Alcance de protestos contra o governo de Putin assusta o Kremlin

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

Após um intervalo de cinco anos sem registro de grandes protestos contra o governo de Vladimir Putin, o Kremlin sinalizou sua preocupação com as manifestações denunciando corrupção oficial em quase cem cidades realizadas no domingo (26).

Segundo o porta-voz do governo, Dmitri Peskov, não passou despercebido o fato de que os protestos não se concentraram apenas em cidades grandes. "O Kremlin é bem sóbrio ao analisar a escala dos protestos. Não irá nem diminuir, nem exagerar os números", afirmou.

Peskov também passou recibo ao dizer estar preocupado com o uso de "crianças" por parte dos organizadores, referência à grande quantidade de jovens nos atos.

Não há estimativa oficial de presença. A rádio Eco de Moscou, um ícone da liberdade de expressão mas não exatamente um instituto de pesquisas, disse que só na capital foram 60 mil. Os organizadores falaram em 99 cidades atingidas. Entre 500 e 1.000 pessoas foram presas.

Os Estados Unidos e a União Europeia pediram a libertação dos manifestantes detidos na Rússia. Em Washington, as prisões foram chamadas de afronta aos valores democráticos. A UE pediu que Moscou "respeite plenamente os compromissos internacionais assumidos" em defesa da democracia.

Peskov respondeu dizendo que não poderia concordar com os pedidos. Segundo ele, a atuação da polícia foi "altamente profissional e dentro da lei".

O grande beneficiário dos protestos é o principal líder oposicionista hoje na Rússia, o blogueiro Alexei Navalni, 40. Ele foi detido por não ter permissão para o protesto, e nesta segunda (27) condenado a 15 dias de cadeia e uma multa equivalente a R$ 1.100.

Isso não é nada perto das duas condenações criminais por roubo e fraude que lhe foram impostas e que podem impedir que ele concorra contra Putin nas eleições presidenciais de 2018.

Navalni foi o idealizador dos atos do domingo, baseado em um vídeo que sua Fundação Russa Anticorrupção havia postado na internet no dia 2 passado.

Em quase 50 minutos (com legendas em inglês), é detalhado um aparente esquema de ocultação de patrimônio de Dmitri Medvedev, o premiê russo que presidiu o país em nome de seu padrinho, Putin, entre 2008 e 2012.

Medvedev deu de ombros: em rede social, disse apenas que tinha aproveitado o dia esquiando. Mas a presença ostensiva de jovens acendeu o sinal amarelo no Kremlin.

Na última rodada de protestos contra o governo, ocorrida entre o fim de 2011 e o começo de 2012, era uma classe média ocidentalizada que se queixava de parâmetros éticos do Kremlin.

"Num certo sentido, agora temos a repetição de 2012. É um protesto ético, mas muito mais jovem e geograficamente diverso. Mas não devemos exagerar seu significado: a Rússia é enorme, e a inércia é sua palavra-chave. Logo, não vai mudar nada na campanha de 2018", disse à Folha Alexei Kolesnikov, responsável pelos estudos de política doméstica russa no Centro Carnegie de Moscou.

Kolesnikov concorda que o blogueiro aumentou seu cacife. "Ele trabalha muito bem a audiência jovem, pensando no longo prazo. Ele tem tempo, se não estiver preso."

Navalni ficou em segundo lugar nas eleições para prefeito de Moscou em 2013. Em 2012, ele era conhecido por 6% dos russos, segundo pesquisas do Centro Levada. Hoje, são 47%, embora 63% digam que não votariam nele para presidente, o que diz muito sobre os limites atuais de sua liderança.

Putin segue muito popular, com 84% de aprovação, segundo o Levada. Seu partido domina o Parlamento, mas o pleito de setembro registrou grande queda de comparecimento às urnas (47% contra a média de 60%, e meros 28% em Moscou), o que assusta os estrategistas do Kremlin, que precisam de números robustos para reafirmar a legitimidade do regime.


REPRESSÃO NA RÚSSIA

Mar.2000
Putin é eleito presidente

Mar.2004
Putin é reeleito

Out.2006
Anna Politkovskaya, jornalista que expôs a corrupção no exército russo e sua conduta na Chechênia, foi baleada no hall de seu prédio, no aniversário de Putin

Nov.2006
O ex-agente secreto russo Alexander Litvineko, que estava exilado no Reino Unido, morre após ser contaminado pela substância radioativa plutônio-210

2007
Marchas organizadas ao longo do ano pelo grupo dissidente "A Outra Rússia", ao qual pertence o ex-campeão de xadrez Garry Kasparov são reprimidas; centenas são presos

Mai.2008
Putin é escolhido primeiro-ministro pelo então presidente recém-eleito Dmitri Medvedev

Mar.2012
Putin é eleito para um terceiro mandato como presidente da Rússia

Mai.2012
Manifestantes protestam em Moscou contra a eleição de Putin, alegando fraude; 450 são presos

Mar.2013
O bilionário Boris Berezovsky é encontrado enforcado na sua residência em Londres. Crítico de Putin ao Kremlin, era alvo de um pedido de extradição de Moscou

Mar.2017
O ex-deputado russo Denis Voronenkov, refugiado na Ucrânia, morre baleado no centro de Kiev

Mar.2017
Mais de mil pessoas são presas durante protestos anti-corrupção em Moscou

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