 2, no colo. A série de discursos foi encerrada pelo ator Leonardo Di Caprio, alvo de intensa tietagem.
Timothy A. Clary/AFP | ||
Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, assina Acordo de Paris com neta no colo |
VIGÊNCIA
Para entrar em vigor, o Acordo de Paris precisa ser ratificado por ao menos 55 países que representam no mínimo 55% das emissões globais de gases poluentes.
Os demais países terão até 17 de abril de 2017 para assinar o pacto. China e Estados Unidos, os maiores emissores de gases poluentes do mundo (quase 40% do total), se comprometeram a ratificar o acordo ainda neste ano.
No Brasil, a ratificação exige a aprovação nas duas Casas do Congresso.
Outro desafio é o financiamento para o combate ao aquecimento global, que foi um dos principais entraves em Paris para a conclusão do acordo, já que os países em desenvolvimento exigiam uma contribuição maior dos desenvolvidos. No fim, os países ricos reiteraram o compromisso com uma ajuda anual mínima de US$ 100 bilhões (R$ 358 bilhões ) às nações mais pobres.
Anfitrião da Conferência do Clima de Paris, o presidente da França, François Hollande, foi o primeiro mandatário a discursar e a assinar o acordo. Ele destacou a importância de cumprir com o financiamento prometido. "Precisamos transformar as palavras em ações", afirmou.
Um a um, representantes de dezenas de países se revezaram no pódio da Assembleia Geral da ONU, que viveu um dia de celebração, com direito a música e uma apresentação de crianças.
Em meio ao otimismo, ambientalistas advertiram que, embora o acordo seja um marco histórico, ele só terá efeito se os países signatários tiverem capacidade de deixar velhos hábitos e mudar a matriz energética, abandonando os combustíveis fósseis.
"Não se vence a mudança climática com um pedaço de papel, disse Rhea Suh, presidente do grupo ambientalista Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. "Precisamos deixar para trás a era dos combustíveis jurássicos, de uma vez por todas, e avançar para um futuro com formas mais limpas e inteligentes de energia."
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