Investigações e racha em coalizão ameaçam Netanyahu em Israel

DANIELA KRESCH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TEL AVIV

Somando os três anos de seu primeiro mandato (1996-1999) e os oito desde que voltou a ser premiê (2009 até hoje), Binyamin "Bibi" Netanyahu já superou, em tempo no poder, o mitológico premiê David Ben Gurion, fundador de Israel.

Pode ser, no entanto, que a era Bibi esteja chegando ao fim antes do tempo planejado pelo líder do partido conservador Likud.

O motivo seriam quatro ações judiciais —apelidadas pela polícia de "1000", "2000", "3000" e "4000"— que envolvem alegações de corrupção, quebra de confiança e abuso de poder e que podem, em breve, se transformar em indiciamentos.

A possibilidade está levando a política israelense a ventilar, nos bastidores, nomes de possíveis sucessores.

Desde o começo de 2017, o primeiro-ministro já foi interrogado quatro vezes pela polícia em sua casa, em Jerusalém. Mas Netanyahu nega qualquer envolvimento e aponta a oposição e a mídia como responsáveis pelas acusações.

"Não haverá nada porque não há nada", disse o premiê em uma recente reunião de gabinete. "Essa é uma campanha orquestrada incluindo membros da imprensa que agem mais como detetives, juízes e carrascos do que como jornalistas."

Mas os rumores têm arranhado a popularidade de Netanyahu. Segundo pesquisa de opinião do jornal "Globes" e do "Canal 2", 54% dos entrevistados não acreditam no primeiro-ministro quando ele nega envolvimento (só 28% acreditam) e 44% dizem que ele deveria renunciar imediatamente. Já 43%, no entanto, preferem que Bibi continue.

Mesmo que as investigações levem meses para se transformarem —ou não— em indiciamento, a política israelense está em ebulição diante a um possível "Day after Netanyahu".

Um dos sucessores potenciais é Yair Lapid, um ex-âncora de TV que acumula vitórias políticas com seu partido, o centrista Há Futuro. No momento, o partido tem 11 das 120 cadeiras do Knesset (o Parlamento), a quarta maior bancada.

Mas os principais competidores são da direita, principalmente membros do próprio Likud. Isso porque, de acordo com a lei local, se um premiê deixa o cargo, o partido governista pode simplesmente escolher, internamente, um novo líder.

Três nomes são os mais cotados: o do ministro da Segurança Gilad Erdan (número 2 da legenda); o do popular ministro dos Transportes, Israel Katz (que já anunciou candidatura); e o do presidente do Parlamento, Yuli Edelstein.

NOVAS ELEIÇÕES

Previstas para 2019, as eleições ainda poderiam ser antecipadas, segundo relatos da imprensa israelense neste fim de semana, devido a outro fator: a tensão entre o Likud e o Todos Nós, do ministro da Economia, Moshe Kahlon.

No centro da crise na coalizão governista está a disputa sobre a reforma da rádio e TV públicas de Israel. Netanyahu anunciou no sábado (18) que mudou de ideia e não irá mais apoiar a substituição do órgão estatal, como defende o partido de Kahlon, e sim uma reforma.

Crédito: Ronen Zvulun/Reuters Funcionários da TV estatal israelense protestam em Jerusalém contra reforma proposta pelo governo
Funcionários da TV estatal israelense protestam em Jerusalém contra reforma proposta pelo governo

Em uma reunião do gabinete, Netanyahu teria ameaçado dissolver o governo se a legenda de Kahlon não apoiasse a posição governista.

Por trás desse movimento, dizem opositores, estaria a oportunidade para o primeiro-ministro escapar dos possíveis indiciamentos da Justiça, que seriam vistos como uma tentativa de interferência no processo eleitoral.

No páreo em caso de uma nova eleição, estariam ainda dois nomes da extrema direita que integram o governo: o ministro da Educação, Naftali Bennet (Casa Judaica), e o ministro da Defesa, Avigdor Liberman (Israel Nossa Casa).

"Eu não me apressaria em enterrar politicamente Netanyahu. Ele sabe dar a volta por cima. Mas certamente há uma movimentação política sobre o dia seguinte e ele está enfrentando a luta de sua vida", afirmou o analista político Sefi Ovadia à rádio 103FM.

O ex-vicê-premiê e ex-ministro da Justiça Dan Meridor também não diz adeus a Netanyahu, até porque o procurador-geral de Justiça, Avichai Mandelblit, ainda não decidiu qual será o futuro das investigações.

"Por enquanto, ainda não há uma decisão sobre indiciamento. Até lá, considero que não faz sentido que primeiros-ministros deixem o cargo toda vez que há uma acusação ou investigação", disse Meridor à Folha.

INVESTIGAÇÕES

A polícia dá poucos detalhes, mas o caso "1000" envolveria a acusação de que Netanyahu fez negociatas com dois empresários. Ele e sua mulher, Sara, teriam recebido milhares de dólares em charutos e bebidas alcoólicas, além de outros regalos, do produtor de cinema Arnon Milchan (do blockbuster "Uma Linda Mulher"). O segundo empresário seria o magnata australiano James Packer.

O caso "2000" teria como foco uma tentativa de troca de favores entre Netanyahu e o dono do maior jornal do país, "Yedioth Aharonoth" (Últimas Notícias), o empresário Arnon "Noni" Mozes.

A terceira investigação ("3000") lida com um contrato de US$ 2 bilhões para a compra de três submarinos do grupo alemão Thyssen Krupp.

E o caso "4000", com a suspeita de que o ex-chefe de gabinete de Netanyahu, Ari Harow, teria forjado a venda de sua empresa, a 3H Global, para poder trabalhar no serviço público.

Dois premiês deixaram o cargo por causa de investigações. O caso mais conhecido é o do ex-premiê Ehud Olmert (2006-2009), que acabou condenado a 18 meses de prisão por corrupção.

Em 1977, o então primeiro-ministro Yitzhak Rabin também renunciou depois que foi descoberto que sua mulher, Leah, tinha uma conta bancária nos Estados Unidos (o que era proibido, na época).

Outros ministros já cumpriram pena, sem contar o ex-presidente Moshe Katsav, que deixou a cadeia em dezembro depois de cinco anos preso por estupro e assédio sexual.

"Somos um país que luta conta a corrupção e, portanto, pessoas públicas também são investigadas. Aqui não varremos nada para debaixo do tapete, o que considero um certificado de honra", disse o ex-vicê-premiê e ex-ministro da Justiça Dan Meridor.

Mas há quem acredite que há algo de errado na política israelense, já que todos os primeiros-ministros, nos últimos 20 anos, foram investigados por algo, sem contar ministros, rabinos-chefes e outras autoridades.

As acusações na Justiça estariam sendo usadas como ferramentas políticas.

"A única solução é mudar a atitude perante premiês no poder. Evitar investigações, a não ser que ultrapassem um limite criminal, e, ao mesmo tempo, restringir a dois mandatos o tempo de um premiê", escreveu o jornalista e editorialista do "Yedioth Aharonoth", Yoaz Hendel.

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