El Salvador anula anistia que impediu investigações sobre guerra civil
Após anos de pressão de entidades externas e de movimentos locais de defesa de direitos humanos, a Corte Suprema de El Salvador decidiu anular a lei de Anistia do país.
Segundo a decisão, a legislação era "contra o acesso à Justiça e a proteção de direitos fundamentais", segundo o texto emitido pelo tribunal.
Promulgada em 1993, a lei tinha por fim impedir investigações e julgamentos de crimes ocorridos durante os 12 anos de guerra civil (1979-92) que deixaram um rastro de mais de 85 mil mortos e 8.000 desaparecidos no país.
Jose Cabezas - 3 dez. 2013/AFP | ||
Marcha pede julgamento de militares envolvidos em massacres durante a guerra civil em El Salvador |
Agora, poderão vir à luz a verdade sobre massacres e assassinatos protagonizados pelas forças em conflito -de um lado o regime militar no poder após o golpe de 1979, e, do outro, a guerrilha Farabundo Martí (FMLN) e agrupações a ela associadas.
"Apesar de os crimes cometidos pela repressão militar terem sido mais numerosos e graves por serem perpetrados pelo Estado, os ex-guerrilheiros também são responsáveis por delitos sérios, como o complô para assassinar prefeitos", disse à Folha Cynthia Arnson, diretora do programa de estudos latino-americanos do Centro Internacional Woodrow Wilson (EUA).
"É esperado que ambos os lados estejam preocupados."
Editoria de Arte/Folhapress |
De fato, uma das primeiras vozes críticas à queda da anistia foi a do atual presidente de El Salvador, Sánchez Cerén, um dos líderes da guerrilha, hoje transformada em partido político.
Para o ex-rebelde, retomar investigações sobre o período pode desequilibrar o país. "A decisão da Corte não leva em conta o impacto que isso pode ter no frágil tecido social do país", declarou.
No mesmo tom, o ex-general Mauricio Ernesto Vargas declarou que a derrubada da anistia acirraria a polarização. "El Salvador não tem condições econômicas e políticas de acrescentar mais um ingrediente desestabilizador à sociedade."
PRINCIPAIS CASOS
Entidades de direitos humanos e familiares de vítimas, porém, festejaram.
Casos famosos pela brutalidade -como a execução de mais de mil camponeses em El Mozote (1981) ou o assassinato de Óscar Romero, o arcebispo de El Salvador que vinha denunciando abusos do governo, na celebração de uma missa (1980)- poderão ser enfim processados.
Romero, alvo de um esquadrão da morte ligado ao governo militar, é hoje um mártir popular. O papa Francisco reativou seu processo de canonização tão logo assumiu o posto, em 2013.
Do mesmo modo, fica aberta a possibilidade de se investigar os abusos da guerrilha, acusada de sequestros para arrecadar dinheiro para a lutar armada, de assassinatos, de extorsão de camponeses e de complôs para assassinar políticos de forma maciça.
"Este é um momento histórico para os direitos humanos em El Salvador. Confrontar o passado é algo necessário para pacificar uma sociedade ainda muito conflitiva", disse Erika Guevara-Rosas, da Anistia Internacional.
Para a estudiosa Cynthia Arnson, a decisão põe El Salvador no mesmo caminho de outros países da América Latina que vêm revendo abusos daquela época. "A Argentina e o Chile têm sido exemplos da importância de conhecer os abusos do passado."
No caso de El Salvador, haviam sido julgados apenas alguns casos que envolviam cidadãos norte-americanos ou europeus.
Na Espanha, foram condenados os militares responsáveis pelo assassinato de cinco padres jesuítas espanhóis.
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