Por que o mundo enfrenta sua pior crise humanitária desde 1945?

Crédito: Mohamed Sheikh Nor - 11.mar.2017/Associated Press Desnutrido, bebê de nove meses recebe tratamento em hospital de Mogadício, capital da Somália
Desnutrido, bebê de nove meses recebe tratamento em hospital de Mogadício, capital da Somália

DAVID PILLING
DO "FINANCIAL TIMES"

A ONU alertou que o planeta está enfrentando sua pior crise humanitária desde que a organização foi fundada, em 1945. Segundo as Nações Unidas, 20 milhões de pessoas enfrentam "níveis devastadores de insegurança alimentar", no Iêmen, Sudão do Sul, Somália e nordeste da Nigéria.

"Sem esforços mundiais coletivos e coordenados, pessoas simplesmente morrerão de fome", disse Stephen O'Brien, o chefe de operações humanitárias das Nações Unidas, ao Conselho de Segurança da organização, na sexta-feira. "Muito mais pessoas sofrerão e morrerão por causa de doenças".

As agências assistenciais vêm alertando há meses, e no caso da Somália, há anos, de que uma catástrofe está iminente. Mas a situação se deteriorou rapidamente nos últimos 12 meses.

No mês passado, a ONU e o governo do Sudão do Sul declararam estado de fome em algumas regiões do país. A ONU diz necessitar de US$ 5,4 bilhões para enfrentar a crise, mas dispõe de apenas uma fração ínfima dessa quantia para emprego imediato.

Eis uma lista das causas de escassez de alimentos, e das medidas que estão sendo tomadas para combatê-la:

Essas crises são causadas por ações humanas?
A resposta resumida é sim, ainda que em graus variáveis. A Somália é a exceção.

Desde que o Sudão do Sul, o mais novo país do planeta, se tornou independente, em 2011, as disputas internas são constantes. O governo do presidente Salva Kiir e seu principal rival, e antigo vice, Riek Machar não conseguiram resolver as diferenças étnicas profundamente enraizadas e nem sua disputa pelo poder, e o país decaiu à guerra civil.

Qual é a definição para uma onda de fome?
As agências da ONU e as organizações assistenciais aderem a uma definição estrita de fome, classificando-a em uma escala internacionalmente reconhecida que vai de um, ou seja, uma situação alimentícia normal, a cinco, que significa fome generalizada.

Um alerta de fome é declarado quando pelo menos 20% dos domicílios de uma região enfrentam completa falta de alimentos, o nível de subnutrição aguda supera os 30% da população, e mais de duas em cada 10 mil pessoas morrem por dia.

Os doadores estão esgotados?
A crise de refugiados deflagrada pela guerra na Síria atraiu boa parte da atenção e das verbas de assistência internacional. Nos países ocidentais, o apetite por assistência internacional se reduziu, em diversas camadas da população.

Mas Challiss McDonough, porta-voz regional do Programa Mundial de Alimentação da ONU, diz que "esgotamento não é a palavra certa".

Falando sobre Juba, a capital do Sudão do Sul, ela acrescentou que "é mais como se o sistema de assistência humanitária estivesse sobrecarregado ao ponto da paralisia. Há 20 milhões de pessoas expostas à fome. Um ano atrás, eu teria classificado uma situação assim como inimaginável".

Os países estão condenados a repetir essas catástrofes ano após ano?
Não. A Etiópia é um país muitas vezes associado à fome em larga escala por causa da onda de fome de 1983-1985, na qual pelo menos 400 mil pessoas morreram (e algumas estimativas elevam esse total a um milhão de mortos).

De lá para cá, porém, um novo governo —autoritário e repressivo, mas com uma forte agenda de desenvolvimento— tomou medidas sérias para impedir que uma fome em grande escala voltasse a acontecer.

No ano passado, a Etiópia sofreu sua pior seca em pelo menos três décadas. Algumas pessoas certamente passaram fome, mas o país montou uma resposta coordenada, que foi facilitada pela grande melhora na infraestrutura, por anos de crescimento econômico rápido, e por planejamento prudente.

Um estudo da Fundação Mundial pela Paz demonstra que entre 1870 e 1980, 115 milhões de pessoas morreram de fome —90% das quais como resultado de guerras, conquistas e repressão.

Os números caíram, depois disso. Mas se Estados entrarem em colapso e governos ou extremistas colocarem seus objetivos acima da segurança alimentar do povo, a fome em massa ainda pode atacar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.